Equiparação da homofobia ao crime de racismo diante da tendência ao ativismo judicial

Equiparação da homofobia ao crime de racismo diante da tendência ao ativismo judicial

Análise acerca da decisão do Supremo Tribunal Federal que equiparou a homofobia ao crime de racismo, considerando direitos e garantias fundamentais, de vítimas e acusados, bem como o processo legislativo previsto constitucionalmente para a criação de novos tipos penais.

1. INTRODUÇÃO

O presente artigo tem como intento o estudo da equiparação da homofobia ao crime de racismo pelo Supremo Tribunal Federal, correlacionando-a à tendência ao ativismo judicial no ordenamento jurídico brasileiro.

A princípio, entende-se por homofobia o pavor patológico à condição do indivíduo que sente atração afetiva e sexual por pessoas do mesmo sexo. O homofóbico sente aversão irreprimível aos homossexuais, algo que o faz reagir de forma violenta e irracional.

Este pavor patológico é corroborado, ainda, pela visão cristã que impera na cultura desde a chegada dos portugueses no Brasil e, embora trata-se de país laico e que ostenta elevados números de atos discriminatórios e atentatórios à vida e à integridade física de pessoas pertencentes aos grupos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transsexuais, Trangêneros e Queer (LGBTQ+), não há qualquer legislação específica editada pelo Poder Legislativo para tutelá-los.

Por essa razão, no dia 13 de junho de 2019, durante julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão nº 26 e do Mandado de Injunção nº 4733, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), baseando-se na omissão do Congresso Nacional, enquadrou a homofobia e a transfobia como crimes de racismo.

Conforme entendimento da Suprema Corte, a demora do Poder Legislativo para incriminar os atos de homofobia e transfobia ofende direitos e garantias fundamentais dos indivíduos, por essa razão, os Ministros Celso de Mello, Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes votaram para que condutas semelhantes sejam enquadradas na Lei nº 7.716/1989 (Lei do Racismo), até que o Congresso Nacional saia da inércia.

Por outro lado, os Ministros Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli, vencidos no julgamento, afirmaram que os atos discriminatórios contra grupos LGBTQ+ somente poderiam ser punidos por meio de leis específicas aprovadas pelo Poder Legislativo.

Não se pode negar que os grupos LGBTQ+ são diariamente violentados de formas diferentes, contudo, questiona-se se agiu com acerto o Supremo Tribunal Federal ao expandir sua atuação para criminalizar a homofobia e a transfobia, esbarrando em funções que não lhe são comuns.

Isso porque a elaboração de leis é função típica do Poder Legislativo, cabendo ao Poder Judiciário, a grosso modo, julgar. Logo, ao estender a Lei do Racismo para enquadrar atos discriminatórios contra LGBTQ+ em seu dispositivo, estaria o Supremo Tribunal Federal agindo fora de seus limites legais.

Analisando friamente a questão, é notório que agiu o Supremo Tribunal Federal de forma proativa e expansiva, atingindo esferas de atuação de poderes diversos do Judiciário, evidenciando o chamado ativismo judicial.

Mencionado ativismo judicial, embora de conceituação técnica imprecisa, pode ser compreendido como a saída do Poder Judiciário de seu limite constitucional de atuação, interferindo em decisões de outros poderes, como ocorreu na criminalização da homofobia por meio da equiparação legislativa.

Além de agir fora de seus limites, a decisão do Supremo Tribunal Federal também encontra resistência quando analisada sob os princípios constitucionais da legalidade e da reserva legal, já que um indivíduo só poderá ser punido pela prática de atos expressamente previstos em lei, sendo vedadas interpretações extensivas ou analogias in malam partem, que colocam o réu em situação desfavorável não prevista.

Diante disso, impera o seguinte questionamento: poderia o Poder Judiciário agir de forma proativa e expansiva para criminalizar uma conduta sem que o poder competente editasse lei específica para o caso?

Neste sentido, a presente pesquisa denota relevante importância para o tema, atentando-se aos riscos que emergem da atuação proativa do Poder Judiciário quando usurpa funções que originalmente não lhe pertence, ainda que em nome da proteção de direitos e garantias fundamentais.

Para defender a argumentação arguida, serão utilizados os posicionamentos de ilustres doutrinadores, como Masson (2014), Greco (2010) e Bitencourt (2007), além de Jurisprudência e artigos variados, a fim de se sustentar a impossibilidade de o Poder Judiciário criminalizar condutas sem a edição de leis específicas.

2. DESENVOLVIMENTO

Com a equiparação da homofobia ao crime de racismo, busca o presente trabalho analisar a conduta do Supremo Tribunal Federal à luz do ativismo judicial e dos princípios e garantias fundamentais previstos constitucionalmente. Para isso, emprega o método de pesquisa bibliográfica seletiva, com coleta de dados em doutrinas e jurisprudência.

Inicialmente, como fundamento da República e corolário de todo o ordenamento jurídico brasileiro, destaca-se o consagrado princípio da dignidade humana, premissa incontestável e valor moral e espiritual inerente à própria pessoa, ou seja, todo ser humano, independente de escolhas, características, sexo, raça e origem, é tutelado por esse princípio.

O princípio da dignidade da pessoa humana possui natureza de valor supremo. Não trata-se apenas de regramento jurídico, mas sim de base de toda a sociedade.

Adiante, atrelados ao princípio da dignidade humana estão os direitos e garantias fundamentais positivados na Constituição da República de 1988, os quais buscam conferir, dentre outras questões, a justiça social, a existência digna, a proteção à identidade, à personalidade e à imagem.

Além disso, a própria Constituição da República de 1988 também tem como objetivo a promoção do bem-estar de todos, sem preconceitos de origem, sexo, cor, raça, idade ou qualquer outro tipo de discriminação.

Vê-se, portanto, que a Constituição da República expressa o comando basilar, cabendo a proteção ampla de qualquer indivíduo ao Estado, que deve agir por meio de mecanismos legais para tutelá-los, resguardando o respeito aos seus direitos fundamentais e impedindo a incidência de atos atentatórios.

Um dos mecanismos estatais de proteção ao indivíduo refere-se à edição de leis propriamente ditas, na medida em que o ordenamento jurídico brasileiro baseia-se no sistema civil law, de origem romana, que tem o texto frio e positivado como fonte do direito.

Todavia, não se pode ignorar que os mecanismos do sistema common law vem influenciando fortemente o ordenamento jurídico brasileiro, principalmente quando o Poder Judiciário cria jurisprudência e posiciona-se de forma expansiva, assumindo a postura de ativista judicial ao interferir em esferas de outros poderes, afastando-se cada vez mais do texto frio da lei, algo que pode ofender, em determinados casos, princípios e garantias constitucionais.

Exemplo disso é a atuação do Poder Judiciário, por meio do Supremo Tribunal Federal, ao criminalizar a homofobia, por mera formalização de tese, enquadrando-a na Lei de Racismo sem que houvesse a edição de lei expressa sobre o tema.

É cediço que, no direito penal brasileiro, julgamentos desconexos do texto frio da lei fere, de forma dilacerante, diversos dispositivos constitucionais, como os princípios da legalidade e da reserva legal.

Isso porque, correlacionar condutas não previstas em lei com outras semelhantes, mas previstas, pode distorcer o sentido do texto, incorrendo em verdadeiras analogias e interpretações extensivas maléficas.

Para conceituar e contextualizar, entende-se como analogia a aplicação de determinado instituto em hipótese diversa não regulamentada por lei, ou seja, onde há lacuna legislativa, sendo possível somente em situações que beneficiem a parte envolvida.

Já em relação à interpretação extensiva, tem-se a situação em que o texto normativo, embora semelhante, não se enquadra perfeita e adequadamente ao caso concreto, cabendo ao julgador estender o seu sentido.

No âmbito do direito penal, como resultado de interpretações extensivas ou analógicas, que vão além do texto da lei, obtém-se a chamada condição in malam partem, amplamente vedada no ordenamento jurídico brasileiro.

Em relação à vedação de interpretações extensivas ou analogias in malam partem, tem-se o Ilustre Doutrinador Masson (2014, p.23):

Como desdobramento lógico da taxatividade, o Direito Penal não tolera a analogia in malam partem. Se os crimes e as penas devem estar expressamente previstos em lei, é vedada a utilização de regra análoga, em prejuízo do ser humano, nas situações de vácuo legislativo.

O fundamento político é a proteção do ser humano em face do arbítrio do poder de punir do Estado. Enquadra-se, destarte, entre os direitos fundamentais de 1.ª geração.

Assim, ainda que diante de omissões ou lacunas legislativas, a solução interpretativa que coloca o autor do fato em situação desfavorável não pode ser tolerada, de modo que a ampliação de sentido, abarcando condições não previstas em lei, ofende consagrados princípios constitucionais, especialmente o da legalidade e, consequentemente, o da reserva legal.

Cumpre esclarecer que a reserva legal é cláusula pétrea na Constituição da República de 1988, prevista em seu art. 5º, inciso XXXIX, onde expressa ser  imprescindível denotar certeza ao tipificar conduta criminosa por meio de uma lei, de modo que não deixe dúvida quanto ao seu conteúdo.

Por essa razão, as interpretações extensivas ou analogias in malam partem são vedadas no ordenamento jurídico pátrio, podendo-se citar a Jurisprudência da 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, no REsp 956.876 RS, de relatoria do Min. Napoleão Nunes Maia Filho:

Não cabe ao Julgador aplicar uma norma, por assemelhação, em substituição a outra validamente existente, simplesmente por entender que o legislador deveria ter regulado a situação de forma diversa da que adotou; não se pode, por analogia, criar sanção que o sistema legal não haja determinado, sob pena de violação do princípio da reserva legal.

Observa-se que a criação de sanção não prevista no ordenamento deve ocorrer por meio de edição expressa de texto legal, afinal, conforme dita o princípio da legalidade, não há crime ou pena sem lei anterior que os defina como tal.

Compactua deste entendimento o consagrado doutrinador Bitencourt (2007, p. 11):

Em termos bem esquemáticos, pode-se dizer que, pelo princípio da legalidade, a elaboração de normas incriminadoras é função exclusiva da lei, isto é, nenhum fato pode ser considerado crime e nenhuma pena criminal pode ser aplicada sem que antes da ocorrência desse fato exista uma lei definindo-o como crime e cominando-lhe a sanção correspondente. A lei deve definir com precisão e de forma cristalina a conduta proibida.

Corroborando, também tem-se o doutrinador Greco (2010, p. 42):

Quando se inicia o estudo da analogia em Direito Penal, devemos partir da seguinte premissa: é terminantemente proibido, em virtude do princípio da legalidade, o recurso à analogia quando esta for utilizada de modo a prejudicar o agente, seja ampliando o rol de circunstâncias agravantes, seja ampliando o conteúdo dos tipos penais incriminadores, a fim de abranger hipóteses não previstas expressamente pelo legislador (...)

Assim, é justamente pela necessidade de certeza e cristalinidade na definição da conduta dita como crime que podemos concluir a importância da vedação à analogia in malam partem e à interpretação extensiva, sob pena de prejudicar o direito de defesa do cidadão.

Referido direito de defesa também é previsão constitucional e encontra respaldo no chamado devido processo legal, garantia prevista no artigo 5º, inciso LIV, da Constituição da República de 1988, que define que os desdobramentos conflitantes discutidos judicialmente devem ocorrer por meio de procedimentos prévios e explícitos, buscando efetivar o direito ao contraditório, à ampla defesa e à dignidade dos indivíduos.

É por essa razão que, ao equiparar a homofobia ao crime de racismo, a fim de criminalizá-la, agiu o Supremo Tribunal Federal à margem de regramentos constitucionais, embora sua conduta seja dotada de boas intenções.

É cediço que os grupos LGBTQ+ carecem de proteção por serem diariamente violentados. Para tutelá-los, diversos projetos foram apresentados ao Congresso Nacional ao decorrer dos anos, sendo que muitos deles foram reprovados e outros sequer discutidos, evidenciando mora e desleixo com a causa, possivelmente por terem os parlamentares características conservadoras.

Importante ressaltar que o conservadorismo encontra-se diretamente ligado à religião que, no caso do Brasil, sofreu contundente interferência do cristianismo desde a chegada dos portugueses. A bíblia cristã traz o mandamento de que um homem não poderá se deitar com outro como se mulher fosse.

De toda forma e independente de questões bíblicas, considerando que o Estado brasileiro é laico, e ainda que conservadores os componentes do Poder Legislativo, não cabe a incidência de opiniões pessoais no exercício da função, devendo cada parlamentar agir em conformidade com a Constituição da República, que é expressa na proteção de todos os indivíduos que se encontram em solo brasileiro.

Portanto, existe o comando constitucional e irrefutável de que cabe ao Estado combater qualquer tipo de discriminação e, embora trata-se de função típica do Poder Legislativo a edição de leis, é inegável sua omissão em relação à proteção aos grupos LGBTQ+.

Cumpre destacar que os grupos LGBTQ+ estão inseridos no conceito de minoria vulnerável e, portanto, carecem de proteção específica para coibir e combater atos discriminatórios.

Por essa razão, cumprindo seu papel de Guardião da Constituição, o Supremo Tribunal Federal, julgando Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão e Mandado de Injunção, instrumentos criados para combater a morosidade do Poder Público que impossibilita ou prejudica o completo exercício dos direitos fundamentais, entendeu por bem equiparar a homofobia ao crime de racismo, até que a norma específica seja editada pelo Congresso Nacional.

Ressalta-se que, além dos direitos fundamentais trazidos pela Carta Magna de 1988, o Brasil ainda é signatário da Convenção Americana Sobre Direitos Humanos, conhecida como ‘‘Pacto San José da Costa Rica’’, que proíbe a exaltação da guerra, a apologia ao ódio nacional, religioso, racial ou que incite qualquer outro tipo de discriminação ou violência, ostentando igualmente força de norma constitucional.

Assim, ao criminalizar a homofobia, o Poder Judiciário buscou apenas combater e mitigar a violência bárbara suportada pela comunidade LGBTQ+, assegurando direitos e garantias fundamentais por meio da imposição penal.

Contudo, não se pode ignorar o fato de que a edição de leis não é função típica do Poder Judiciário, que acabou excedendo-se em sua atuação, interferindo em decisões que caberiam a outro poder e constituindo o chamado ativismo judicial.

A expansão da atuação do Poder Judiciário para buscar a efetivação da Constituição, embora extremamente louvável, encontra barreiras especificamente quando se trata de criminalizar condutas, na medida em que, conforme já mencionado, analogias e interpretações extensivas que colocam o acusado em situação desfavorável são vedadas no ordenamento jurídico brasileiro.

É exatamente isso que ocorreu com a equiparação da homofobia ao crime de racismo. A Lei do Racismo refere-se, exclusivamente, ao preconceito de raça, característica diversa ao gênero.

Logo, ao criminalizar condutas por meio de equiparação, podendo-se compreendê-la também como interpretações extensivas ou analógicas, o Poder Judiciário acabou estendendo a função de punição do Estado que, de fato, tem o poder-dever de agir, criando normas e sanções para combater condutas que violem direitos de terceiros, desde que de forma razoável e proporcional.

Para que o poder-dever do Estado não seja estendido e ampliado de forma tirana, tem-se a importância de punir somente o que está previsto em lei, impondo freios e protegendo os indivíduos de decisões arbitrárias.

Nesse sentido, Nucci (2014):

A construção de tipos penais incriminadores dúbios e repletos de termos valorativos pode dar ensejo ao abuso do Estado na invasão da intimidade e da esfera de liberdade dos indivíduos. Aliás, não fossem os tipos taxativos – limitativos, restritivos, precisos – e de nada adiantaria adotar o princípio da legalidade ou da reserva legal. Este é um princípio decorrente, nitidamente, da legalidade.

Corroborando, entendem Mirabete e Fabbrini (2007, p. 29):

Diante do princípio da legalidade do crime e da pena, pelo qual não se pode impor sanção penal a fato não previsto em lei (item 2.1.1), é inadmissível o emprego da analogia para criar ilícitos penais ou estabelecer sanções criminais. Nada impede, entretanto, a aplicação da analogia às normas não incriminadoras quando se vise, na lacuna evidente da lei, favorecer a situação do réu por um princípio de eqüidade. Há, no caso, a chamada ‘‘analogia in bonam partem’’, que não contraria o princípio da reserva legal, podendo ser utilizada diante do disposto já no citado art. 4º da LICC. Ressalta-se, porém, que só podem ser supridas as lacunas legais involuntárias; onde uma regra legal tenha caráter definitivo não há lugar para a analogia, ou seja, não há possibilidade de sua aplicação contra legem (...)

E mais. Greco (2010, p. 41) também posiciona-se no sentido de que crimes e sanções devem ser descritas expressamente em lei penal, na medida em que tudo que não for claramente proibido, deve ser compreendido como permitido.

Tudo aquilo que não for expressamente proibido é permitido em Direito Penal. As condutas que o legislador deseja proibir ou impor, sob a ameaça de sanção, devem vir descritas de forma clara e precisa, de modo que o agente as conheça e as entenda sem maiores dificuldades. O campo de abrangência do Direito Penal, dado o seu caráter fragmentário, é muito limitado. Se não há previsão expressa da conduta que se quer atribuir ao agente, é sinal de que esta não mereceu a atenção do legislador, embora seja parecida com outra já prevista pela legislação penal.

Não é demais destacar que analogias ou interpretações extensivas que beneficiem o acusado também são perigosas para o ordenamento jurídico, sob pena de gerar instabilidade, uma vez que os princípios da legalidade e da reserva legal são regras expressas e não se pode tolerar exceções, conforme afirma Nucci (2014, p. 77):

Por derradeiro, cumpre destacar que até mesmo o emprego da analogia para favorecer o réu deve ser reservado para hipóteses excepcionais, uma vez que o princípio da legalidade é a regra, e não a exceção. Daí por que não pode o magistrado disseminar o uso da analogia para absolver o réu, pois isso colocaria em risco a segurança idealizada pelo direito penal (…)

Sendo assim, embora seja evidente a mora do Poder Legislativo, que se omite na proteção da comunidade LGBTQ+, mesmo que esta sofra constantemente com violação de direitos, criminalizar a homofobia por meio de analogias ou por extensões interpretativas ao crime de racismo acaba ampliando o poder de punição estatal e impossibilitando o exercício do direito de defesa, colocando o indivíduo em situação mais gravosa àquela prevista em lei, algo totalmente incompatível à luz dos princípios e garantias previstos em nosso ordenamento jurídico.

3. CONCLUSÃO

Há muitos anos, a proteção aos grupos LGBTQ+ vem sendo negligenciada pelo poder público, ainda que diante de brutais atos de violência que os vitimam diariamente.

É certo que centenas de projetos foram apresentados ao Congresso Nacional para efetivar os direitos do LGBTQ+, contudo, muitos deles foram reprovados e outros sequer apreciados, evidenciando mora e desleixo com a causa, possivelmente por terem os parlamentares tendências ao conservadorismo bíblico.

Todavia, independente de crenças pessoais, cada parlamentar deve agir em conformidade com a Constituição da República, que é expressa na proteção de todos os indivíduos, independente de qualquer característica.

O comando constitucional é inquestionável. Ele dita que cabe ao Estado combater discriminações e violações de direitos, garantindo dignidade e justiça social para todos os cidadãos.

Em termos práticos, observa-se que o Poder Legislativo ignora os ditames constitucionais e permanece inerte diante de sua obrigação de agir para criar leis de proteção aos grupos LGBTQ+, razão pela qual viu-se o Poder Judiciário obrigado a agir fora de seus limites legais, afinal, não bastaria apenas reconhecer a mora.

A conduta expansiva do Supremo Tribunal Federal pode ser justificada à luz de que, apenas reconhecer a mora não obriga o Poder Legislativo a editar leis, encontrando-se aqui uma grande mácula do ordenamento jurídico brasileiro.

Como não pôde o Poder Judiciário, por meio do STF, obrigar o Congresso Nacional a agir, fez ele próprio a criminalização da homofobia por meio da equiparação ao crime de racismo, na esperança de que brevemente fosse sanada a mora.

Contudo, embora dotado de boas intenções, agiu o STF fora de seus limites de atuação, ofendendo princípios garantidos constitucionalmente, como o da legalidade e o da reserva legal, que ditam que não há crime sem lei anterior que o defina como tal e que somente poderá haver punição por fatos previstos expressamente em leis, sem qualquer margem para interpretações fora do texto frio.

Assim, a criminalização da homofobia, embora inquestionavelmente necessária e urgente, deveria ocorrer por meio de ato específico do Poder Legislativo e não por simples equiparação e formalização de tese do Poder Judiciário, que somente agiu por não possuir outros meios para efetivá-la, evidenciando uma grande lacuna instrumental do direito brasileiro. Conclui-se isto uma vez que prever sanções para submeter aquele poder que não exerce satisfatoriamente suas funções em tempo hábil seria muito mais eficaz do que simplesmente reconhecer a mora.

Diante disso, a controvérsia existente no tema em questão justifica a importância do trabalho, sendo confirmada a hipótese inicial de impossibilidade de o STF agir proativa e expansivamente para criminalizar uma conduta sem que o poder competente editasse lei específica para tal, posicionando-se em verdadeiro ativismo judicial e violando direitos e garantias fundamentais, ainda que de certa forma em nome da proteção aos mesmos.

REFERÊNCIAS

AMORIM, Lucas. A criminalização da homotransfobia e a vedação a analogia in malam partem. 2020. Disponível em:  <https://lucasamorimlucas.jusbrasil.com.br/artigos/796786596/a-criminalizacao-da-homotransfobia-e-a-vedacao-a-analogia-in-malam-partem?ref=feed> Acesso em: 11 mai. 2020.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. 11. ed. São Paulo: Saraiva. 2007.

BRASIL. Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7716.htm> Acesso em: 12 mai. 2020.

BRASIL. Decreto nº 678, de 6 de novembro de 1992, Promulga a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, de 22 de novembro de 1969. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d0678.htm>. Acesso em: 12 mai. 2020.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. 12ª ed. Rio de Janeiro: Impetus. 2010.

HASSELMANN, Gustavo. Criminalização da homofobia e transfobia - Um louvável caso de ativismo judicial do STF. 2020. Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/depeso/312468/criminalizacao-da-homofobia-e-transfobia-um-louvavel-caso-de-ativismo-judicial-do-stf> Acesso em: 11 de mai. 2020.

MASSON, Cleber. Direito Penal Esquematizado. Parte Geral. 8. ed. São Paulo: Método. 2014.

MIRABETE, Julio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Manual de Direito Penal. Parte Geral. 24. ed. São Paulo: Atlas. 2007.

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. 10ª ed. Rio de Janeiro: Forense. 2014.

REsp 956.876RS, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho. 5. Turma. J. 23 agosto 2007.

STF, MI n. 4733-DF, Rel. Min. Edson Fachin, j. 13.06.2019, DJE n. 142, divulgado em 28.06.2019.

STF, ADO n. 26-DF, Rel. Min. Celso de Mello, j. 13.06.2019, DJE n. 142, divulgado em 28.06.2019.

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