Nova Lei Antitóxicos: anulação do processo em razão da não observância do procedimento novo

Nova Lei Antitóxicos: anulação do processo em razão da não observância do procedimento novo

Tribunais anulam processos por crimes de tráfico em razão da não observância do procedimento estabelecido na Nova Lei Antitóxicos. O resultado: traficantes em liberdade por não se aplicar uma Lei que está em vigor.

1. Abordagem do tema

Desde que a Lei 10.409/2002 (Nova Lei Antitóxicos) entrou em vigor passamos a defender a aplicabilidade do procedimento nela previsto, relativo a instrução criminal, conforme regulado no Capítulo V, art. 38 e seguintes. [1]

Alguns doutrinadores se posicionaram em sentido contrário [2], e na mesma toada seguiu o entendimento firmado pela Egrégia 3ª Procuradoria de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo, que elaborou a seguinte ementa para orientação quanto a seu posicionamento: “Para as infrações penais da Lei 6.368/76, continua em vigor o procedimento previsto no mesmo diploma legal, tendo em vista a inaplicabilidade do procedimento da Lei 10.409/2002, ressalvando-se que eventual reconhecimento de nulidade por adoção de rito indevido estará sujeito a comprovação de efetivo prejuízo, nos termos do art. 563 do CPP.”

Acrescente-se que no material produzido pela Egrégia 3ª Procuradoria anotou-se que a Lei 10.409/2002 entrou em vigor em 11 de janeiro de 2002, entendimento com o qual não concordamos, por concluirmos que a mesma entrou em vigor em 28 de fevereiro de 2002 [3], conforme já expusemos em outras ocasiões. [4]


2. Primeiros acórdãos

Julgando o habeas corpus n.º 206.389-4, de que foi Relator o Excelentíssimo Dr. Lauro Augusto Fabrício de Melo, em 05 de setembro de 2002 o Tribunal de Alçada do Paraná decidiu, por votação unânime, que: “A inobservância da regra prevista no art. 38, da Lei 10.409/2002, que alterou disposições da Lei 6.368/76, impõe seja declarado nulo ex radice o procedimento, por importar óbvia violação do direito constitucional à ampla defesa”, fundamentando e citando no V. Acórdão a posição por nós defendida no sentido de que se a denúncia for recebida sem a observância do rito novo tal decisão deve ser atacada pela via do habeas corpus.

Aliás, no citado HC, foi concedida medida liminar parcial, que acabou confirmada no julgamento do mérito.

Comentando tal decisão, o notável Luiz Flávio Gomes consignou seu sempre respeitável posicionamento no sentido de seu acerto.

Argumentou o Jurista: “A decisão retro foi muito acertada. Toda lei vigente e válida deve ser observada estritamente. Não pode o juiz negar vigência a uma lei adequadamente aprovada pelo Parlamento e válida. Havia polêmica em torno da Lei 10.409/02 no que diz respeito à sua eficácia jurídica. Mas ocorre que ela entrou em vigor no dia 28.02.02 e tem compatibilidade vertical com a Constituição (é válida, portanto, como diz Ferrajoli)”. [5]

E complementou: “Discutia-se, entretanto, sua eficácia jurídica em virtude do que dispõe o seu art. 27 (“Nos crimes previstos nesta lei, será observado o procedimento...”). Pergunta-se: quais crimes, se todos os que estavam previstos na Lei 10.409/02 foram vetados pelo Presidente da República?. Apesar disso, como não existe a menor dúvida sobre a quais crimes refere-se o art. 27 da Lei 10.409/02 (é evidente, óbvio e ululante que esse dispositivo legal diz respeito aos crimes previstos na Lei 6.368/76), segundo nosso ponto de vista – já externado no nosso curso pela Internet sobre a nova lei de tóxicos: cf.www.ielf.com.br -, parece muito claro que o novo procedimento tem que ser observado em todos os seus termos, sob pena de nulidade total do processo (por inobservância do devido processo legal)”.

Temos conhecimento de que em 11 de setembro de 2002 a 4ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo também concedeu habeas corpus em processo por crime de tráfico que tramita na comarca de Santa Isabel, anulando o processo a partir da citação, determinando seja ele renovado com a adoção do rito dos arts. 38 a 41 da Lei 10.409/2002, relaxando a prisão em flagrante por excesso de prazo no término da instrução.

Referido acórdão ainda não foi publicado [6], mas por certo está a demonstrar o entendimento do mais Elevado Tribunal Paulista, e é o que deve prevalecer.


3. Conclusão

A Lei posterior revoga a anterior quando regula de forma diversa a matéria de que tratava a lei anterior, conforme dispõe o art. 2º, § 1º, da LICC.

Nos precisos termos do art. 6º da LICC, a lei em vigor terá efeito imediato e geral.

A Lei 10.409/2002 está em vigor e não padece de inconstitucionalidade. É de rigor, portanto, a aplicação do procedimento relativo a instrução criminal nela previsto, sob pena de flagrante cerceamento de defesa e quebra do procedimento, questão de ordem pública. Não observadas as regras, o remédio jurídico é o habeas corpus.

Se adotado o procedimento da Nova Lei, e não encontramos razão para não adotá-lo [7], eventual posicionamento da Superior Instância no sentido de sua inaplicabilidade não acarretará qualquer nulidade, visto tratar-se de procedimento mais benéfico, que amplia as chances de defesa, notadamente em razão da possibilidade de resposta escrita e dilação probatória antecedentes ao recebimento da denúncia, para o efeito de apurar elementos para o acolhimento desta ou não.

Por outro lado, a não adoção do procedimento introduzido com a Lei 10.409/2002 sujeita o processo e a Justiça Criminal aos transtornos decorrentes do reconhecimento de nulidade por violação da ampla defesa e quebra do procedimento, podendo acarretar a soltura de traficantes que não merecem ganhar a liberdade.

Como se vê, ainda que se pense não ser aplicável o procedimento novo, a prudência recomenda a sua adoção em benefício da estabilidade das decisões do Poder Judiciário, e em prol da sociedade que já não suporta a convivência com os “Senhores do Tráfico”, e nem entenderá a soltura destes em razão de questiúnculas técnico-jurídicas.

Respeitado o Douto entendimento em sentido contrário ao que defendemos desde sempre, estamos convictos de que é melhor não correr o risco a que se tem exposto os processos envolvendo crimes relacionados com a Lei Antitóxicos.



[1] “Novas considerações sobre o procedimento e a instrução criminal na Lei 10.409/2002 (Nova Lei Antitóxicos)”, in, Revista Meio Jurídico, ano V, n.º 52, junho de 2002, pág. 18/28; “Plural”: Boletim Informativo do CEAF/Escola Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo, ano 6, n.º 34 – março-abril/2002, p. 13; RT 800/500; http://www.mp.sp.gov.br/; http://www.direitopenal.adv.br; http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=2912; http://www.bpdir.adv.br; http://www.juridica.com.br; http://www.apoena.adv.br; http://www.suigeneris.pro.br; http://www.emporiodosaber.com.br; http://www.mundojuridico.adv.br; http://www.direitonet.com.br/doutrina/artigos/x/66/66/666/; http://www.ibccrim.org.br; http://www.saraivajur.com.br/biblioteca/doutrina/doutrina.cfm?doutrina=243; http://www.faroljuridico.com.br;

[2] cf., p. ex.: Guilherme de Souza Nucci. Breves comentários às Leis 10.259/01 (Juizados Especiais Criminais Federais) e 10.409/01 (Tóxicos),  http://www.cpc.adv.br/doutrip.htm

[3] Damásio E. de Jesus, em seu artigo intitulado: Nova Lei Antitóxicos (Lei 10.409/02) – Mais confusão Legislativa, disponível em: http://www.damasio.com.br/novo/html/frame_artigos.htm, expôs entender que a Lei entrou em vigor em 27 de fevereiro de 2002. Do mesmo entendimento comunga Renato de Oliveira Furtado, conforme escreveu em seu artigo: Nova Lei de Tóxicos – anotações ao art. 38 e parágrafos, disponível em: http://www.ibccrim.org.br, 22.02.2002. Jorge Vicente Silva comunga do mesmo pensamento nosso, conforme anotou em sua obra: Tóxicos, 2ª ed., Curitiba: Juruá, 2002, p. 13.

[4] MARCÃO, Renato Flávio. Anotações pontuais sobre a Lei 10.409/2002 (Nova Lei Antitóxicos) – Procedimento e Instrução criminal; RT 797/493; MARCÃO, Renato Flávio. Legislação Antitóxicos - Novos problemas iminentes (Projeto de Lei 6.108/2002, que altera a Lei 10.409/2002), www.ibccrim.org.br, 03.05.2002; http://www.mp.sp.gov.br; www.direitopenal.adv.br; www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=3136; www.mundojuridico.adv.br; www.juridica.com.br; http://www.saraivajur.com.br/biblioteca/doutrina/doutrina.cfm?doutrina=246; http://www.direitonet.com.br/doutrina/artigos/x/75/99/759/.

[5] Nova Lei de Tóxicos (10.409/02): nulidade do processo por inobservância da defesa preliminar; http://www.iusnet.com.br/webs/ielf/temas/Novalei10409-02.cfm e http://www.direitopenal.adv.br, Revista n.º 28.

[6] O presente artigo foi elaborado em 11 de outubro de 2002.

[7] Também é o posicionamento adotado pelos Magistrados Flávio Artacho, Jorge Luiz Abdalla Buassi, Ronaldo Guaranha Merigui, Zurich Oliva Costa Neto e João Alexandre Sanches Batagelo, entre outros, conforme temos observado em seus julgados, e por vários Promotores de Justiça no Estado de São Paulo, como é o caso do Insigne Dr. José Heitor dos Santos.

Sobre o(a) autor(a)
Renato Marcão
Membro do Ministério Público do Estado de São Paulo. Jurista.
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