Reforma trabalhista não afasta direito de encarregado de obras à justiça gratuita

Reforma trabalhista não afasta direito de encarregado de obras à justiça gratuita

A Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho concedeu a um encarregado o benefício da assistência judiciária gratuita e a isenção das custas processuais na reclamação trabalhista que ele move contra uma loja de laticínios de São Paulo (SP). Embora a reforma trabalhista (Lei 13.467/2017) tenha passado a exigir a comprovação da insuficiência de recursos para a concessão do benefício, a Turma concluiu que a regra não pode ser aplicada isoladamente.

Declaração de pobreza

O empregado recebia o salário de R$ 3.400, e as custas foram fixadas em R$ 4.361,73. Com base nisso, ele assinou declaração de hipossuficiência financeira. Para a Turma, os fatos demonstram que ele não tem condições de arcar com os custos da ação sem prejuízo do sustento próprio ou de sua família. “Não conceder ao autor os benefícios da gratuidade de justiça é o mesmo que impedir o amplo acesso ao Poder Judiciário e discriminar o trabalhador em relação às pessoas naturais que litigam na Justiça Comum”, afirmou o relator, ministro Agra Belmonte.

Justiça gratuita

O ministro explicou, no julgamento do recurso de revista do empregado, que a Lei 1.060/1950 considerava necessitada a pessoa cuja situação econômica não lhe permitisse pagar as custas do processo e os honorários de advogado sem prejuízo do sustento próprio ou da família. O artigo 4º dessa norma estabelecia como requisito para a concessão da gratuidade da justiça apenas a afirmação da parte nesse sentido na petição inicial. Havia assim, segundo o relator, a presunção da veracidade da declaração de hipossuficiência.

Na mesma linha, o artigo 99 do Código de Processo Civil (CPC) de 2015 presume verdadeira “a alegação de insuficiência deduzida exclusivamente por pessoa natural”. Com a entrada em vigor do novo CPC, o TST converteu a Orientação Jurisprudencial 304 da Subseção 1 Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1) na Súmula 463, com o mesmo teor.

Retrocesso social

A reforma trabalhista, que começou a vigorar em novembro de 2017, introduziu o parágrafo 4º no artigo 790 da CLT, passando-se a exigir a comprovação da insuficiência de recursos. “Sem dúvida, uma condição menos favorável à pessoa natural do que aquela prevista no Código de Processo Civil”, assinala o relator. “O novo dispositivo implicaria, do ponto de vista do trabalhador, um retrocesso social, dificultando o acesso deste ao Poder Judiciário”.

Para o ministro Agra Belmonte, a nova regra não pode ser aplicada isoladamente, mas interpretada sistematicamente com as demais normas constantes da CLT, da Constituição da República e do CPC. “Não se pode atribuir ao trabalhador que postula na Justiça do Trabalho uma condição menos favorável do que a destinada aos cidadãos comuns que litigam na Justiça Comum, sob pena de afronta ao princípio da isonomia”, afirmou.

Por unanimidade, a Turma deu provimento ao recurso para conceder o benefício da justiça gratuita e afastar a deserção decretada pelo TRT em razão do não recolhimento das custas. O processo será devolvido ao segundo grau, para exame do recurso ordinário.

Processo: RR-1002229-50.2017.5.02.0385

RECURSO DE REVISTA. INTERPOSIÇÃO SOB A
ÉGIDE DAS LEIS 13.015/2014 E
13.467/2017. TRANSCENDÊNCIA. A demanda
oferece transcendência com relação aos
reflexos gerais de natureza política e
social, qual seja, o desrespeito da
instância recorrida à jurisprudência do
Tribunal Superior do Trabalho.
ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA.
DECLARAÇÃO DE HIPOSSUFICIÊNCIA.
RECLAMAÇÃO TRABALHISTA AJUIZADA NA
VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017.
NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DO ESTADO DE
MISERABILIDADE. Cinge-se a
controvérsia a se saber se é necessária
a comprovação do estado de
miserabilidade no processo do trabalho
para fins de concessão dos benefícios da
assistência judiciária gratuita. A Lei
nº 1.060/50, que estabelecia as normas
para a concessão de assistência
judiciária gratuita aos necessitados,
previa no parágrafo único do art. 2º que
“Considera-se necessitado, para os fins legais, todo
aquele cuja situação econômica não lhe permita pagar
as custas do processo e os honorários de advogado, sem
prejuízo do sustento próprio ou da família.” Por sua
vez, o art. 4º estabelecia como
requisito para concessão da gratuidade
de justiça que “A parte gozará dos benefícios da
assistência judiciária, mediante simples afirmação, na
própria petição inicial, de que não está em condições de
pagar as custas do processo e os honorários de
advogado, sem prejuízo próprio ou de sua família”.
Dessa disposição, as partes começaram a
apresentar nos autos a declaração de
hipossuficiência. O art. 5º da referida
lei dispunha expressamente que “O juiz, se
não tiver fundadas razões para indeferir o pedido,
deverá julgá-lo de plano, motivando ou não o
deferimento dentro do prazo de setenta e duas horas.”
Portanto, surgiu para as partes

requerentes do benefício da gratuidade
da justiça a presunção de veracidade da
declaração de hipossuficiência. A
jurisprudência do TST havia se
consolidado no sentido de que, para a
concessão da assistência judiciária
gratuita à pessoa natural, bastava a
declaração de hipossuficiência
econômica firmada pela parte ou por seu
advogado. Na mesma linha, o art. 99 do
CPC/2015, revogando as disposições da
Lei nº 1.060/50 sobre gratuidade de
justiça, trouxe em seu § 3º que “Presume-se
verdadeira a alegação de insuficiência deduzida
exclusivamente por pessoa natural”. Nesse
sentido, após a entrada em vigor do
Código de Processo Civil de 2015, o TST
converteu a Orientação Jurisprudencial
nº 304 da SBDI-1 na Súmula nº 463. Logo,
para a pessoa natural requerer os
benefícios da justiça gratuita bastava
a juntada de declaração de
hipossuficiência, sendo ônus da parte
adversa comprovar que o requerente não
se enquadrava em nenhuma das situações
de miserabilidade. No caso de pedido
formulado pelo advogado da parte, este
deveria ter procuração com poderes
específicos para este fim. No entanto,
em 11/11/2017, entrou em vigor a Lei nº
13.467/2017 (Reforma Trabalhista), que
inseriu o parágrafo 4º ao art. 790 da
CLT. Dessa forma, as ações ajuizadas a
partir da entrada em vigor da reforma
trabalhista estão submetidas ao que
dispõe o § 4º do art. 790 da CLT, que
exige a comprovação, pela parte
requerente, da insuficiência de
recursos para a concessão dos
benefícios da justiça gratuita. Sem
dúvida, o referido dispositivo
inaugurou uma condição menos favorável
à pessoa natural do que aquela prevista
no Código de Processo Civil. No entanto,
em se tratando de norma específica que
rege o Processo do Trabalho, não há

espaço, a priori, para se utilizar
somente as disposições do CPC. Logo, o
referido dispositivo implicaria, no
ponto de vista do trabalhador, um
retrocesso social, dificultando o
acesso deste ao Poder Judiciário.
Assim, a par da questão da
constitucionalidade ou não do § 4º do
art. 790 da CLT, a aplicação do referido
dispositivo não pode ocorrer
isoladamente, mas sim deve ser
interpretado sistematicamente com as
demais normas, quer aquelas constantes
na própria CLT, quer aquelas previstas
na Constituição Federal e no Código de
Processo Civil. Dessa forma, à luz do
que dispõe o próprio § 3º do art. 790 da
CLT c/c com os arts. 15 e 99, § 3º, do
CPC, entende-se que a comprovação a que
alude o § 4º do art. 790 da CLT pode ser
feita mediante a simples declaração da
parte, a fim de viabilizar o pleno
acesso do trabalhador ao Poder
Judiciário, dando, assim, cumprimento
ao art. 5º, XXXV e LXXIV da Constituição
Federal. Isso porque não se pode
atribuir ao trabalhador que postula,
junto a esta Especializada, uma
condição menos favorável àquela
destinada aos cidadãos comuns que
litigam na justiça comum, sob pena de
afronta ao princípio da isonomia,
previsto no caput do art. 5º da CF. Além
disso, considerando que o Tribunal
Regional registrou que “o autor percebia
salário superior a 40% do limite máximo dos benefícios
do Regime Geral de Previdência Social (último salário
indicado: R$ 3.400,00, id 5a9a516, p. 8)”, e sendo
incontroverso que ele exercia a
profissão de encarregado de obras e que
as custas foram fixadas em R$ 4.361,73,
associados à existência de declaração
de hipossuficiência, tais elementos,
por si só, denotam que o reclamante não
tem condições de arcar com as custas
processuais sem prejuízo do sustento

próprio ou de sua família. Não conceder
ao autor, no caso dos autos, os
benefícios da gratuidade de justiça, é
o mesmo que impedir o amplo acesso ao
Poder Judiciário (art. 5º, XXXV, da CF)
e discriminar o trabalhador em relação
às pessoas naturais que litigam na
justiça comum (art. 5º, caput, da CF).
Recurso de revista conhecido por
violação do art. 5º, XXXV da CF e
contrariedade à Súmula 463, I do TST e
provido.

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (TST - Tribunal Superior do Trabalho) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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