Nova Lei de Drogas (Lei 11.343/06)

Nova Lei de Drogas (Lei 11.343/06)

A nova Lei sancionada pelo Presidente da República traz novo regramento ao combate de drogas, revogando as Leis 6.368/76 e 10.409/02.

INTRODUÇÂO

O Projeto de Lei do Senado nº 115, de 2002 (nº 7.134, de 2002, na Câmara dos Deputados) foi recentemente aprovado e será encaminhada ao Presidente da República, que o sancionou, dando origem à Lei nº 11.343 de 23 de agosto de 2006.

A referida lei regula os meios de combate às drogas. O diploma disciplina os crimes de tráfico, associação para tráfico e seu financiamento dentre outros delitos. Cuida, ainda, dos meios de prevenção e tratamentos dos dependentes químicos e o procedimento para apuração e julgamento dos crimes de drogas, além de revogar expressamente as Leis 6.368/76 e 10.409/02, que atualmente cuidam do assunto.

Dentre as novidades, destacamos o aumento de pena para traficantes e financiadores do tráfico, o tratamento diferenciado para usuários e o procedimento especial para o processamento de tais agentes. Nessa reportagem, cuidaremos apenas das alterações mais importantes relativas à parte penal da Lei nº 11.343/06.

DOS CRIMES

A nova Lei regulou inteiramente os crimes relativos aos entorpecentes que, atualmente, estão dispostos na Lei 6.368/76. A nova disciplina visa a proporcionalidade entre as penas previstas e as condutas criminosas. Pela Lei 6.368/76, ao crime de tráfico são equiparadas condutas menos perniciosas, recebendo, desta forma, a mesma pena. A Lei acaba com tal desproporção, graduando as penas de acordo com a maior ou menor lesividade da atividade criminosa.

Levando-se em conta o prestígio ao Princípio da Proporcionalidade, passamos a analisar os tipos penais previstos na Lei.

Art. 33, Lei 11.343/06

O art. 33, da Lei corresponde ao art. 12, da Lei 6.368/76, que trata do tráfico de entorpecentes. Vejamos quadro comparativo:

Lei 6.368/76

Lei 11.343/06

Art. 12. Importar ou exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda ou oferecer, fornecer ainda que gratuitamente, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar ou entregar, de qualquer forma, a consumo substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

Pena - Reclusão, de 3 (três) a 15 (quinze) anos, e pagamento de 50 (cinqüenta) a 360 (trezentos e sessenta) dias-multa.

Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.

Em destaque estão as alterações trazidas pela Lei. Nota-se que a expressão "substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica" foi substituída pela palavra "drogas". Com isso, o legislador adequou o texto normativo à tendência mundial, que utiliza tal palavra como um mal a ser combatido. Por "drogas" deve-se entender como a substância contida na portaria do Ministério da Saúde, que traz um rol de substâncias nocivas ao ser humano e, por isso, proibidas. Havendo a retirada de uma substância desse diploma normativo ocorre a abolitio crimnis (abolição do crime).

O art. 33, da Lei traz os mesmos 18 verbos do atual art. 12, de forma que tais condutas continuarão sendo consideradas como tráfico. Houve, contudo, um considerável aumento na pena privativa de liberdade que passou de 3 a 15 anos para 5 a 15 anos de reclusão. Também se alterou os limites da pena de multa que de 50 a 360 dias-multa passou para 500 a 1500 dias-multa. A intenção do legislador foi a de inviabilizar a substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direito.

De acordo com o art. 44, do Código Penal, as penas restritivas de direitos podem substituir as privativas de liberdade, quando aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo. Tendo em vista que o tráfico não é cometido com violência ou grave ameaça e que sua atual pena mínima é de três anos, o STF já se pronunciou no sentido de que tal delito é passível de substituição, permitindo o benefício aos condenados no mínimo legal.

O art. 12, Lei 6.368/76 e art. 33, Lei 11.343/06 cuidam de um crime de perigo abstrato. Assim, fomentam uma discussão sobre sua constitucionalidade. Os crimes de perigo abstrato são aqueles em que o perigo é presumido, não importando se houve ou não ameaça ou lesão ao bem jurídico tutelado, bastando a prática da conduta típica. É nesse ponto que reside a controvérsia.

Para alguns autores, os crimes de perigo abstrato existem para evitar um mal maior, pois não se pode esperar que o bem jurídico venha a ser realmente lesionado. Para outra parte da doutrina, tais crimes não foram recepcionados pela Constituição Federal de 1988, que consagrou o Princípio da Lesividade, ou seja, não há delito sem que haja lesão ou perigo de lesão a um bem jurídico determinado.

O STF já exauriu entendimento nesse último sentido, dizendo que os crimes de perigo abstrato ofendem o Princípio da Lesividade e o Princípio da ampla defesa, uma vez que se o perigo é presumido não há como se defender dizendo o contrário.

Art. 33, § 1º, Lei 11.343/06

O art. 33, § 1º, da Lei traz as figuras equipadas ao tráfico, como o faz o art. 12, §§ 1º e 2º, da Lei 6.368/76. Vejamos:

Lei 6.368/76

Lei 11.343/06

Art. 12, § 1º Nas mesmas penas incorre quem, indevidamente:

I - importa ou exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à venda ou oferece, fornece ainda que gratuitamente, tem em depósito, transporta, traz consigo ou guarda matéria-prima destinada a preparação de   substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica;

II - semeia, cultiva ou faz a colheita de plantas destinadas à preparação de entorpecente ou de substância que determine dependência física ou psíquica.

Art. 12, § 2º, II - utiliza local de que tem a propriedade, posse, administração, guarda ou vigilância, ou consente que outrem dele se utilize, ainda que gratuitamente, para uso indevido ou tráfico ilícito de entorpecente ou de substância que determine dependência fisica ou psíquica.

Art. 33, § 1º Nas mesmas penas incorre quem:

I - importa, exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à venda, oferece, fornece, tem em depósito, transporta, traz consigo ou guarda, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas;

II - semeia, cultiva ou faz a colheita, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, de plantas que se constituam em matéria-prima para a preparação de drogas;

III - utiliza local ou bem de qualquer natureza de que tem a propriedade, posse, administração, guarda ou vigilância, ou consente que outrem dele se utilize, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, para o tráfico ilícito de drogas.

Para melhor visualização, destacamos as alterações trazidas pela Lei 11.343/06.

Observa-se que o inciso I, além da palavra "droga" já explicada acima, explicitou o elemento subjetivo do tipo, ou seja, acrescentou a expressão "sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar", a fim de acabar com eventuais controvérsias que poderiam surgem sobre o assunto. Assim, se o agente pratica algum dos verbos contidos no tipo com autorização ou em acordo com determinação legal ou regulamentar, o fato é atípico. O mesmo comentário pode ser transportado ao inciso II.

Em relação ao art. 12, § 1º, II, da Lei 6.368/76 há uma discussão acerca da conduta "semear, cultivar ou colher plantas destinadas à preparação de entorpecente ou de substância que determine dependência física ou psíquica" para uso próprio. Tal dispositivo legal não trazia a solução para tal situação, de forma que há três correntes para o assunto quando da vigência da Lei 6.368/76:

  1. Para a primeira corrente, aquele que "semeia, cultiva ou colher plantas destinadas à preparação de entorpecente ou de substância que determine dependência física ou psíquica" para uso próprio incorre nas mesmas penas do art. 12, caput, da Lê 6.368/76, pois a lei não faz qualquer distinção.
  2. Já a segunda corrente entende que pode se tratar de conduta menos grave, o agente deve ser enquadrado no art. 16, da Lei 6.368/76, que cuida do porte ilegal de entorpecentes, cuja pena é de 06 meses a 02 anos de reclusão, em verdadeira analogia in bonan partem.
  3. Finalmente, a terceira corrente entende ser o fato atípico diante da ausência legislativa sobre tal conduta, não podendo ser aplicado o art. 16, analogicamente, pois tal enquadramento configuraria analogia in mallan partem.

A Lei 11.343/06 veio para acabar com essa discussão ao prever, em seu art. 28, §1º, a seguinte conduta típica:

"Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas: I - advertência sobre os efeitos das drogas; II - prestação de serviços à comunidade; III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo. § 1º Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica".

O inciso III, do §1º do art. 33, da nova Lei corresponde ao atual art. 12, §2º, II, da Lei 6.368/76. Contudo, inova ao acrescentar a expressão "bens de qualquer natureza" no rol de lugares em que o tráfico pode ser praticado. Tal dispositivo também exclui a conduta: "utiliza local de que tem a propriedade, posse, administração, guarda ou vigilância, ou consente que outrem dele se utilize, ainda que gratuitamente, para uso indevido", de forma que só será equiparada a conduta que vise o tráfico de drogas.

Art. 33, §2º, Lei 11.343/06

O art. 33, §2º, da nova Lei cuida do crime de participação no uso de entorpecentes, muito parecido ao art. 12, § 2º, I, da Lei 6.386/76, que previa tal conduta assemelhada ao tráfico. Porém, o legislador adequou a pena à conduta de menor gravidade. Vejamos:

Lei 6.368/76

Lei 11.343/06

Nas mesmas penas incorre, ainda, quem: I - induz, instiga ou auxilia alguém a usar entorpecente ou substância que determine dependência física ou psíquica.

Induzir, instigar ou auxiliar alguém ao uso indevido de droga: Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa de 100 (cem) a 300 (trezentos) dias-multa.

Pela nova redação, a pena passa de 3 a 15 anos para 1 a 3 anos de reclusão.

Percebe-se, também, uma alteração na conduta típica. Pela redação do art. 12 ("induzir, instigar ou auxiliar a usar"), o tipo exigia, para sua consumação, o efetivo uso da droga pelo sujeito passivo. Já no novo dispositivo, o verbo "usar" foi substituído pela expressão "ao uso", de forma que o delito consuma-se com o simples auxílio moral ou material, independentemente, do uso da droga pela vítima. Trata-se, assim, de evidente novatio legis in mellius, uma vez que a consumação é antecipada à simples conduta do agente, dispensando um resultado naturalístico.

Art. 33, § 3º, Lei 11.343/06

O dispositivo em comento cuida de uma figura típica nova, sem correspondente na Lei 6.368/76:

"Oferecer droga, eventualmente e sem objetivo de lucro, a pessoa de seu relacionamento, para juntos a consumirem: Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, e pagamento de 700 (setecentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa, sem prejuízo das penas previstas no art. 28".

A falta de um tipo correspondente na atual lei criou séria divergência na doutrina e na jurisprudência, pois o art. 12, caput prevê a conduta "fornecer, ainda que gratuitamente" como um crime de tráfico de entorpecentes, uma vez que exige a intenção do agente de angariar usuários para o traficante. Assim, conforme já explicado em relação ao art. 12, §1º, II, da Lei 6.368/76 (art. 28, §1º, da Lei 11.343/06), parte da doutrina e da jurisprudência entendia que a conduta de "fornecer, ainda que gratuitamente, sem o fim de lucro" não era prevista pela 6.368/76, portanto, fato atípico. Outra parte considerava tráfico, pois a lei não faz distinção. Por fim, outra corrente defendia o enquadramento no art. 16, Lei 6.368/76, em analogia in bonan partem.

Mais uma vez, a nova Lei veio para acabar com tal discussão. Tal conduta, agora, é crime autônomo e possui penas bem menores que a do tráfico. Para sua caracterização são exigidos, contudo, dois elementos subjetivos do tipo:

- elemento subjetivo positivo: "para juntos consumirem". A conduta traduz a situação da "roda de fumo", aonde os usuários consomem juntos a droga, sem a intenção de arrecadação de clientes para o traficante.

- elemento subjetivo negativo: "sem objetivo de lucro". A intenção do agente é o consumo de drogas e não sua mercancia.

Trata-se de infração penal de menor potencial ofensivo.

Art. 33, §4º, Lei 11.343/06

O art. 33, § 4º, da nova Lei prevê causas de diminuição de pena para os delitos do caput e do § 1º. Assim, o réu primário, com bons antecedentes e não integrante de organização criminosa deverá ter sua pena diminuída de 1/6 a 2/3. Trata-se de direito subjetivo do acusado, que, se preenchidos os requisitos, fará jus a diminuição. Veda, porém, a substituição da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos.

Art. 34, Lei 11.343/06

Assim como o art. 13, da Lei 6.368/76, o art. 34 prevê condutas equiparadas ao tráfico:

Lei 6.368/76

Lei 11.343/06

Fabricar, adquirir, vender, fornecer ainda que gratuitamente, possuir ou guardar maquinismo, aparelho, instrumento ou qualquer objeto destinado à fabricação, preparação, produção ou transformação de substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena - Reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e pagamento de 50 (cinqüenta) a 360 (trezentos e sessenta) dias-multa.

Fabricar, adquirir, utilizar, transportar, oferecer, vender, distribuir, entregar a qualquer título, possuir, guardar ou fornecer, ainda que gratuitamente, maquinário, aparelho, instrumento ou qualquer objeto destinado à fabricação, preparação, produção ou transformação de drogas, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena - reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e pagamento de 1.200 (mil e duzentos) a 2.000 (dois mil) dias-multa.

A nova Lei prevê uma pena menor ao delito em tela, que era previsto ao crime de tráfico propriamente dito em face ao Princípio da Proporcionalidade. O crime continua sendo subsidiário em relação ao tráfico do art. 33, caput (art. 12, caput, Lei 6.386/76).

Art. 35, Lei 11.343/06

O art. 35 cuida da associação para o tráfico de drogas. O art. 14, da Lei 6.368/76 também prevê tal conduta. Vejamos:

Lei 6.368/76

Lei 11.343/06

Associarem-se 2 (duas) ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente ou não, qualquer dos crimes previstos nos Arts. 12 ou 13 desta Lei: Pena - Reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e pagamento de 50 (cinqüenta) a 360 (trezentos e sessenta) dias-multa.

Associarem-se duas ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente ou não, qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, "caput" e § 1º, e 34 desta Lei: Pena - reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e pagamento de 700 (setecentos) a 1.200 (mil e duzentos) dias-multa.

O art. 14 cominava a pena de 3 a 10 anos de reclusão ao delito em comento. No entanto, com o advento da Lei 8.072/90, que trata dos crimes hediondos, o crime de quadrilha para o cometimento de delitos previstos nessa lei (art. 8º), passou a ter pena de 3 a 6 anos de reclusão. Com isso, o STF consolidou jurisprudência no sentido de que o art. 14, Lei de Tóxicos continua em vigor, porém sua pena deve ser a mesma do art. 8º, da Lei 8.072/90, ou seja, de 3 a 6 anos. Ocorre que o art. 35, da nova Lei voltou a prever a pena de 3 a 10 anos, mostrando a intenção do legislador de manter uma pena mais severa ao crime de associação para o tráfico de drogas.

Art. 35, Parágrafo Único, Lei 11.343/06

O Parágrafo Único do art. 35, Lei 11.343/06 prevê um tipo novo, a associação para o financiamento do tráfico de drogas, prevendo a mesma da associação para o tráfico.

Art. 36, Lei 11.343/06

O art. 36, Lei 11.343/06 também traz a conduta do financiamento do tráfico de drogas como delito autônomo e com pena maior que a de tráfico:

"Financiar ou custear a prática de qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, "caput" e § 1°, e 34 desta Lei: Pena - reclusão, de 8 (oito) a 20 (vinte) anos, e pagamento de 1.500 (mil e quinhentos) a 4.000 (quatro mil) dias-multa".

O Projeto de Lei criou um tipo para incriminar a conduta do financiador do tráfico com penas severas. A intenção do legislador é boa, mas será que essa medida trará conseqüências práticas, diminuindo o tráfico no Brasil? Segundo o promotor Ricardo Antonio Andreucci [1], em entrevista exclusiva para o DireitoNet, ao criminalizar, no art. 36, a conduta daquele que financiar ou custear a prática do tráfico de drogas, o Projeto apenas explicitou a disposição já existente no art. 12, § 2º, III, da Lei nº 6.368/76. Andreucci diz: "não creio que esta medida trará conseqüências práticas para o Brasil, onde, infelizmente, as autoridades ainda não se conscientizaram da gravidade do problema das drogas, tratando-o como mais um problema social. O tráfico de drogas no Brasil não diminuirá porque, não obstante o aparente endurecimento das penas, ainda continuamos a ter uma das legislações mais débeis do mundo, o que faz com que nosso País seja o destino de traficantes internacionais que aqui lançam suas bases criminosas".

Sabemos que o financiamento é a mola propulsora da mercancia de drogas e do crime organizado. A reprimenda a tal conduta engessa os delitos ligados à referida conduta, justificando a maior punição. Para a caracterização do crime de financiamento deve haver provas da dependência do tráfico para com o financiador, caracterizando crime habitual. Como não há a figura específica na Lei 6.368/76, o financiador responde pelo art. 12, caput (tráfico) c.c art. 61, I, do Código Penal (mandante).

Art. 37, Lei 11.343/06

O art. 37, da nova Lei cuida da figura do colaborador com a organização ou associação para o tráfico. Trata-se, porém, do colaborar de menor importância, o informante, "pombo-correio":

"Colaborar, como informante, com grupo, organização ou associação destinados à prática de qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, "caput" e § 1º, e 34 desta Lei: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e pagamento de 300 (trezentos) a 700 (setecentos) dias-multa".

A pena reduzida em relação ao tráfico demonstra a menor periculosidade do agente. Na Lei 6.368/76 não há a previsão de tal conduta, de forma que o agente responde pelo art. 12, caput, ou seja, reclusão de 3 a 15 anos de reclusão.

Art. 38, Lei 11.343/06

O art. 38 cuida da modalidade culposa do crime de tráfico, igualmente ao art. 15, da Lei 6.368/76:

Lei 6.368/76

Lei 11.343/06

Prescrever ou ministrar culposamente, o médico, dentista, farmacêutico ou profissional de enfermagem substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, em de dose evidentemente maior que a necessária ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena - Detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e pagamento de 30 (trinta) a 100 (cem) dias-multa.

Prescrever ou ministrar, culposamente, drogas, sem que delas necessite o paciente, ou fazê-lo em doses excessivas ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e pagamento de 50 (cinqüenta) a 200 (duzentos) dias-multa.

Parágrafo único. O juiz comunicará a condenação ao Conselho Federal da categoria profissional a que pertença o agente.

Apesar do art. 38 retirar do tipo os agentes capazes de praticar a conduta, é evidente que apenas médico, dentista, farmacêutico ou profissional de enfermagem continuam sendo os sujeitos ativos do tipo, uma vez que somente essas pessoas possuem atribuição para prescrever ou ministrar.

Além dessa alteração, a conduta típica passou a abranger qualquer prescrição culposa, seja ela em paciente que necessita da droga, mas em doses menores, ou o paciente que dela não precisa, mas é atingido pela conduta culposa do agente.

Art. 40, Lei 11.343/06

O art. 40, Lei 11.343/06 prevê as causas de aumento de pena de 1/6 a 2/3 para os crimes dos arts. 33 a 37, como o art. 18, Lei 6.368/76:

Lei 6.368/76

Lei 11.343/06

As penas dos crimes definidos nesta Lei serão aumentadas de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços):

I - no caso de tráfico com o exterior ou de extra-territorialidade da lei penal;

II - quando o agente tiver praticado o crime prevalecendo-se de função pública relacionada com a repressão à criminalidade ou quando, muito embora não titular de função pública, tenha missão de guarda e vigilância;

III – se qualquer deles decorrer de associação ou visar a menores de 21 (vinte e um) anos ou a pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos ou a quem tenha, por qualquer causa, diminuída ou suprimida a capacidade de discernimento ou de autodeterminação:

IV - se qualquer dos atos de preparação, execução ou consumação ocorrer nas imediações ou no interior de estabelecimento de ensino ou hospitalar, de sedes de entidades estudantis, sociais, culturais, recreativas, esportivas ou beneficentes, de locais de trabalho coletivo, de estabelecimentos penais, ou de recintos onde se realizem espetáculos ou diversões de qualquer natureza, sem prejuízo da interdição do estabelecimento ou do local.

As penas previstas nos arts. 33 a 37 desta Lei são aumentadas de um sexto a dois terços, se:

I - a natureza, a procedência da substância ou do produto apreendido e as circunstâncias do fato evidenciarem a transnacionalidade do delito;

II - o agente praticar o crime prevalecendo-se de função pública ou no desempenho de missão de educação, poder familiar, guarda ou vigilância;

III - a infração tiver sido cometida nas dependências ou imediações de estabelecimentos prisionais, de ensino ou hospitalares, de sedes de entidades estudantis, sociais, culturais, recreativas, esportivas, ou beneficentes, de locais de trabalho coletivo, de recintos onde se realizem espetáculos ou diversões de qualquer natureza, de serviços de tratamento de dependentes de drogas ou de reinserção social, de unidades militares ou policiais ou em transportes públicos;

IV - o crime tiver sido praticado com violência, grave ameaça, emprego de arma de fogo, ou qualquer processo de intimidação difusa ou coletiva;

V - caracterizado o tráfico entre Estados da Federação ou entre estes e o Distrito Federal;

VI - sua prática envolver ou visar a atingir criança ou adolescente ou a quem tenha, por qualquer motivo, diminuída ou suprimida a capacidade de entendimento e determinação;

VII - o agente financiar ou custear a prática do crime.

O inciso I trata do tráfico "transnacional", correspondendo ao atual tráfico "internacional" de drogas. A alteração consiste na dispensa da existência do envolvimento entre dois Estados soberanos como fazia o art. 18, Lei 6.368/76, exigindo-se apenas a entrada ou saída do entorpecente do Brasil.

O inciso VII deveria ter sido vetado pelo Presidente da República, pois sua eventual aplicação implicará verdadeiro bis in idem, uma vez que o art. 36, da Lei 11.343/06 prevê a mesma conduta como delito autônomo.

Art. 41, Lei 11.343/06

O art. 41 prevê uma causa de diminuição de pena àquele colabora com o combate ao tráfico:

"O indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente com a investigação policial e o processo criminal na identificação dos demais co-autores ou partícipes do crime e na recuperação total ou parcial do produto do crime, no caso de condenação, terá pena reduzida de um terço a dois terços".

Para haver a redução da pena, é necessário que o agente delator ajude na identificação dos demais envolvidos e na recuperação do produto do crime, quando possível.

Art. 44, Lei 11.343/06

Dispõe o art. 44, da nova Lei que:

"Os crimes previstos nos arts. 33, "caput" e § 1º, e 34 a 37 desta Lei são inafiançáveis e insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória, vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos. Parágrafo único. Nos crimes previstos no "caput" deste artigo, dar-se-á o livramento condicional após o cumprimento de dois terços da pena, vedada sua concessão ao reincidente específico".

Diante da redação de tal dispositivo, que prevê a possibilidade de livramento condicional ao condenado por tráfico após o cumprimento de 2/3 da pena, pode-se afirmar que a progressão de regime prisional está implícita? O promotor Ricardo Andreucci entende que "a possibilidade de livramento condicional para o tráfico de entorpecentes já era admitida na legislação anterior, na medida em que a Lei nº 8.072/90 (lei dos crimes hediondos), embora considerando o tráfico crime assemelhado a hediondo, impondo-lhe seus rigores, já admitia o dito benefício após o cumprimento de 2/3 da pena, desde que o criminoso não fosse reincidente em crime da mesma natureza. Não creio que a progressão de regime esteja implícita nesse dispositivo, até porque a progressão de regime em crimes hediondos e assemelhados já tem sido, infelizmente, admitida pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, sob a sofrível, duvidosa e, "data venia", equivocada alegação de inconstitucionalidade".

DO USUÁRIO

O art. 28, do Lei 11.343/06 cuida da figura do usuário ou dependente de drogas, alterando a conduta prevista no art. 16, Lei 6.368/76:

Lei 6.368/76

Lei 11.343/06

Adquirir, guardar ou trazer consigo, para o uso próprio, substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

        Pena - Detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e pagamento de (vinte) a  50 (cinqüenta) dias-multa.

Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:

I - advertência sobre os efeitos das drogas;

II - prestação de serviços à comunidade;

III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.

Para Luiz Flávio Gomes [2], a nova redação descriminaliza o porte de droga para uso próprio, uma vez que não prevê mais a pena privativa de liberdade ao usuário de drogas, trazendo apenas a pena de advertência e duas penas restritivas de direito. Para o jurista, apesar da conduta não mais ser considerada crime, continua caracterizando um ilícito, pois a nova Lei continua considerando proibidas as substâncias contidas na Portaria 344, do Ministério da Saúde.

Já para Ricardo Andreucci, o Projeto não descriminalizou o porte de entorpecente para consumo próprio. Ao contrário, sob o pretexto de tratar mais brandamente o usuário, fixou-lhe, dentre outras medidas, a pena de medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo, obrigando-o a se tratar, coisa que não acontecia na legislação anterior, onde, ante a permissividade da Lei nº 9.099/95, poderia ele transacionar com o MP, recebendo apenas pena de multa ou pena restritiva de direitos. Tal conduta é de competência dos Juizados Especiais Criminais, devendo o promotor de justiça, quando do oferecimento da proposta de transação, já mencionar qual a pena ou penas que deverão ser aplicadas ao usuário.

Pela disciplina do art. 16, da Lei 6.368/76, no caso de descumprimento da transação pelo usuário, o promotor podia oferecer denúncia pelo porte. Já pelo art. 28, da Lei 11.343/06, em caso do não cumprimento do acordo, não haverá denúncia, mas o juiz poderá impor nova admoestação verbal ao usuário ou pagamento de multa. Pela Lei 11.343/06 também é possível nova transação pelo mesmo motivo, ainda que o usuário tenha obtido o mesmo benefício a menos de 5 anos.

CONCLUSÃO

A Lei 11.343/06 sancionada pelo Presidente da República trouxe novas figuras típicas e novas penas a tipos já previstos na Lei 6.368/76, a fim de adequar as penas às condutas menos lesivas relacionadas ao tráfico.

Além disso, trata do usuário de drogas como um sujeito a ser recuperado e não mais como um criminoso merecedor de penas graves.

Ademais, visa o combate ao financiador do tráfico, figura mais perigosa e que merece um tratamento mais rigoroso.

Por fim, o promotor Ricardo Andreucci afirma que "a nova lei é sofrível, demagógica (como as últimas leis promulgadas pelo Governo Lula), prolixa e de péssima técnica legislativa. Vem num momento crítico da sociedade brasileira, em que o governo deseja se afirmar para tentar reeleição e sem qualquer respaldo de legitimidade por parte do Congresso, que possui vários de seus integrantes envolvidos em sérios escândalos, que inquietam a população brasileira, que clama por moralidade pública. O problema do tráfico de entorpecentes no Brasil não será resolvido somente com leis, mas com atitudes sérias por parte das autoridades públicas, principalmente do Poder Executivo e do Poder Judiciário, passando por uma urgente mudança de mentalidade por parte dos julgadores, principalmente no que tange à fixação e cumprimento das penas, uma vez que o sistema prisional está dominado pelo crime organizado".

Assim, apenas com a aplicação do novo diploma legal e a devida atuação dos governantes e autoridade responsáveis pela repreensão ao crime, saberemos se o endurecimento aos traficantes trará bons resultados ao combate a esse mal: drogas!

[1] Promotor de Justiça Criminal da Capital (Forum Criminal da Barra Funda), professor universitário (na Faculdade de Direito Damásio de Jesus, na UNIP e na UMC), mestre e doutorando em direito, além de autor de diversas obras pela Editora Saraiva.

[2]  Palestra ministrada na Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes, no dia 12 de agosto de 2006, sobre o PL 115/02 do Senado Federal.

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Luciana Andrade Maia
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