Desaposentação

Desaposentação

O acolhimento da tese de que o segurado pode renunciar à sua aposentadoria para que usufrua dos efeitos da continuidade de sua vida laboral não equivale à criação de um novo benefício previdenciário.

O atual momento jurídico do Brasil pende de definições acerca do pretenso direito, por muitos alegado, de renunciar à aposentadoria implantada em prol de novo benefício, sob condições mais favoráveis, notadamente o cômputo de salários de contribuição vertidos após a vigência do benefício mais antigo.

A grande maioria das ações termina com julgamentos de improcedência do pedido. Mas nas Cortes Superiores ainda não se sedimentou entendimento sólido a respeito.

Como é cediço, a Lei 8.213/91 reputa segurado obrigatório aquele que, estando sob gozo de aposentadoria, mantém-se ou reingressa no mercado de trabalho (artigos 11, § 3º, e 12, § 4º). No entanto, a mesma lei determina que esse aposentado, que permanece ou volta a trabalhar, repise-se, mesmo sendo segurado obrigatório, não tem direito a nova apresentação previdenciária senão salário família ou reabilitação profissional (artigo 18, § 2º).

Pois bem.

Muito se fala sobre a necessidade de manter-se o equilíbrio atuarial, não se devendo aceitar teses jurídicas que impliquem em aumento do custo previdenciário sem a correspondente fonte de recursos. Mistura-se, assim, a defesa da saúde financeira do Sistema Previdenciário com a vedação constitucional da criação de benefícios sem a correspondente fonte de custeio. Não se nega que o comando da Lei Maior visou o equilíbrio do Sistema, sem dúvida, mas não se pode objetar, tão só por essa circunstância, o reconhecimento de eventuais direitos que decorram dos contornos normativos do próprio Sistema Previdenciário..

O acolhimento da tese de que o segurado pode renunciar à sua aposentadoria para que usufrua dos efeitos da continuidade de sua vida laboral não equivale à criação de um novo benefício previdenciário.

Ainda assim, bradam muitos, a pretensão que vem sendo deduzida perante o Judiciário abrange não somente a renúncia de uma aposentadoria pela implantação de outra, mas também a desnecessidade de devolução dos valores recebidos enquanto vigente o benefício original. A devolução das prestações, assim dizem, seria indispensável para a recomposição do status quo entre o segurado e a Previdência Social, circunstância reputada indispensável como premissa do desfazimento da aposentadoria.

Será realmente assim?

Como destacado, não se confunde o exercício de um direito decorrente de hermenêutica das normas que regem o Regime Geral de Previdência Social com a criação de novo benefício. Isso já vimos. Agora, a questão da devolução, ou não, dos valores recebidos durante a vigência do benefício ao qual o segurado pretende renunciar não pode, tampouco, ser reduzida à mera análise de alegados desequilíbrios orçamentários que daí adviriam. Não. O aposentado que continua a trabalhar é, por força da Lei 8.213/91, segurado obrigatório e, portanto, contribuinte. Paga suas contribuições sociais, tanto quanto seu empregador assim o faz. Verte valores para os Cofres Previdenciários mesmo sendo beneficiário dessa mesma Previdência Social. Ora, desde que se estabeleceu no Ordenamento Jurídico Brasileiro que o beneficiário da Previdência é também contribuinte, não cabe invocar-se em seu prejuízo quaisquer parâmetros atuariais, exatamente porque, a rigor, o aposentado que contribui é que se acha sob desequilíbrio financeiro. De fato. Contribuiu para ter direito ao recebimento de um benefício mas continua sendo contribuinte quando passa à condição de beneficiário.

É um autêntico sofisma considerar que o aposentado que se mantém ou reingressa na vida laborativa causará desequilíbrio no orçamento da Previdência se buscar a contraprestação pelas contribuições novas que é obrigado a pagar. É um sofisma odioso, diga-se, porque oculta o locupletamento indébito da Autarquia Previdenciária. O sofisma se estende às condoreiras considerações acerca do caráter solidário e fraternal com que toda a sociedade deve participar do custeio em prol da distribuição de renda. Valores magnos como a solidariedade são aviltados na defesa dos interesses meramente orçamentários da Autarquia Previdenciária, em detrimento de uma análise, que já tarda, menos superficial do conteúdo essencialmente jurídico do que se pretende com a desaposentação.

O segurado que continua trabalhando e pagando suas contribuições previdenciárias tem direito à contraprestação por sua, ainda que obrigatória,  previdente atitude de manter suas contribuições. Falamos de previdência, não é isso? Ora, a norma impõe que o segurado seja previdente ao manter o pagamento de contribuições, não havendo outra conclusão possível senão a de que essa sua previdência deve reverter em seu benefício, ou de seus dependentes. As contribuições que pagou enquanto não era beneficiário financiaram o pagamento de benefícios a outrem, de modo que a solidariedade do Sistema acha-se intocada, não sendo de se exigir que as contribuições que paga mesmo depois de ser beneficiário devam ficar como doação pura e simples. Aliás, teratológico seria considerar a possibilidade de uma doação obrigatória num sistema que é, ou deveria ser, essencialmente contraprestacional.

O caráter contraprestacional da Seguridade Social decorre de sua natureza jurídica, exatamente, de seguro. Quando o cidadão perde a qualidade de segurado ninguém duvida que a Previdência não lhe deve benefícios. Afinal, muitos estertoram, não se trata de assistência social, mas sim de previdência social. Então, digamos o mesmo: por ser previdência, o segurado não pode ficar sem a contraprestação de suas contribuições, mesmo aquelas que verteu após sua aposentação.

O dispositivo que nega direito a nova prestação previdenciária para o aposentado que se mantém ou retorna ao trabalho, exceptuando apenas o salário família ou reabilitação profissional (artigo 18, § 2º, da Lei 8.213/91), há de ser interpretado organicamente no sentido de negar que o segurado pretenda, nesse caso, acumulação de benefícios. Não veda, tampouco poderia fazê-lo, que o contribuinte previdenciário busque a simetria que o próprio Sistema lhe garante.

Sobre o(a) autor(a)
Marco Aurélio Leite da Silva
Analista Judiciário da Justiça Federal desde 1993, já exerceu as funções de Diretor de Secretaria, Oficial de Gabinete e Supervisor de Procedimentos Criminais.
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