Teoria geral de empresa e seus aspectos históricos
A origem do Direito Empresarial, compreendido como o conjunto de normas que disciplinam a atividade econômica, seus agentes e regime jurídico, é muito mais antiga do que ele em si, havendo registros desde a Antiguidade Clássica de práticas que hoje entendemos como mercantis.
Introdução
Há pelo menos três formas de se denominar o direito empresarial, dado que a variabilidade do seu objeto ao longo do tempo torna inviável uma uniformidade na sua denominação. As expressões mais usadas são: direito mercantil, comercial e empresarial.
Para compreender o direito empresarial moderno é preciso analisar sua origem, objetos e consequente evolução histórica até chegar ao Brasil.
1. Fases do Direito Empresarial
A origem do Direito Empresarial, compreendido como o conjunto de normas que disciplinam a atividade econômica, seus agentes e regime jurídico, é muito mais antiga do que ele em si, havendo registros desde a Antiguidade Clássica de práticas que hoje entendemos como mercantis.
Todavia, em tal período ainda não existia um direito autônomo que ordenasse a atividade econômica. Em Roma, por exemplo, as regras comerciais eram parte do Direito Privado comum1.
Foi somente na Idade Média que o embrião do direito empresarial começou a tomar forma através do ius mercatorum, regime jurídico específico, autônomo, que possuía princípios e institutos particulares para reger as relações mercantis.
Caracterizava-se por ser um direito local europeu criado pelas corporações de ofício (entidades de classe), especialmente aquelas localizadas no que hoje é o território da Itália, para regrar e dirimir controvérsias entre seus membros. Este período é chamado de estágio do corporativismo2.
Após o Renascimento, período histórico que ocorreu diversas revoluções artísticas, culturais e tecnológicas, teve início o período das Grandes Navegações.
Ambas as fases acarretaram o declínio do modelo feudal vigente após a queda do Império Romano e na formação dos estados nacionais modernos centralizados na figura de um poder monárquico absoluto.
A intensificação do comércio, em especial ultramarino entre metrópoles e colônias, exigiu que o direito mercantil evoluísse para abarcar a nova realidade da época.
Com o declínio do poder e influência das corporações de ofício, os Estados reivindicaram para si próprios o monopólio da jurisdição.
Neste contexto, surge na França o Direito Comercial, fundamentado na teoria dos atos de comércio, que atribuía a quem praticasse atos taxativos presentes na lei a característica de comerciante.
Ser comerciante, portanto, era pressuposto essencial para a aplicação de regramentos comerciais específicos. Tem-se inaugurada, portanto, o chamado estágio objetivista.
Com o advento das revoluções burguesas, as sociedades aristocráticas foram transformadas em sociedades liberais, caracterizadas pela quebra do poder monárquico absoluto e valorização de direitos e liberdades individuais. Tais eventos foram essenciais para Revolução Industrial, que trouxe novas atividades econômicas relevantes que não eram compreendidas pelos atos de comércio.
Foi somente com o Código Civil Italiano de 1942 que surgiu um novo regime jurídico comercial compreendido pela teoria de empresa, inaugurando o atual Direito Empresarial por meio da fase subjetivista moderna ou empresarialista.
Segundo Alberto Asquini, jurista italiano que trouxe o conceito jurídico de empresa, esta é um fenômeno poliédrico, por possuir quatro perfis distintos: a) subjetivo, no qual a empresa é uma pessoa (natural ou jurídica), ou seja, o empresário; b) funcional, em que esta seria uma atividade dirigida a um escopo produtivo; c) objetivo/patrimonial, no qual a empresa seria um conjunto de bens afetados ao exercício da atividade econômica; e d) corporativo, em que esta seria “um núcleo social organizado em função de um fim econômico comum” 3.
Todavia, cumpre ressaltar que o perfil corporativista está ultrapassado, pois se sustentava a partir da ideologia fascista em vigor na Itália da época, que não aceitava a ideia de um código comercial autônomo e, consequentemente, de um regime jurídico específico para tratar os agentes econômicos.
Isto porque, nas palavras de Rubens Requião, o regime fascista “via no comerciante um personagem ultrapassado do ‘decadente’ mundo capitalista, sendo substituído pela figura da empresa, na qual se sobressai a participação do elemento trabalho” 4.
2. A atividade econômica organizada
Com o advento da teoria de empresa como delimitadora da incidência de regras jurídicas empresariais específicas, a empresa passa a ter o sentido técnico jurídico de atividade econômica organizada, ou seja, articulação dos fatores de produção (natureza, trabalho, capital e tecnologia) para atendimento das necessidades do mercado (produção e circulação de bens e serviços).
Para André Santa Cruz, é em torno deste conceito que vão derivar todos os demais conceitos fundamentais do direito empresarial, em especial no Brasil, como o de empresário (aquele que exerce profissionalmente a atividade econômica organizada) e de estabelecimento empresarial (complexo de bens usado para o exercício de uma empresa)5.
3. O Direito Empresarial Brasileiro
A despeito de o Brasil possuir uma lei específica para reger as relações comerciais, o Código Civil de 2002 modificou formalmente o entendimento jurídico sobre o tema, uma vez que ele adota a teoria da empresa. Foi a adoção deste novo entendimento que permitiu a mudança de nomenclatura de Direito Comercial para Direito Empresarial.
Destarte, no ordenamento jurídico brasileiro, prevalece o entendimento de que a proteção legal deve recair sobre a atividade empresarial, definida pelo artigo 966 do Código Civil como “atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços” 6.
Norteado pela teoria supracitada, o Código Civil estabeleceu o regime jurídico do empresário individual, que é aquele que exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.
Ademais, apesar de o Código Civil não trazer explicitamente uma definição para empresa, Edilson Enedino das Chagas afirma que o termo é a própria atividade praticada pelo empresário, que não é uma pessoa jurídica, e, consequentemente, é o objeto do Direito Empresarial7.
Assim, para haver a empresa a lei exige pessoa capaz, objetos lícitos, possíveis e determináveis, além de forma prescrita ou não defesa em lei, sendo, ainda, possível a existência das sociedades empresárias que são formadas por aqueles que se obrigam a contribuir para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados.
Conclusão
Passados os esclarecimentos acima, resta claro i) o que é o Direito Empresarial; ii) como ele surgiu; iii) quais os seus fundamentos; e iv) sua aplicabilidade no Brasil.
A Teoria Geral de Empresa é a base para a autonomia do Direito Empresarial, que não só abarca os dispositivos do Código Civil, mas também traz para si toda uma ordem jurídica que inclui organização da empresa, interação entre empresas e falências.
Referências
1 BARRETO FILHO, Oscar. A dignidade do direito mercantil. Revista de Direito Mercantil, Econômico, Industrial e Financeiro, nº 11, 1973, p. 12-13.
2 BARRETO FILHO, Oscar. A dignidade do direito mercantil. Revista de Direito Mercantil, Econômico, Industrial e Financeiro, nº 11, 1973, p. 14.
3 ASQUINI, Alberto. Perfis da empresa. Tradução de Fábio Konder Comparato. In: Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, nº 104, out./dez. 1996, p. 109-126.
4 REQUIÃO, Rubens. Projeto de Código Civil. Apreciação crítica sobre a Parte Geral e o Livro I (Das Obrigações). Revista dos Tribunais. São Paulo: RT, ano 64, v. 477, jul. 1975, p. 13.
5 RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Direito empresarial: volume único. – 10. Ed – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2020, p. 27.
6 BRASIL. Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Brasília, DF, 2002.
7 CHAGAS, Edilson Enedino das. Direito Empresarial Esquematizado. São Paulo: Saraiva, 2018.