Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADECON)
A ADECON e a necessidade da demonstração da controvérsia judicial.
Introduzida pelo ordenamento constitucional pela Emenda Constitucional n. 03, de 17/03/1993 DOU (18/03/1993), por intermédio da alteração da redação do artigo 102, I, “a”, e acréscimo do § 2º, do art. 102, bem como do § 4º do art. 103, todos da CF/88, introduziu no ordenamento jurídico brasileiro essa nova forma de controle de constitucionalidade. Contudo, insta salientar, que a Lei n. 9.868/1999 regulamenta o processo e o julgamento da ação declaratória de constitucionalidade (ADECON).
Em síntese, a ADECON foi criada para que o STF declarasse as leis julgadas inconstitucionais como constitucionais, tendo como finalidade, afastar a insegurança jurídica ou mesmo o estado de incerteza sobre a validade de lei ou ato normativo federal, preservando a ordem constitucional,1 isto é, modificar uma presunção relativa de constitucionalidade em absoluta (jure et jure),2 pois se julgada procedente a ação declaratória de constitucionalidade, tal decisão automaticamente vinculará os órgãos do Poder Judiciário e a Administração Pública. Destarte, o desígnio da ADECON ou ADC é transferir a Suprema Corte a decisão no tocante à constitucionalidade de um dispositivo legal controverso nos julgamentos dos tribunais, afastando-se o controle difuso de constitucionalidade.
Nessa linha de raciocínio, preleciona Luís Roberto Barroso o seguinte:
“A finalidade da medida é muito clara: afastar a incerteza jurídica e estabelecer uma orientação homogênea na matéria. É certo que todos os operadores jurídicos lidam, ordinariamente, com a circunstância de que textos normativos se sujeitam a interpretações diversas e contrastantes. Por vezes, até câmaras ou turmas de um mesmo tribunal firmam linhas jurisprudenciais divergentes. Porém, em determinadas situações, pelo número de pessoas envolvidas ou pela sensibilidade social ou política da matéria, impõe-se, em nome da segurança jurídica, da isonomia ou de outras razões de interesse público primário, a pronta pacificação da controvérsia”.3
O objeto da ação declaratória de constitucionalidade será somente lei ou ano normativo federal inconstitucional, ou seja, contrário à CF, quando verificado em vários processos judiciais nos quais a União estava sendo derrotada, sendo imprescindível para seu ajuizamento a comprovação, juntamente com a exordial, comprovando controvérsia judicial.
A ação declaratória de constitucionalidade é chamada dúplice ou ambivalente, pois o nome da ação não vincula os efeitos (decisão), isto é, significa que o STF pode declará-las inconstitucionais.
Vale destacar, que uma vez proposta ação declaratória de constitucionalidade, em nenhuma hipótese será admitida a sua desistência, conforme estabelece o artigo 16 da Lei 9.868/1999.
A competência originária para a interposição da ADECON é somente do Supremo Tribunal Federal, de acordo com o art. 102, I, “a”, da CF, tendo como quorum de instalação dois terços - 2/3 (08 ministros), bem como o quorum de aprovação a maioria absoluta (06 ministros).
Os legitimados a propositura da Ação Declaratória de Constitucionalidade encontram-se no art. 103 da CF/88 (modificada pela EC 45/2004)4.
Inicialmente, o procedimento da ação declaratória de constitucionalidade é a emissão do parecer do Procurador-Geral da República, que deverá pronunciar-se no prazo de 15 dias. No tocante a citação do Advogado-Geral da União, não haverá lógica e possibilidade desta, posto que, inexiste ato ou texto impugnado.
Consequentemente, o relator lançará o relatório, com cópia a todos os Ministros, pedindo que seja marcado o dia para julgamento.
Urge destacar que, quando houver a necessidade de esclarecimento de matéria ou circunstância de fato ou de notória insuficiência, o relator da ADECON poderá requisitar informações, designando perito ou comissão de peritos para que emita parecer sobre a questão ou fixar data para, em audiência pública, ouvir depoimentos de pessoas com experiência e autoridade na matéria. Outrossim, o relator pode solicitar informações aos Tribunais Superiores Federais e aos Tribunais Estaduais, acerca da aplicação da norma questionada no âmbito de sua jurisdição, sendo, as informações, perícias e audiências serão realizadas no prazo de 30 dias, contados da solicitação do relator.
Outro requisito, indispensável é a obrigatoriedade de ser juntado aos autos cópia dos documentos relativos ao processo legislativo de formação da lei ou ato normativo questionado e dos documentos necessários para comprovar a procedência do pedido,5 conforme disposto no artigo 14, da Lei 9.868/1999, bem como a necessidade da demonstração da “controvérsia judicial que põe risco à presunção de Constitucionalidade do ato normativo sob exame... permitindo à Corte o conhecimento das alegações em favor da Constitucionalidade e contra ela, e de modo como estão sendo decididas num outro processo”;6 sob pena de não ser conhecido e analisado o mérito da ação declaratória de constitucionalidade.
Tanto são essenciais tais requisitos que, a ação declaratória de constitucionalidade n. 15-17 negou seguimento a exordial, sob o fundamento que não houve cumprimento de exigência legal expressa quanto os requisitos postulados na peça inicial (art. 14, da Lei 9.868/99),8 posto a ausência de comprovação de controvérsia judicial relevante, haja vista que, o requerente somente requereu o posicionamento do Supremo Tribunal Federal a respeito de ser ou não constitucional a promoção funcional dentro da carreira, onde as classes (agentes, escrivães, peritos e outros) possam progredir para a classe de delegado de Polícia Federal, sem ser aprovado em concurso público para tal cargo, existindo no órgão carreira única, sob o fundamento do artigo 144, da Carta Magna.9 Portanto, tendo em vista, que a requerente da ação declaratória, em comento, ter requerido que a Corte Suprema adota-se posicionamento a cerca da constitucionalidade a promoção funcional dentro da carreira da Polícia Federal, o Supremo negou seguimento a lide, sob o fundamento dos artigos 102 e 103 da Constituição Federal, isto é, da não possibilidade de adotar posicionamento jurídico a respeito das condições funcionais dos servidores públicos.10
Nesse sentido, verte claro o pacífico entendimento da Colenda Corte Suprema, firmando juízo da imprescindibilidade da demonstração da controvérsia judicial, sob pena de inépcia da petição, in verbis:
“EMENTA: AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE. COMPROVAÇÃO LIMINAR DA EXISTÊNCIA DE CONTROVÉRSIA JUDICIAL EM TORNO DA LEI OU ATO NORMATIVO FEDERAL. NECESSIDADE DE QUE ESSE DISSÍDIO SE EXTERIORIZE EM PROPORÇÕES RELEVANTES, PELA OCORRÊNCIA DE DECISÕES ANTAGÔNICAS QUE, EM AMBOS OS SENTIDOS E EM VOLUME EXPRESSIVO, CONSAGREM TESES CONFLITANTES.
- O ajuizamento da ação declaratória de constitucionalidade, que faz instaurar processo objetivo de controle normativo abstrato, supõe a existência de efetiva controvérsia judicial - fundada em razões jurídicas idôneas e consistentes - em torno da legitimidade constitucional de determinada lei ou ato normativo federal.
Sem a observância desse pressuposto de admissibilidade, torna-se inviável a instauração do processo de fiscalização normativa in abstracto, pois a inexistência, em grandes proporções, de pronunciamentos judiciais antagônicos culminaria por converter a ação declaratória de constitucionalidade em um inadmissível instrumento de consulta sobre a validade constitucional de determinada lei ou ato normativo federal, descaracterizando, por completo, a própria natureza jurisdicional que qualifica a atividade desenvolvida pelo Supremo Tribunal Federal.” (STF, MED. CAUT. EM AÇÃO DECLARATÓRIA DE INCONSTITUCIONALIDADE 8-8 RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO REQTE.: PRESIDENTE DA REPÚBLICA).
Nesse diapasão, a ADC nº 8, "quantificou a demonstração da controvérsia judicial, afirmando a necessidade de que":
"o autor desde logo demonstre que se estabeleceu, em termos numericamente relevantes, ampla controvérsia judicial em torno da validade jurídica da norma federal (...) Mais do que a mera ocorrência de dissídio pretoriano seria preciso que a situação de divergência jurisdicional, caracterizada pela existência de um volume expressivo de decisões conflitantes, faça instaurar, ante o elevado coeficiente de pronunciamentos judiciais colidentes, verdadeiro estado de insegurança jurídica, capaz de gerar um cenário de perplexidade do sistema de Direito Positivo vigente no país". (STF, Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 8, Ministro Celso Antonio de Melo, DJ Nr. 154 – 12/08/1999).
Desta forma, concluímos ser imprescindível para o ajuizamento da ação declaratória de constitucionalidade a comprovação, juntamente com a exordial, de comprovada controvérsia judicial relevante que assente polêmica a presunção da constitucionalidade da lei ou ato normativo federal em questão, para que a nossa Corte máxima possa tomar conhecimento dos argumentos contras e favoráveis a constitucionalidade e, outrossim, ter ciência das decisões que vêem sendo adotadas pelos tribunais inferiores. Desta forma, resta límpido o mister da demonstração da controvérsia judicial, tornando extremamente necessário juntar aos autos as discrepâncias judiciais.
Assim sendo, se a ação declaratória de constitucionalidade não for devidamente fundamentada e restar comprovada manifestamente a sua improcedente, será indeferida liminarmente, cabendo em face desta decisão o recurso de agravo, conforme rege o art. 15, Lei 9.868/99.11
No entanto, a decisão que analisar o mérito da ação declaratória de constitucionalidade não caberá nenhum recurso, ressalvada a oposição de embargos declaratórios. Outrossim, cumpre citar, que a decisão da ADECON jamais poderá ser objeto de ação rescisória.
Cumpre acentuar, que o art. 7º da Lei n. 9.868/99, veda intervenção de terceiros no processo da ADECON. Todavia, se o relator considerar a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes, poderá, por despacho irrecorrível, admitir, a manifestação de outros órgãos ou entidades, portanto, é admiti-se o amicus curiae (“amigo da corte” – permissão de pessoa, entidade ou órgão, de ingressar na demanda com o escopo de discutir as teses jurídicas constante na lide, na qual se envolve como um terceiro, que não os litigantes, movido por um interesse maior que o das partes envolvidas no processo) no processo.
É admitida a interposição da cautelar na ação declaratória de constitucionalidade, por decisão da maioria absoluta de seus membros, conforme estabelece o artigo 21 da Lei n. 9.868/99, bem como também é aceita pela jurisprudência do STF – DDC-4, sendo que, os efeitos desta decisão é erga omnes e vinculante - suspensão dos julgamentos por 180 dias contados da publicação, com o fito do Tribunal julgar a ação declaratória. Findo tal prazo, sem julgamento, cessar-se-á a eficácia da medida cautelar.
Por derradeiro, os efeitos da decisão são: erga omnes (eficácia contra todos), ex tunc (retroativo) e vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública Federal e Estadual Distrital - art. 102, § 2º, da CF, todavia, não esta vinculado o Poder Legislativo, que tem o poder de editar nova norma com o mesmo conteúdo de outra declarada inconstitucional.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no Direito brasileiro. 2. ed., São Paulo: Saraiva, 2006
BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários à constituição do Brasil. Vol. 4, São Paulo: Saraiva, 1997.
LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 10. ed., São Paulo: Editora Método, 2006.
1 Nessa acepção, a doutrina e a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal são pacíficas a respeito de que a ação declaratória de constitucionalidade: “só terá lugar e se justificará diante da ocorrência de um estado de incerteza de grandes proporções quanto à legitimidade da norma.” (BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários à constituição do Brasil. Vol. 4, São Paulo: Saraiva, 1997, tomo III/152).2 Aliás: “Desse modo, e para efeito de configuração do interesse objetivo de agir do autor da ação declaratória (CF, art. 103, § 4º), torna-se indispensável - consoante exige a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal - que “pré-exista controvérsia” que ponha em risco a presunção juris tantum de constitucionalidade ínsita a qualquer ato emanado do Poder Público.” (RTJ 157/371, 385).
3 BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no Direito brasileiro. 2. ed., São Paulo: Saraiva, 2006, p. 203.4 Pertinência temática para a propositura das ações: incisos IV, V e IX do artigo 103 da CF – essas pessoas têm que justificar a propositura de qualquer das ações acima mencionadas. As pessoas dos demais incisos não precisam justificar (pertinência universal).
5 Cf., comentários da ADECON 1-1-DF feitos por Pedro Lenza: “Outro requisito, também exposto pelo Ministro Relator Moreira Alves na ADECON citada, seria quando alegado vício formal de inconstitucionalidade, a necessária juntada aos autos de cópia dos documentos relativos ao processo legislativo de formação da lei ou ato normativo”. Grifo original. (LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 10. ed., São Paulo: Editora Método, 2006, p. 167).6 ADECON 1-1-DF, voto do Ministro Relator Moreira Alves.
7 Cf. AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE n. 15-1 - Entrada no STF: 16/02/2007, Relator: MINISTRO MINISTRA CÁRMEN LÚCIA, Distribuído: 16/02/2007, Partes: REQUERENTE: ASSOCIAÇÃO FEDEAL DE POLÍCIA, REQUERIDO: UNIÃO, Decisão Monocrática da Liminar - Não Conhecido: “AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE. DESCUMPRIMENTO DE EXIGÊNCIA LEGAL EXPRESSA QUANTO A REQUISITO DA PETIÇÃO INICIAL: AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE CONTROVÉRSIA JUDICIAL RELEVANTE. SEGUIMENTO NEGADO”.8 Ver a Ação Declaratória de Constitucionalidade n. 15-1: “De logo se conclui que o pedido não pode sequer ser apreciado na via eleita pela digna entidade Autora.
A Lei n. 9.868/99 estabelece, em seu art. 14, que a petição inicial da ação declaratória de constitucionalidade indicará “III - a existência de controvérsia judicial relevante sobre a aplicação da disposição objeto da ação declaratória.”
Esta comprovação é imprescindível pois constitui elemento fundamental para que a ação possa ser recebida e conhecida. Sem ela a petição é inepta, por carecer de elemento essencial legalmente exigido. O Supremo Tribunal Federal decidiu, na Ação Declaratória de Constitucionalidade n. 1, que a comprovação da existência de dissídio judicial relevante é requisito imprescindível para o conhecimento dação.”
9 Nesse panorama, foi a fundamentação legal da “Ação Declaratória de Constitucionalidade ajuizada pela Associação Federal de Polícia, “com fulcro no artigo 103 da 'Lex Mater' em desfavor da União”(fl. 02), requerendo “a este Egrégio Supremo Tribunal Federal, posicionamento jurídico a respeito de ser ou não Constitucional a promoção/ascensão funcional dentro da carreira policial federal, onde as classes de agente, escrivão, papiloscopistas e peritos possam progredir para a classe de Delegado da Polícia Federal, existindo no órgão carreira única, conforme diz a Constituição Federal em seu artigo 144”(fl. 05). (...)Pondera que “a administração federal do governo federal, tem impedido que as demais funções de policiais federais (agentes, escrivães, papiloscopistas e peritos) possam exercer a função de delegado de polícia federal” e, ainda, que “o art. 37, inciso II da Constituição Federal, determina que a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos. Contudo, não veda nenhum tipo de progresso dentro de carreira estruturada legalmente” (fl. 03).Salienta que “até o presente momento, estão os servidores da polícia federal sem posicionamento legal que venha a atender os ditames da lei Constitucional e infraconstitucional, determinando se é possível ou não a progressão dentro da carreira policial federal” (fl. 4).
Por isso, requer “a este Egrégio Supremo Tribunal Federal, posicionamento jurídico a respeito de ser ou não constitucional a promoção/ascenção funcional dentro da Carreira Policial Federal, onde as classes de agente, escrivão, papiloscopistas e peritos possam progredir para a classe de Delegado de Polícia Federal, existindo no órgão carreira única, conforme diz a Constituição Federal em seu artigo 144”(fl. 5)”.
10 No dispositivo da Ação Declaratória de Constitucionalidade n. 15-1, constou que: “Uma última observação, e não de pouco relevo, patenteia a inadequação da via processual constitucional eleita pela Autora: o seu pedido põe-se no sentido de que o Supremo Tribunal Federal adote “posicionamento jurídico a respeito de ser ou não constitucional a promoção/ascensão funcional dentro da Carreira Policial Federal (...) Dentre as competências constitucionais do Supremo Tribunal Federal, elencadas, basicamente, nos arts. 102 e 103 da Constituição da República não está a de adotar “posicionamento jurídico” a respeito das condições funcionais de quaisquer servidores ou carreiras, por mais dignos e respeitosas sejam elas. Qualquer debate judicial que se pretende quanto a esses interesses/direitos haverá de se dar pelo processo adequadamente previsto na legislação à qual haverá de se ater o interessado. 6. Presentes as razões acima expostas, não conheço da presente ação declaratória de constitucionalidade, à qual nego seguimento (art. 15, da Lei n. 9868/99 e art. 21, § 1º, do RISTF). Arquivem-se os presentes autos.”11 Nesse diapasão, ver LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 10. ed., São Paulo: Editora Método, 2006, p. 168.