Breves considerações sobre a nova Lei de Falências

Breves considerações sobre a nova Lei de Falências

Análise acerca dos principais aspectos da Lei nº 11.101/2005, focando nas suas principais alterações, seus princípios norteadores e na participação mais efetiva dos credores na recuperação de empresas.

Introdução

A nova legislação falimentar começou a vigorar no ordenamento jurídico brasileiro em 09 de junho de 2005, estabelecendo uma nova sistematização para o processo de falência, bem como insere no País o esforço para a recuperação de empresas que passam por dificuldades financeiras.

A partir dela, inseriram-se no ordenamento jurídico brasileiro os institutos da recuperação judicial e extrajudicial, havendo, ainda, uma nova disciplina da falência do empresário e das sociedades empresárias. Ressalte-se que, no mesmo período, promoveram-se alterações no Código Tributário Nacional por meio da Lei Complementar nº 18, de 09 de fevereiro de 2005, adequando-o ao novo diploma falimentar.

Vejamos, desta forma, os principais temas tratados nesta lei, bem como suas principais novidades.

1. A Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. Recuperação Judicial e Extinção da Concordata. Recuperação Extrajudicial.

O referido diploma legal constitui-se em marco no ordenamento jurídico brasileiro, pois substituiu o instituto da concordata pela recuperação judicial[1], o que confere maior liberdade para as empresas que passam por dificuldades negociarem dívidas com os seus credores[2]. Ou seja, estes passaram a ter uma participação mais efetiva no procedimento, uma vez que o devedor apresenta um plano de recuperação, que deverá ser aprovado pelos credores em até seis meses, sob pena de decretação da quebra.

Por meio de uma rápida leitura dos dispositivos concernentes à recuperação judicial, inspirada no sistema jurídico norte-americano[3], vê-se claramente que possui a finalidade de viabilizar a superação de dificuldades financeiras do devedor, permitindo a manutenção de empregos e da fonte de produção de riquezas. Dessa forma, busca-se o incentivo à preservação da empresa, no sentido de fazê-la cumprir sua função social, bem como estimular a atividade econômica, preservando, por conseguinte, os valores constitucionais do trabalho e da livre iniciativa.

A nova lei também retirou da ordem jurídica brasileira o instituto da concordata, em ambas as modalidades (suspensiva e preventiva). Destaque-se, igualmente, que a nova legislação não se aplica a pedidos de falências e concordatas ajuizados antes do início de sua vigência, que obedecerão ao disposto no Decreto-lei nº 7.661/45. Nesse contexto, vedou-se, a partir de sua vigência, a concessão de concordata suspensiva nos processos falimentares em curso, sendo possível a alienação dos bens da massa falida imediatamente à sua arrecadação, o que resguarda os direitos dos credores. Ademais, tem-se que o pedido de concordata feito antes da vigência da nova legislação não impede o pedido de recuperação judicial pelo devedor que não houver descumprido obrigações assumidas na concordata.

Outra importante figura trazida pela nova legislação falimentar é a recuperação extrajudicial, procedimento através do qual a empresa procura se reestruturar por meio da execução de um plano apresentado e negociado pelo devedor com seus credores.

Cabe mencionar que a recuperação extrajudicial possui o mesmo objetivo da recuperação judicial, permitindo que a empresa supere a crise econômico-financeira, mantendo os empregos, preservando os interesses dos credores e resguardando o funcionamento da atividade. Assim, percebe-se que o instituto da recuperação extrajudicial confere a característica da informalidade às negociações nesse âmbito. O Poder Judiciário, nesse caso, imiscui-se no procedimento precipuamente para homologar os acordos feitos entre credor e devedor.

2. Princípios Norteadores da nova Lei. Manutenção da Empresa. Celeridade. Eficiência. Maximização de Ativos. Participação dos Credores.

É também de se destacar o fato de que a nova legislação tenciona criar uma esfera mais propícia à realização das operações de crédito, o que se verifica inclusive pela nova ordem de preferência estabelecida para o pagamento na falência. Preocupou-se, igualmente, na preservação de empregos, mas, por outro lado, buscou gerar mecanismos capazes de desburocratizar a venda de ativos da empresa falida.

A lei de falências, por conseguinte, procura recuperar as empresas que possuam a característica da viabilidade econômica, de forma a reestruturá-las. Assim, seriam mantidos os postos de trabalho, bem como feitos os pagamentos aos credores e ao Fisco, relativamente às dívidas tributárias.

A partir disso, é natural a conclusão de que o referido diploma trouxe importantes balizas ao processo de recuperação e falência de empresas, dentre os quais se destaca a celeridade e a eficiência. Ademais, consagrou na ordem jurídica positiva diversos princípios, podendo-se citar o princípio da preservação da empresa, a separação entre a ideia de empresário e de empresa, a segurança jurídica, a recuperação de empresários e sociedades recuperáveis e a exclusão daqueles que não o são, o resguardo ao trabalhador, a participação mais forte dos credores, a redução do custo do crédito, a maximização do valor dos ativos[4] do falido, a redução da burocracia na recuperação de empresas de pequeno porte e microempresas, bem como um maior rigor punitivo com relação aos delitos relacionados aos institutos trazidos pela lei (Fonseca e Köhler, 2005, p. 2).

A nova legislação de falências e recuperação de empresas prima pela manutenção da empresa e de seus recursos produtivos (Oliveira, 2005, p. 1). Assim, possibilitou-se uma maior rapidez no que concerne à transferência de titularidade de ativos, o que traz a vantagem de não depreciá-los em vista do não uso.

Ressalte-se, outrossim, o princípio da recuperação de empresas viáveis, evitando sua falência, o que culminou com a criação do instituto da recuperação judicial. Neste instituto, em oposição ao que ocorria com a extinta concordata[5], o empresário ou sociedade empresária elabora um plano de recuperação judicial, devendo ainda convencer os credores da viabilidade deste plano, pois só com a aprovação da maioria destes é que lhe será deferido o processamento da recuperação.

A aprovação da maioria far-se-á em assembléia e vinculará inclusive aos credores que votarem em desfavor do plano, bem como aqueles que não concordaram expressamente com ele. Essa inovação trouxe grandes repercussões no processo de recuperação de empresas, uma vez que confere aos credores a decisão sobre a viabilidade da atividade.

Entende-se que a lei procura facilitar a recuperação de empresas viáveis, buscando, entretanto, o equilíbrio entre a preservação dos pactos contratuais e o resguardo da empresa. É por tal razão que a própria legislação falimentar criou uma série de ferramentas para que a recuperação judicial seja visualizada como o último meio a ser utilizado por uma empresa em dificuldades (Fonseca e Köhler, 2005, p. 4).

Fonseca e Köhler (2005, p. 4), no entanto, destacam que a redação do Capítulo VI da Lei nº 11.101/2005, que trata do instituto da recuperação extrajudicial, pode comprometer o funcionamento das normas sobre a recuperação de empresas na novel legislação. Isso porque a recuperação extrajudicial foi inicialmente pensada para aquelas empresas que pudessem solucionar seus problemas financeiros sem a necessidade de submissão aos maiores rigores da recuperação judicial.

De fato, “para situações mais complexas, ou que demandem o envolvimento de todos os credores, o novo arcabouço legal disponibiliza o uso da recuperação judicial, de maior abrangência e, portanto, de maior controle do Poder Judiciário e dos credores” (Lisboa, Damaso, Carazza e Costa, 2005, p. 12).

Nesse sentido, a redação inicial dada pela Comissão de Assuntos Econômicos ao Capítulo VI da nova lei conferia primazia à celeridade e simplicidade do procedimento, uma vez que o plano de recuperação extrajudicial, em oposição ao plano de recuperação judicial, apenas se aplicaria aos credores que a ele aderissem de forma voluntária e expressa, ou seja, não haveria a submissão necessária da minoria ao que decidido pela maioria. (Fonseca e Köhler, 2005, p. 4).

Tal redação, porém, foi modificada e a redação aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo Presidente da República indica que, também na recuperação extrajudicial, o desejo da maior parte dos credores poderia ser imposto à minoria que não anuiu com o plano. Todavia, não foram repetidos os dispositivos presentes no capítulo que cuida da recuperação judicial, no sentido de prevenir abuso por parte do devedor.

Por isso, a submissão da minoria ao decidido pela maioria, caso seja aplicada também no instituto da recuperação extrajudicial, acarreta graves consequências, tais como a possibilidade de descumprimento de cláusulas contratuais juridicamente válidas, bem como a alteração destas sem a concordância da outra parte, repercutindo diretamente na estabilidade e segurança jurídica contratuais. Isto significa, grosso modo, que a possibilidade de submissão da minoria à maioria ameaça fatalmente os princípios e objetivos estabelecidos pelo legislador quando da edição a nova legislação falimentar. Essa situação pode ocasionar sérias conseqüências para a harmonia e equilíbrio das relações privadas travadas no Brasil.

Desta maneira, a discussão do presente tema estará baseada, principalmente, no confronto a seguir exposto, delineado por Lisboa, Damaso, Carazza e Costa (2005, p. 5):

A lei de falências deve, então, criar um ambiente formal de negociação e de cooperação, estimulando credores e devedor no sentido da solução mais eficiente, seja ela a tentativa de recuperação ou, se não for possível, a falência da empresa. Mas para isso é fundamental o estabelecimento de incentivos corretos, a partir de um balanceamento adequado de direitos entre devedor e credores e de uma justa divisão de risco. Se a lei for excessivamente favorável ao devedor, mantendo em funcionamento empresas viáveis ou legitimando a quebra de contratos, a possibilidade de desrespeito aos direitos de propriedade e de execução de garantias comprometerá o sistema econômico como um todo, reduzindo o número de negócios e transações e restringindo o funcionamento do mercado de crédito, com os conseqüentes impactos negativos sobre o desenvolvimento econômico e social do país.

Por outro lado, uma legislação falimentar totalmente pró-credor incentiva a liquidação de empresas que, mediante uma reorganização de seus negócios, poderiam voltar a se tornar lucrativas.

Observa-se, portanto, que a Lei nº 11.101/2005 procurou viabilizar a continuidade das empresas enquanto unidades importantes para a economia, pois são entes produtivos e geradores de empregos e postos de trabalho. Nesse cenário, entende-se que, para se valer de tal objetivo delineado pelo legislador, a empresa deve possuir o requisito da viabilidade, o que será determinado a partir da negociação a ser travada entre credores e devedores.

Deve-se ressaltar que, apesar das importantes implicações que a submissão da minoria à maioria relativamente à decisão de aprovação do plano de recuperação extrajudicial pode causar, tanto no aspecto econômico quanto na esfera jurídica, o tema não foi devidamente valorizado, seja pela doutrina, seja pela jurisprudência.

3. Conclusões

Não se deve duvidar de que a existência de uma legislação falimentar eficiente é vital para a área econômica (Lisboa, Damaso, Carazza e Costa, 2005, p. 1); desta sorte, verifica-se que andou bem a legislação em tela, ao criar os institutos da recuperação judicial e extrajudicial e inserindo os credores no processo de decisão. Vê-se que a legislação falimentar preocupou-se efetivamente com a manutenção da empresa viável e com a celeridade do processo falimentar, resguardando o trabalhador e buscando maximizar os ativos da empresa falida.

Referências Bibliográficas

ARAÚJO, Aloísio e LUNDBERG, Eduardo. A Nova Lei de Falências: uma avaliação. Disponível em: http://www.bcb.gov.br/Pec/SeminarioEcoBanCre/Port/V%20-%20Lei%20de%20Fal%C3%AAncias%20-%204JSB.pdf. Acesso em 30/03/2007.

BARAT, Josef. A reestruturação de empresas e a nova lei de falências. Revista Jurídica Consulex, Ano IX, n. 195, 28 de fevereiro de 2005.

FONSECA, Humberto Lucena Pereira da e KÖHLER, Marcos Antônio. A Nova Lei de Falências e o Instituto da Recuperação Extrajudicial. In: Textos para Discussão 22 (Consultoria Legislativa do Senado Federal). Brasília, 2005.

LISBOA, Marcos de Barros; DAMASO, Otávio; CARAZZA, Bruno; e COSTA, Ana Carla A. A racionalidade econômica na nova lei de falências e de recuperação de empresas. In: Direito Falimentar e nova Lei de Falências e de Recuperação de Empresas. Org: Luiz Fernando Valente da Paiva. São Paulo: Quartier Latin, 2005. Disponível em: http://www.fazenda.gov.br/spe/publicacoes/Lei%20de%20Fal%C3%AAncias%20-%20Artigo%20-%202006-0.pdf.

OLIVEIRA, Celso Marcelo de. Nova Lei de Falências: principais alterações. Disponível em: http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=517. Inserido em 14/02/2005. Acesso em 27/03/2007.

Notas

[1] BARAT (2005, p. 1) entende que a concordata foi substituída não apenas pela recuperação judicial, mas também pela recuperação extrajudicial.

[2] “Do ponto de vista econômico, a nova Lei se constituirá em fator importante de apoio a processos de renegociação com os credores, visando a recompor as dívidas de uma empresa em dificuldades. Ajudará, também, a reposicionar esta empresa frente às novas possibilidades de aporte de capital, tornando credores e investidores mais suscetíveis em participar de sua reestruturação” (BARAT, 2005, p. 1).

[3] De fato, note-se a seguinte passagem, retirada das idéias defendidas por Araújo e Lundberg (2004, p. 3): “A legislação americana, particularmente em seu capítulo 11 que trata da recuperação empresarial, tem despertado grande interesse, inclusive sido  motivo de inspiração para outros países, como o México, a Argentina e a maior parte da Ásia. Neste modelo tenta-se criar as condições de uma barganha estruturada entre devedores e credores, como o objetivo de maximizar o valor da firma através da adoção de um plano de recuperação empresarial que, embora proposto pela gerência da firma devedora, tem que ser aprovado por maioria de cada uma das classes de credores. Somente no caso de impasse o juiz pode determinar o chamado cramdown, ou seja, que pode forçar uma das classes de credores minoritários a seguir a maioria”.

[4] “Do ponto de vista econômico, a legislação falimentar tem como objetivo criar condições para que situações de insolvência tenham soluções previsíveis, céleres e transparentes, de modo que os ativos, tangíveis e intangíveis, sejam preservados e continuem cumprindo sua função social, gerando produto, emprego e renda.” (LISBOA, DAMASO, CARAZZA e COSTA, 2005, p. 2).

[5] A concordata constituía-se em um favor legal, entendimento que não é mais possível com relação à recuperação judicial tendo em vista a maior participação dos credores relativamente à sua concessão. Desta feita, “um dos principais problemas da concordata era o fato de ela ser solicitada pelo devedor e deferida pelo Juiz, sem qualquer consulta aos credores. A ausência de meios de participação dos credores no processo impedia a criação de um ambiente de cooperação entre as partes. Sem qualquer mecanismo de coordenação formal, com regras claras e previamente definidas, estimulava-se cada credor a agir isoladamente para maximizar seus interesses, o que acabava abortando quaisquer perspectivas de soerguimento da empresa” (LISBOA, DAMASO, CARAZZA e COSTA, 2005, p. 13). 

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Marina Georgia de Oliveira e Nascimento
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