O dano moral do Direito do Trabalho

O dano moral do Direito do Trabalho

Apesar da Teoria da Responsabilidade Civil ser utilizada no Direito do Trabalho para verificação dos pleitos envolvendo dano moral, o seu critério de fixação não é o mesmo.

Não desprezando os específicos critérios de apuração judicial de um pedido de reparação de dano moral - já competentemente analisados pela doutrina e a jurisprudência -, enfrentaremos em nosso estudo, os contornos que o Direito do Trabalho Contemporâneo deu a matéria dano moral, já na fase do arbitramento do quantum devido na sua condenação reparadora.

Propedeuticamente, vale esclarecer que o contrato de trabalho não possui sua síntese na prestação dos serviços e, pela via transversa, no pagamento dos salários devidos, face a amplitude de sua dimensão social.

Cabe esclarecer, que o contrato de trabalho é envolvido pelos direitos de ambas as partes, inclusive, os de personalidade (os direitos íntimos, atingindo linearmente por atos que ultrapassam os limites da moral e do respeito ao próximo).

Neste fim, cabe a Justiça Laboral avaliar, diante das alegações fáticas e das provas colhidas num processo judicial, os critérios ensejadores do dano moral, bem como quantificá-lo, subsumindo-se este mister, a priori, na verificação dos pressupostos da ação (ato ilícito decorrente de ação ou omissão do agente causador do dano) e dos pressupostos para configuração do dano moral (ato ilícito, dolo ou culpa do agente, nexo de causalidade entre o ato lesivo praticado e o dano decorrente).

Ultrapassada esta fase, chega o momento em que se observadas as características especificadas do pacto laboral vindicado, como o tempo alcançado na prestação de serviços e o decurso do prazo para o ajuizamento da ação trabalhista para reparação do dano atingido, a fim de que seja fixado o quantum condenatório, observando-se os princípios da razoabilidade, da equidade e da proporcionalidade.

Desta forma, o primeiro enfoque - tempo de vigência do pacto laboral -, apresenta ao mundo jurídico o grau de ‘fidúcia’ solidificado pelo tempo num contrato de trabalho, por intensas relações sociais entre empregador e empregado.

Tais características atribuem certa singularidade ao contrato de trabalho, bem como o diferencia dos diversos contratos regulados pelo direito civil.

Assim, o interesse das partes de permanecerem vinculadas é fomentado pelo convívio diário, pelo investimento tanto físico, patrimonial, quanto intelectual, por responsabilidades especificas e contrapostas, bem como pela qualidade dos serviços prestados.

Com efeito, as características apuradas num pacto laboral refletem na sua perpetuação pelo tempo, uma vez que o empregador não mantém um contrato de trabalho, onde ele não tenha a mínima confiança em seu empregado. Da mesma forma, o empregado não investira o seu tempo e a sua força de trabalho num contrato de trabalho em que ele não confie em seu empregador.

Diante disto, o tempo de vigência de um pacto laboral deve ser um dos critérios a serem analisados na fixação do quantum condenatório por danos morais.

O professor Marcus Vinícius Lobregat ensina:

O tempo de serviço prestado ao empregador, devendo ser maior o valor da indenização quanto maior for o tempo de convivência, em face do conhecimento mútuo e da ampliação da confiança derivada dos passar dos anosin Dano Moral nas Relações Individuais do Trabalho, Ed. LTr, São Paulo, 2001, pág. 123.

Neste sentido, a jurisprudência laboral tem enfatizado:

DANO MORAL. FIXAÇÃO DO QUANTUM. - A fixação do quantum de indenização por danos morais compete ao prudente arbítrio do magistrado que agirá de acordo com o nosso ordenamento jurídico, devendo para tanto, do lado do ofendido, levar em conta seu tempo de serviço na empresa, o cargo exercido e sua situação econômico social, e, do lado do ofensor, como critério subjetivo, a intensidade do ânimo de ofender (culpa ou dolo), e como critério objetivo, a gravidade e a repercussão da ofensa. Tendo, ainda em mente que se a indenização alcança valor exorbitante desnatura o seu caráter educativo.

(TRT 18ª Região - Proc RO-01024-2003-004-18-00-4 – Rel. Juiz Luiz Francisco Guedes de Amorim - Publicação: DJE-GO nº 14.162 do dia 02.12.2003, pág. 130). (original sem grifos)

DANO MORAL - CRITÉRIO PARA FIXAÇÃO DA INDENIZAÇÃO - A reparação do dano moral é de ser fixada considerando-se o tempo de serviço prestado pela empregada vez que nesse período e em razão de suas atividades é que se inseriu e projetou-se na sociedade e o valor por este recebido a título de contraprestação pela atividade. (TRT 3ª R. - 3T - RO/13696/00 - Rel. Juiz Carlos Augusto Junqueira Henrique - DJMG 29/05/2001 P.14). (original sem grifos)

Diante dos arrestos colacionados, é válido concluir que: quanto maior for o tempo alcançado por um pacto laboral, maior deverá ser o peso da condenação pelo dano moral suportado; por outro lado, quanto menor for o tempo de vigência do contrato de trabalho, menor deverá o peso da citada condenação.

Um exemplo meramente acadêmico é o caso de um empregado que atingiu 10 (dez) anos de serviços prestados e outro que prestou somente 2 (dois) anos de serviços, ambos para o mesmo empregador, sendo eles atingidos, simultaneamente, pelo mesmo ato danoso do empregador.

O valor a ser fixado na condenação reparatória por danos morais não deve ser o mesmo para os dois empregados, uma vez que a dor suportada pelo citado ato danoso, atinge mais intensamente o empregado com 10 (dez) anos de serviços prestados do que o outro empregado de possua somente 2 (dois) anos.

Destacar-se, que o contrato de trabalho, bem como as relações sociais do primeiro empregado foram, com muita certeza, mais fortes, intensas e constantes do que as do segundo empregado. Em reflexo, observa-se que o primeiro empregado suportou uma dor moral mais intima.

Desta forma, a diferença exemplificada no tempo de serviço deve ser refletida na fixação do valor a ser condenação por danos morais.

Outro aspecto a ser analisado é o lapso de tempo para ajuizamento da ação de reparação. A demora no ajuizamento da ação reparadora pelo empregado também deve ser observada no arbitramento do quantum condenatório por danos morais.

O prof. Marcus Vinícius Lobregat dá alguns contornos sobre este aspecto:

... quando ingressamos no âmbito de fixação da indenização do dano moral, por derivação direta das relações individuais do trabalho, referidos fatores devem passar por uma nova modificação, acrescentando-se-lhes os seguintes aspectos:

1) o tempo transcorrido entre o dano moral e o ajuizamento da ação tendente à obtenção da indenização, porquanto – como se sabe – o tempo suaviza as dores, cicatriza as feridas, aplaca as mágoas, enfim, vai apagando da lembrança os acontecimentos ruins, uma vez que é da essência da natureza humana esquecer-se dos maus momentos, de tal modo que tanto menor será o valor da indenização quanto mais for o lapso temporal transcorrido” in Dano Moral nas Relações Individuais do Trabalho, Ed. LTr, São Paulo, 2001, pág. 122/123. (original sem grifos)

Com efeito, a soma dos fatores convívio diário, confiança existente, relações sociais de trabalho, pesando-se, ainda, a dor atingida num dano moral, clarividência ao operador do direito a correta noção da urgência da reparação pelo dano moral argüido, ainda mais, quando este dano é normalmente suportado injustamente.

Neste contexto, o dano moral suportado num pacto laboral urge ser amparado de imediato, urgentemente, através de uma oportuna ação reparatória, devendo a demora no seu ajuizamento ser sopesada na fixação do quantum reparatório.

Assim, o tempo transcorrido entre o ato danoso e o ajuizamento da ação reparadora deverá ser observado, visto que o lapso temporal promove, principalmente, a exata visão da amplitude do prejuízo moral gerado de quem pleiteia uma condenação por danos morais.

Desta forma, a presunção de que “o tempo suaviza as dores, cicatriza as feridas” - conforme orienta o prof. Marcus Vinicius Lobregat, no último fragmento transcrito -, é um efeito que deve ser ponderado pela Justiça do Trabalho, como outras presunções são consideradas, a exemplo da que se opera o perdão tácito quando, havendo a ocorrência de um ato faltoso do empregador, o empregado não age de forma imediata, deixando transcorrer tempo razoável entre a falta e o pedido de rescisão indireta do contrato ou da que o não retorno do empregado ao emprego, no prazo superior à 30 dias, após a cessação do benefício previdenciário, sem justificativa, gera a presunção de que ele abandonou o emprego (Súmula nº 32 do TST) .

Na mencionada presunção esta se homenageando o principio trabalhista da imediatidade, tão bem destacado por Plá Rodrigues.

Nesta esteira, a jurisprudência orienta que:

Indenização por dano moral – Falta de imediatidade – indeferimento – Na análise do alegado dano moral é perfeitamente invocável o princípio da imediatidade, pois se há uma dor, um sofrimento ou um abalo emocional, mas estes não chegam a inibir a continuidade da relação entre as partes, não se cogita de dano moral. Transcorrido considerável lapso de tempo desde a ocorrência do apontado ato danoso isto demonstra, no mínimo, ou uma escassa emoção de quem depois se diz ofendido, ou, então, o demérito que o fato tem sob sua ótica, inviabilizando, assim, reparação indenizatória. (TRT 9ª Região. RO 01220-2004-071-09-00-0 - (Ac. 1ª T. 29155/05) – Rel. Juiz Ubirajara Carlos Mendes. DJPR 11/11/05, pág. 524)

Oportuno assinalar, que o anseio de justiça social não encontra o seu inteiro respaldo nos critérios de quantificação da condenação por danos morais, fixados sobre o valor do salário do trabalhador, como ainda é bastante utilizado na Justiça do Trabalho.

Tal critério não coaduna ao caráter educativo e punitivo da condenação do dano moral, unanimemente assinalados pela doutrina e pela própria jurisprudência contemporânea da Justiça Laboral.

Para melhor demonstração, exemplifica-se o caso de um empregado que exerce a função de auxiliar de área, laborando por cerca de 2 (dois) anos numa multinacional, percebendo a remuneração mensal de R$ 300,00 (trezentos reais). Neste caso, tendo a empresa violado o direito de personalidade de seu empregado, permitindo a proliferação de chacotas desonrosas envolvendo o seu nome dentro da empresa ou tendo ela punido o empregado de forma excessiva e vexatória, a fixação da condenação por danos morais em 2, 3 ou 4 salários não alcançaria o seu objetivo debatido.

No exemplo em tela, o aludido arbitramento não atingiria a situação econômica da multinacional, não compensaria o prejuízo moral suportado, a dignidade violada, a desconsideração da pessoa humana do empregado, e principalmente, não alcançaria o seu principal objetivo (educar e punir).

Destaca-se, que o critério de fixação da condenação debatido é, inclusive, rechaçado, inclusive, pelo TST, conforme se vê no fragmento retirado do voto condutor do Ministro Aloysio Veiga, no recente julgamento do processo ERR 763443/2001.4:

São irrelevantes, diante da extensão do dano sofrido, a remuneração do empregado e o cargo por ele exercido para chegar ao valor da condenação”, observou Aloysio Veiga ao afastar os argumentos da empresa e entender que “a gravidade do ato ofensivo foi o bastante para convencer o julgador do valor atribuído”. Comentários publicado no site do TST (www.tst.gov.br), no dia 05/09/05, sobre as decisões de destaque.


CONCLUSÃO

Diante do exposto, observa-se que o dano moral do direito civil e do direito do trabalho, apesar de utilizarem os mesmos critérios para sua verificação, apresentam contornos específicos e especiais na fixação do quantum condenatório.

Não restam duvidas que as relações oriundas de um contrato de trabalho são fortes e constantes (até mesmo porque alguns empregados passam mais tempo na empresa do que em sua própria casa), motivo pelo qual, os efeitos decorrentes desta relação são imediatos, intensos e avassaladores da intimidade do individuo.

Assim, os critérios ora debatidos (tempo de vigência do pacto laboral e lapso de tempo para ajuizamento da ação reparadora) possuem singular importância para a Justiça do Trabalho, na fixação do valor condenatório, diante de seu objetivo de compensar a desigualdade existente num contrato de trabalho e alcançar o principio da finalidade social nas suas decisões laborais.

Conforme já demonstrado, apesar dos aludidos critérios terem sido enfrentados por poucos doutrinadores, a jurisprudência laboral vem abonando a sua importância dada neste artigo, mesmo que em esparsas decisões.

Com efeito, perfilhamos nestes critérios o nosso entendimento, acrescentando, por oportuno, que os aludidos critérios de fixação do quantum contribuem a grandiosa missão do Judiciário Trabalhista, que é dar a justiça a quem clama e a pacificação com a função social.

Destaca-se ainda, que não concordamos com os critérios de fixação da condenação por danos morais, tomando-se por base o valor do salário do empregado, uma vez que, conforme o exemplo apresentado, ele não promove a plena reparação da violação da dignidade da pessoa humana do trabalhador, nem atinge, por outro lado, o caráter educativo e punitivo da condenação para o empregador.

Entendemos de que os critérios debatidos podem, inclusive, substituir o modelo de fixação do valor condenatório, amplamente utilizado, que é do salário percebido pelo empregado.

Não pretendemos esgotar o tema proposto, e sim chamar atenção para os destacados critérios brandamente utilizados pela Justiça do Trabalho. Assim, reiteramos a singular importância dos critérios debatidos, que, certamente, aperfeiçoam, tonificam e cristalizam as decisões da Justiça Laboral, atingindo robustamente os princípios da razoabilidade, da equidade, da proporcionalidade, da finalidade social e da proteção ao trabalhador e, principalmente, contribuindo fortemente na busca do incansável ideal de justiça social.

Sobre o(a) autor(a)
Eduardo da Costa Silva
Advogado - Graduado pela Universidade Federal de Goiás e Especialista em Direito Administrativo e Processo Civil. Atuo na area trabalhista na Capital do Estado de Goiás. É autor de vários artigos publicados, entre eles: "Dano...
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