Lei da detração (12.736/12) e suas complicações

Lei da detração (12.736/12) e suas complicações

O que agora quer a nova lei é que o juiz considere o tempo de prisão provisória (e administrativa e de internação) também para o efeito da fixação do regime inicial de cumprimento da pena.

Por força da Lei12.736, de 30 de novembro de 2012, o art. 387, do Código de Processo Penal, passou a contar com novo parágrafo, com a seguinte redação:

“Art. 387 (...)

“§ 2º O tempo de prisão provisória, de prisão administrativa ou de internação, no Brasil ou no estrangeiro, será computado para fins de determinação do regime inicial de pena privativa de liberdade.”

A polêmica sobre esse tema está instalada (veja os vários posicionamentos adotados no atualidadesdodireito.com.br). Que o tempo de prisão provisória deve ser computado na penal final não há dúvida (CP, art. 42). O que agora quer a nova lei é que o juiz considere o tempo de prisão provisória (e administrativa e de internação) também para o efeito da fixação do regime inicial de cumprimento da pena.

O que o juiz deve levar em conta para fixar o regime inicial? Diz o art. 33, § 2º, do CP:

“As penas privativas de liberdade deverão ser executadas em forma progressiva, segundo o mérito do condenado, observados os seguintes critérios e ressalvadas as hipóteses de transferência a regime mais rigoroso: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

a) o condenado a pena superior a 8 (oito) anos deverá começar a cumpri-la em regime fechado;

b) o condenado não reincidente, cuja pena seja superior a 4 (quatro) anos e não exceda a 8 (oito), poderá, desde o princípio, cumpri-la em regime semi-aberto;

c) o condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a 4 (quatro) anos, poderá, desde o início, cumpri-la em regime aberto.

§ 3º - A determinação do regime inicial de cumprimento da pena far-se-á com observância dos critérios previstos no art. 59 deste Código.(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

Antes da nova lei o juiz, para fixar o regime inicial, levava em conta três fatores: (a) tempo total da pena; (b) ser primário ou reincidente e (c) circunstâncias do art. 59. Agora, depois da nova lei, surgiu mais um fator: (d) tempo de prisão provisória ou administrativa ou de internação.

O critério prioritário é o do tempo total da pena, com sua tabela clássica: (a) mais de oito anos, regime fechado; (b) mais de 4 e até 8 anos, regime semiaberto; (c) igual ou inferior a 4 anos, regime aberto. A regra preliminar está aqui.

Todos os demais critérios (reincidente ou primário, art. 59 e tempo de prisão provisória) são suplementares. Ou seja: primeiro fixar a pena, depois vem o regime inicial.

Primeiro exemplo: réu condenado a 9 anos de prisão. Isso significa regime fechado. Digamos que tenha cumprido 6 meses de prisão provisória. Faz-se a detração. Sobram 8 anos e 6 meses de prisão. Mesmo fazendo a detração, nesse caso, não foi possível fugir do regime fechado. Porque a pena restante (depois da detração), continua sendo superior a 8 anos.

Segundo exemplo: réu condenado a 8 anos e 1 mês de prisão. Cumpriu seis meses em prisão provisória. Com a detração, a pena cai para 7 anos e 7 meses. Teoricamente, isso significa regime semiaberto. Mas só teoricamente, porque agora, feita a detração, compete ao juiz valorar todos os demais requisitos legais: reincidência ou primariedade + todas as circunstâncias do art. 59 + a forma de cumprimento da prisão provisória. Não se pode esquecer, para o juízo de ponderação e de razoabilidade, que as penas são cumpridas em presídios crueis e desumanos. É da ponderação de todos os requisitos que sai o regime inicial. De qualquer modo, a pena de 7 anos e 7 meses pode iniciar no regime semiabertou ou fechado, tudo dependendo das circunstâncias de cada caso concreto.

Um detalhe importante: a reincidência é fator relevante para a fixação do regime, mas não é o único. Concomitantemente cabe ao juiz também analisar, além da reincidência, todas as demais circunstâncias do art. 59, assim como as condições de cumprimento da prisão provisória. É possível que esses fatores últimos (art. 59 + tempo de prisão provisória) anulem o efeito desfavorável da reincidência, que é extremamente questionável do ponto de vista constitucional.

Compete ao juiz considerar tudo junto agora: não pode conferir prioridade à reincidência como se fosse dado automático de agravamento do regime.

O novo dispositivo, de acordo com nosso pensamento, não quis que a detração funcionasse como alavanca automática de progressão de regime, que conta com requisitos legais objetivos (tempo de prisão) e subjetivos (bom comportamento). Para a progressão de regime há uma série de fatores que devem ser computados. De outro lado, não é qualquer tempo de pena que já o autoriza.

Nos crimes contra a administração pública há inclusive exigência específica: “§ 4o O condenado por crime contra a administração pública terá a progressão de regime do cumprimento da pena condicionada à reparação do dano que causou, ou à devolução do produto do ilícito praticado, com os acréscimos legais. (Incluído pela Lei nº 10.763, de 12.11.2003)”

Outro Exemplo: na pena superior a quatro anos (e até 8 anos), como se sabe, o regime inicial é o semiaberto. Nos crimes de roubo, com pena de 5 ou 6 anos, é comum que os juízes fixem o regime fechado (roubo majorado, crime grave, intranquilidade da população, réu perigoso etc.), sobretudo quando se trata de reincidente. Isso virou um verdadeiro automatismo. A nova lei veio romper esse automatismo, sobretudo se o  réu já cumpriu parte da pena em prisão provisória.  

Sobre o(a) autor(a)
Luiz Flávio Gomes
Doutor em Direito Penal pela Universidade Complutense de Madri – UCM e Mestre em Direito Penal pela Universidade de São Paulo – USP. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Jurista e Professor de Direito Penal e de...
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