O adicional de insalubridade: um direito constitucional trabalhista

O adicional de insalubridade: um direito constitucional trabalhista

O adicional de insalubridade ao trabalhador tem como fundamento remoto o princípio da dignidade da pessoa humana, e visa proteger a integridade do trabalhador.

O adicional de insalubridade é um direito constitucional que assegura aos trabalhadores, em sentido geral, melhores condições de trabalho e de meio ambiente de trabalho, para evitar condições gravosas a sua saúde. Funciona como diretriz das relações de trabalho (sentido amplo) e tem fundamento na dignidade da pessoa humana, afinal, não é difícil fazer uma conexão entre trabalho insalubre e indignidade.

A partir da análise das discussões contidas nas Atas das Comissões da Assembleia Nacional Constituinte de 1987/88, principalmente a Comissão da Ordem Social, que em uma de suas subcomissões trata dos direitos dos trabalhadores e dos servidores públicos, pode-se compreender a importância que foi dada pelo constituinte originário ao adicional de insalubridade, bem como nas questões de saúde, medicina e segurança do trabalho.      

A proposta inicial do constituinte originário era de majorar o adicional de insalubridade ao percentual de 50% e ter uma redução gradativa da jornada do trabalhador que laborasse em ambiente insalubre. Esse adicional não seria somente um plus salarial, mas sim uma coerção legal ao contratante para que efetuasse melhorias nas condições de trabalho e meio ambiente do trabalho. 

A ata n° 86, de 1 julho de 1987, da subcomissão dos direitos dos trabalhadores e servidores públicos, dispõe:  

[...] se não apertarmos mais o dono do capital aumentando os índices da questão da insalubridade e da periculosidade, e hoje a insalubridade varia entre 10, 20 e 40%do salário mínimo e a periculosidade é 30% sobre o salário real. Esta emenda de 50%, os adicionais de insalubridade e de alto risco de periculosidade, é no sentido de fazer com que o empresário invista mais para evitar as áreas de alto risco e insalubridade com a perspectiva de somente assim, ele sentindo no seu bolso, parta para melhores índices (BRASIL, 1987, p. 96)

Percebe-se, com isso, que a intenção do adicional de insalubridade é reduzir a ocorrência dos seus agentes ensejadores ao máximo, já que inerentes a algumas atividades, valorizando as políticas públicas de saúde do trabalhador, para, com isso, proteger o bem-estar físico, mental, social, a vida e a integridade de quem labora em condições insalubres, a fim de que tenha a dignidade humana garantida e respeitada. (BRASIL, 1987).

O adicional de insalubridade, na Constituição Federal de 1988, está insculpido no capítulo II, do título II, que trata dos direitos sociais. Os direitos sociais, como dimensão dos direitos fundamentais do homem, no entendimento de Silva (2005, p. 286) funcionam como “prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos direitos, que tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais”. 

Os direitos sociais são considerados os direitos de segunda dimensão ou geração, e comportam diretos sociais, econômicos, culturais coletivos ou das coletividades. Esses direitos “nasceram abraçados na igualdade, do qual não podem se separar, pois fazê-lo equivaleria a desmembrá-los da razão de ser que os ampara e estimula” (BONAVIDES, 2004, p. 564).

Nesse sentido, Cunha Junior; Novelino (2012 p. 172):

A interpretação e aplicação desses direitos devem ser orientadas por alguns princípios, dentre os quais, podem ser destacados: dignidade da pessoa humana (CF, art. 1°, III); valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (CF, art. 1°, IV); valorização do trabalho humano e justiça social (CF, art. 170); busca do pleno emprego (CF, art.170, Vlll); e, primado do trabalho como base da ordem social (CF, art. 193).  

Em relação aos direitos sociais e a influência do poder econômico na prestação do Estado, leciona Arruda (1998, p.19):  

Dos direitos fundamentais, os direitos sociais são os que guardam maior relação com as questões econômicas, tanto em nível estrutural como em nível conjuntural e talvez por isso sejam os mais ameaçados e suscetíveis de interferências dos fatores de poder econômico dominantes no País.   

A Constituição de 1988 elencou como direito mínimo do trabalhador urbano ou rural a percepção de um adicional para as atividades consideradas insalubres. O art. 7°, XXIII, que trata da insalubridade, deve ser entendido em consonância com o inciso XXII, do mesmo artigo, que se refere à redução dos riscos inerentes ao trabalho através de normas de saúde, higiene e segurança, como segue:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: 

[...]

XXII - redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança;

XXIII - adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei;

O adicional de insalubridade ao trabalhador tem como fundamento remoto o princípio da dignidade da pessoa humana, e visa proteger a integridade do trabalhador, em especial, a sua saúde (MALLET; FAVA, 2013.).

Conforme Saliba; Côrrea (2002, p.11) “A palavra insalubridade vem do latim e significa tudo aquilo que origina doença, e a insalubridade é a qualidade de insalubre”. Já Martins (2009, p. 238) descreve a Insalubridade como “prejudicial à saúde que causa doença”. Pela definição legal, o conceito de insalubridade está disposto no art. 189 da CLT:

 Art. 189 - Serão consideradas atividades ou operações insalubres aquelas que, por sua natureza, condições ou métodos de trabalho, exponham os empregados a agentes nocivos à saúde, acima dos limites de tolerância fixados em razão da natureza e da intensidade do agente e do tempo de exposição aos seus efeitos. 

Outrossim a definição de adicional “tem sentido de alguma coisa que se acrescenta. Do ponto de vista trabalhista é um acréscimo salarial decorrente da prestação de serviço do empregado em condições mais gravosas”. (MARTINS, 2009, p. 236) e o seu percentual de pagamento está preceituado no art. 192 da CLT:

Art. 192 - O exercício de trabalho em condições insalubres, acima dos limites de tolerância estabelecidos pelo Ministério do Trabalho, assegura a percepção de adicional respectivamente de 40% (quarenta por cento), 20% (vinte por cento) e 10% (dez por cento) do salário-mínimo da região, segundo se classifiquem nos graus máximo, médio e mínimo.

Acrescenta ainda, o mesmo autor que, “tem o adicional de insalubridade natureza salarial e não indenizatória”. (MARTINS, 2009, p. 241) e integra a remuneração do trabalhador para cálculo de outras verbas se pago com habitualidade, como férias (art. 142, §5 da CLT), 13° salario, aviso prévio, FGTS, indenização (Súmula 139 TST), horas extras (OJ-47/ SDI-1) e seus devidos reflexos legais (DELGADO, 2014).

O direito à percepção do adicional de insalubridade cessa, apenas e tão somente com a eliminação do risco à saúde e integridade do trabalhador (art. 194 CLT) independente do fornecimento de EPI - equipamento de proteção individual – (Súmula 289 TST) a menos que o EPI neutralize o agente causador da insalubridade (Súmula 80 TST), e a sua constatação será feita por perícia a cargo de médico ou engenheiro do trabalho habilitado pelo Ministério do Trabalho e Emprego (art. 195, caput CLT), e, se arguida em juízo, – a insalubridade - o Juiz designará a perícia por profissional habilitado (art. 195, §2° CLT).

Como referido anteriormente o adicional de insalubridade (art. 7°, XXIII, CF/88) deve ser entendido em consonância com as normas referentes à medicina, higiene e segurança do trabalho (art. 7°, XXII, CF/88). Nesse sentido, Saliba (2013, p.23) conceitua segurança do trabalho como “a ciência que atua na prevenção de acidentes do trabalho decorrentes dos fatores de risco operacionais”, buscando uma melhor qualidade de vida no ambiente laboral.

O mesmo autor, em relação a higiene ocupacional ou higiene do trabalho e o seu campo de atuação, define:

A higiene ocupacional é a ciência que atua no campo da saúde ocupacional, por meio de antecipação, do reconhecimento, da avaliação e do controle dos riscos físicos, químicos e biológicos originados nos locais de trabalho e passíveis de produzir danos à saúde dos trabalhadores, observando-se também seu impacto no meio ambiente. (SALIBA, 2013, p. 24).

Destarte, a medicina do trabalho, que surgiu na Inglaterra na primeira metade do século XIX, em razão da Revolução Industrial, tem suas medidas preventivas nos arts. 168 e 169 da CLT, que são reguladas pela NR-7 e pela NR-4, e tem sua área de atuação delineada pelo o autor supracitado como sendo:

[...] fundamental no campo da saúde ocupacional e completa todos os meios prevencionistas, especialmente a higiene ocupacional. A eficiência do reconhecimento, avaliação e o controle dos agentes físicos, químicos e biológicos somente serão alcançados com a participação da medicina do trabalho, por intermédio dos profissionais de saúde (médicos, enfermeiros, auxiliar do trabalho, entre outros). (SALIBA, 2013, p. 25).    

Nesse diapasão as convenções n° 155 e 161, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificadas pelo Brasil, vem ao encontro do art. 7°, XXII e “ampliaram o conceito de ambiente de trabalho para fins de segurança e saúde dos trabalhadores” (SÜSSEKIND, 2004, p. 258), ressaltando que o meio ambiente do trabalho está compreendido na definição de meio ambiente (arts. 225, caput e 200, VIII da CF/88) sendo este gênero e aquele espécie.

Trata a convenção n° 155, da OIT, da segurança e saúde dos trabalhadores (aqui inseridos também os funcionários públicos conforme art. 3°) e determina que, posteriormente a consulta das organizações representativas de empregadores e trabalhadores os Estados, “definam [...] uma política nacional coerente em matéria de segurança e saúde dos trabalhadores, de meio ambiente de trabalho e promovam sua execução” (SÜSSEKIND, 2004, p. 258). 

Essas políticas devem lutar para prevenir os acidentes e os danos à saúde que forem consequência do trabalho, tenham relação com a atividade de trabalho ou se apresentarem durante o trabalho, reduzindo ao mínimo, na medida que for razoável e possível, as causas dos riscos inerentes ao meio-ambiente de trabalho, conforme preceitua o art. 4°, da referida convenção.

Já a Convenção n° 161, da OIT, trata dos serviços de saúde do trabalho e tem como objetivo estabelecer um meio ambiente seguro e salubre adaptando a capacidade física e mental do trabalhador ao ambiente de trabalho (art. 1°). Esses serviços podem ser organizados por empresas ou grupo de empresas, pelos Poderes Públicos, instituições de seguridade social ou outro organismo habilitado pela autoridade competente (art. 7°) e “[...] as funções exercidas por esses serviços abrangem a segurança do trabalho, a medicina do trabalho, a ergonomia e os campos científicos conexos (art. 5°). ” (SÜSSEKIND, 2004, p. 259).  

A regulamentação das atividades consideradas insalubres, bem como as normas de segurança, higiene e medicina do trabalho, no Brasil, fica a cargo do Ministério do Trabalho e Emprego (art. 190, CLT e Súmula 194 STF), através da edição de Portarias Ministeriais (Portaria nº 3.214/ 78), que são chamadas de Normas Regulamentadoras – NR, e que fornecem parâmetros e instruções sobre saúde e segurança no trabalho. 

No que diz respeito a insalubridade, é a NR 15 que dispõe e regulamenta as atividades consideradas insalubres, cuja caracterização da atividade na norma regulamentadora é imprescindível para o recebimento do adicional de insalubridade, enquanto existem diversas NRs relativas a regulamentação da medicina, higiene e segurança dentro de cada área de ocupação/atuação do trabalho. 

Sobre as NRs, no que concerne a sua força normativa, discorre Dellegrave Neto (2008, texto digital) “de uma adequada interpretação do sistema jurídico, verifica-se que tanto a lei (art. 200, da CLT) quanto a CF (art. 7º, XXII) inspiram, referendam e impulsionam as aludidas NR's, conferindo-lhes indubitável e autêntica normatividade” e quanto ao conteúdo das normas de segurança, medicina e higiene do trabalho, elas “são normas sobre obrigações da empresa, dos trabalhadores e do Estado”. (NASCIMENTO 1991, p. 199)

Essa obrigação por parte do empregador vai desde serviços de medicina e segurança do trabalho, equipamentos de proteção e a sua devida orientação e fiscalização, prevenção de acidentes dentre outras. Ao empregado cumpre o dever de cumprir e respeitar as normas de segurança sob pena de cometer falta grave e poder ser demitido por justa causa. (NASCIMENTO, 1991).

Por fim, quanto ao Estado, lhe é atribuída a tarefa de fiscalizar de maneira precedente e continua, determinar multas e penalidades conforme inspeção do agente do trabalho e proceder a interdição ou embargo do estabelecimento no caso de desacordo com as normas regulamentadoras (NASCIMENTO, 1991).

Conclui-se, a partir do exposto, que a insalubridade é um direito constitucional garantidor da dignidade da pessoa humana, baseado em normas de medicina, higiene e segurança editadas pelo Estado, que vem sendo construído através dos tempos com muita dificuldade permeando interesses quase sempre econômicos em detrimento do trabalhador/servidor e que os Poderes Públicos – principalmente  Poder Judiciário, tem o dever de resguardar e assegurar a sua devida efetivação.

REFERÊNCIAS

ARRUDA, Kátia Magalhães. Direito constitucional do trabalho: sua eficácia e o impacto do modelo neoliberal. São Paulo: LTr, 1998.

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 15.ed. São Paulo: Malheiros, 2004.

BRASIL. Diário da Assembleia Nacional Constituinte. n. 86. Brasília, DF, 1987. Disponível em: <http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/sup86anc01jul1987.pdf#page=96> Acesso em: 1 mai. 2015.

______. Vade Mecum. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2015.

CUNHA JUNIOR, Dirley da; NOVELINO, Marcelo. Constituição Federal para concursos. 3. ed. Salvador: Juspodivm, 2012

MALLET, Estevão; FAVA, Marcos. Comentário ao artigo 7º, inciso XXIII. In: CANOTILHO, J. J. Gomes; MENDES, Gilmar F.; SARLET, Ingo W.; STRECK, Lenio L. (Coords.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013.

MARTINS, Sergio Pinto. Direito do trabalho. 25. ed. São Paulo: Atlas, 2009.

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Direito do trabalho na Constituição de 1988. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1991. 

______. Curso de direito do trabalho: história e teoria geral do direito do trabalho: relações individuais e coletivas do trabalho. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.  

SALIBA, Tuffi Messias. Curso básico de segurança e higiene ocupacional. 5. ed. São Paulo: LTr, 2013. 

SALIBA, Tuffi Messias; CORRÊA, Márcia Angelim Chaves. Insalubridade e periculosidade: aspectos técnicos e práticos. 6. ed. São Paulo: LTr, 2002.

SILVA, José Afonso da. Curso de direito Constitucional positivo. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. 

SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito constitucional do trabalho. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. 

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Régis Casagrande
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