Empresa é culpada por submeter empregado a tensão dentro de ambiente de trabalho
A Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho reverteu o pedido de dispensa feito por um ex-empregado da Vetorial Energética Ltda., em Ribas do Rio Pardo/MS, para rescisão motivada por falta grave da empresa (rescisão indireta). Segundo o colegiado, a Vetorial foi culpada por oferecer um ambiente de trabalho “tenso e indigno” ao negligenciar as ameaças vividas pelo funcionário após a morte de um colega em alojamento.
Briga
Na ação movida contra a ex-empregadora, o profissional relatou ter ocorrido uma festa no alojamento da Vetorial em maio de 2016. Mesmo proibido, havia bebida e música alta. Foi quando um cozinheiro, com apelido de baiano, pediu a um grupo denominado “mineiros” que abaixasse a música, pois precisava dormir. Diante da recusa do grupo, uma confusão se formou, até que o cozinheiro sacou um revólver e atirou em um dos colegas, que faleceu.
Segundo o empregado, após o ocorrido, por ser amigo do autor do disparo, começou a sofrer ameaças no ambiente de trabalho pelos outros trabalhadores, a ponto de ter de se esconder na mata algumas vezes para não ser molestado pelo grupo. Na ação, o empregado afirmou que procurou a empresa para falar sobre as ameaças de morte, mas que nada foi investigado.
Inverídico
Por sua vez, a empresa qualificou como “inverídico” o perigo de morte descrito pelo empregado. “Os fatos que levaram ao óbito do empregado não ocorreram da forma descrita pelo trabalhador”, afirmou em defesa. Disse que o empregado pediu para ser transferido, o que foi feito logo após a primeira ameaça. A Vetorial garantiu ter tomado todas as providências para solucionar os problemas e que cumpriu todas as obrigações legais e contratuais na demissão do empregado.
Infração
A 5ª Vara do Trabalho de Campo Grande (MS) acolheu a ação do empregado e reconheceu a infração grave patronal na sentença. Todavia, o Tribunal Regional reformou a sentença ao entendimento de que o trabalhador continua desenvolvendo suas atividades sem novas ameaças, bem como pelo fato de que a empresa teria adotado providências para atenuar o desconforto do empregado. A decisão ressalta que a empregadora chegou a aconselhar o trabalhador a tirar férias e visitar a família fora do estado.
Investigação
Observou o relator do recurso no TST, ministro Mauricio Godinho Delgado, que a empresa tinha conhecimento dos fatos, mas não investigou a denúncia feita pelo trabalhador. Além disso, segundo relatado na decisão do Regional, o empregado pediu diversas vezes para mudar de local de trabalho, o que chegou a ocorrer, mas depois voltou a trabalhar no mesmo local dos supostos autores das ameaças.
Rescisão indireta
Para o relator, a rescisão indireta do contrato de trabalho merece ser conhecida. “O trabalhador foi submetido a um ambiente de trabalho tenso e nocivo, que não pode ser considerado digno”. Na visão do ministro, a ocorrência de homicídio no local de trabalho, decorrente de briga entre trabalhadores, por si só, já aponta para certa falta de diligência empresarial quanto à manutenção de harmonia no local.
Com a decisão da Turma, fica restabelecida a sentença da Vara do Trabalho de Campo Grande/MS, que declarou a rescisão indireta e deferiu o pagamento das parcelas dela decorrentes ao empregado.
Processo: RR-24947-56.2016.5.24.0005
RECURSO DE REVISTA. PROCESSO SOB A ÉGIDE
DA LEI 13.015/2014 E ANTERIOR À LEI
13.467/2017. 1. RESCISÃO INDIRETA.
AMEAÇAS GRAVES SOFRIDAS PELO RECLAMANTE
NO AMBIENTE DE TRABALHO. NEGLIGÊNCIA
PATRONAL NA MANUTENAÇÃO DE UM AMBIENTE
DE TRABALHO HÍGIDO. SUBMISSÃO DO
TRABALHADOR A PERIGO MANIFESTO DE MAL
CONSIDERÁVEL. O art. 483 da CLT, em suas
alíneas "a" até "g", arrola os tipos
jurídicos das infrações empresariais,
passíveis de ensejar a rescisão
indireta do contrato. Um desses tipos
consiste na hipótese de o empregador
submeter o empregado a perigo manifesto
de mal considerável (alínea “c”), que
ocorre quando, pelas condições do
ambiente laborativo ou pelo exercício
de certa atividade ou tarefa, o
empregado corre risco não previsto no
contrato, ou que poderia ser evitado. No
caso concreto, a solução da
controvérsia consiste em aferir se a
situação vivenciada pelo Reclamante
permite a rescisão indireta, com
fundamento no art. 483, “c”, da CLT. Do
acórdão regional se extrai que o evento
primitivo que ensejou a pretensão foi
uma confusão no alojamento da Empresa,
envolvendo um grupo de trabalhadores
denominados “mineiros”, que acabou no
homicídio de um colega do Reclamante.
Após esse evento, o Autor sofreu
ameaças, no ambiente de trabalho,
dirigidas por aquele grupo de
trabalhadores. Há informação de
situações constrangedoras vivenciadas
pelo Obreiro, como quando precisou
correr para se esconder na mata para não
ser molestado. Todo esse quadro foi
comprovado em juízo pelos depoimentos
testemunhais, transcritos na decisão
recorrida. Extrai-se do acórdão
proferido pelo TRT, ainda, as seguintes
premissas: a Reclamada tinha ciência
dos fatos descritos, mas “não procedeu
à investigação da denúncia feita pelo
trabalhador”; o Reclamante provocou
diversas vezes a Empresa para mudar o
seu local de trabalho, mas, “apesar da
transferência inicial, atualmente o
demandante e os supostos autores das
ameaças trabalham no mesmo local”. O
Tribunal de origem, apesar da gravidade
do quadro delineado pela prova
testemunhal, reformou a sentença para
afastar a configuração da infração
grave patronal, com base nos seguintes
fundamentos: presume-se que o
trabalhador continua normalmente suas
atividades sem novas ameaças, pois não
ajuizou ação para que se ordenasse a
mudança do local de trabalho; a falta
grave patronal não seria contemporânea
ao pedido de resilição do contrato; a
Empresa adotou providências para
atenuar o desconforto do Autor, pois o
“aconselhou o autor a tirar férias e ir
visitar a família fora do Estado, como
de fato aconteceu”, e o transferiu para
outra localidade, muito embora “o grupo
de mineiros” tenha retornado a laborar
junto a ele; e o Reclamante não
registrou boletim de ocorrência. Data
vênia, a decisão do Tribunal Regional
merece reforma. De plano, registre-se
que a ausência de imediaticidade com
respeito a infrações cometidas pelo
empregador não compromete,
necessariamente, a pretensão de
rescisão indireta, não significando,
automaticamente, a concessão do perdão
tácito pelo trabalhador. Nada obstante,
no caso concreto, o cenário retratado no
acórdão regional permite concluir que a
insurgência obreira foi imediata contra
a falta de segurança no ambiente de
trabalho e o mal ao que estava
submetido, considerando que o evento
que desencadeou a celeuma (homicídio de
um colega de trabalho) ocorreu entre
maio e junho de 2016, tendo a ação sido
ajuizada logo em seguida (10/6/2016).
Lado outro, não é requisito para a
configuração da rescisão indireta a
comunicação da falta grave empresarial
e/ou dos fatos a ela vinculados às
autoridades policiais. Ultrapassada
essas questões, tem-se que as
informações constantes no acórdão
regional demonstram claramente que o
Reclamante foi submetido a um ambiente
de trabalho tenso e nocivo, que não pode
ser considerado, de forma alguma,
digno. É incontroversa a ocorrência de
um homicídio no local de trabalho,
decorrente de uma briga entre
trabalhadores, fato que, por si só, já
aponta para certa falta de diligência
patronal quanto à manutenção de
harmonia naquele local. Para além das
medidas preventivas que caberiam à
Empresa quanto ao infortúnio envolvendo
o colega falecido do Reclamante, também
ficou comprovada a negligência da
Empregadora em cumprir com obrigações
ligadas à saúde no meio ambiente
laboral, o que evidentemente inclui a
saúde psíquica (art. 6º, 7º, XXII,
XXVIII, 196, 200, VIII, CF), além da
adoção de medidas eficazes para
resguardar a incolumidade física do
Reclamante após aquele evento fatídico.
Nesse sentido, perceba-se que, apesar
de a Reclamada ter transferido o local
de trabalho do Autor e lhe concedido
férias para “visitar a família fora do
Estado”, o Obreiro continuou a manter
contato direto e próximo aos colegas
agressores, situação que,
evidentemente, não elimina o perigo
manifesto a que estava submetido. A
propósito, salta aos olhos a ausência de
informação, no acórdão regional, de
eventual conduta da Empresa no sentido
de censurar os agressores do Reclamante
por seus atos violentos e intimidadores
– circunstância que, inevitavelmente,
faz presumir a tolerância da Empresa
quanto à manutenção daquele ambiente de
trabalho hostil e prejudicial à saúde
física e emocional do Reclamante e ao
perigo ao qual ele estava submetido. Em
conclusão, deve ser reconhecida a
ocorrência de rescisão indireta do
contrato de trabalho, nos moldes do art.
483, “c”, da CLT – como decidiu o Juízo
da Vara de Trabalho de origem. Recurso
de revista conhecido e provido, no
ponto. 2. HORAS EXTRAS. JORNADA 12X36.
INVALIDADE. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA
Nº 85, IV, DO TST. A inexistência de
norma coletiva a validar a adoção da
jornada doze horas de trabalho por
trinta seis de descanso não se trata de
mera irregularidade, porquanto o
instrumento coletivo constitui um dos
elementos de validade do negócio
jurídico, cuja ausência resulta na
nulidade do ato, inviabilizando, desse
modo, a produção de efeitos, ainda que
mínimos. De par com isso, a
jurisprudência desta Corte, por
entender que a jornada de doze horas de
trabalho por trinta e seis de descanso
não é propriamente um regime de
compensação, tem concluído pela
inaplicabilidade da Súmula 85, IV, do
TST quando reconhecida a invalidade
dessa jornada. Recurso de revista
conhecido e provido, no aspecto.