Nova lei de prisões: um tiro pela culatra

Nova lei de prisões: um tiro pela culatra

Análise da lei 12.403/11, cujo dispor altera dispositivos atinentes as prisões cautelares.

"Ninguém vê onde chegamos,
os assassinos estão livres,
nós não estamos" (Renato Russo)

Nesta segunda-feira (04/07), entrou em vigor a lei 12.403/11, cujo dispor altera o regime das prisões cautelares. A nova disposição que modifica o Código de Processo Penal - CPP é sustentada sob a tese de inibir o encarceramento imotivado, obstando, assim, equívocos no desenrolar do processo.

Dentre as principais mudanças, destaca-se: (i) separação física entre presos temporários e sentenciados; (ii) a depender da situação econômica do preso, a fiança poderá ser aumentada em até 1.000 vezes; (iii) criação do Cadastro Nacional de Mandados de Prisão, sob responsabilidade do CNJ, possibilitando maior integração dos bancos de dados sobre presos em outros Estados; (iv) a prisão preventiva restará condicionada a crimes dolosos cuja pena seja superior a 4 anos;(v) introdução de medidas cautelares substitutivas da prisão, tais como recolhimento domiciliar, suspensão da atividade econômica, profissão ou função pública, proibição de frequentar lugares, comparecimento periódico em juízo, proibição de se aproximar ou manter contato com certas pessoas, etc.

Evidente que a nova lei de prisões, como tudo no âmbito jurídico, revela lados positivos e negativos. Seria inconcludente fechar os olhos aos avanços promovidos por esta, contudo, seria, do mesmo modo, ingenuidade acreditar que certas premissas adequam-se à realidade de um país que vive diariamente os efeitos de uma velada, porém inequívoca, guerra civil.

Conforme o proêmio, resta claro o objetivo do legislador em flexibilizar o cárcere em caráter preventivo no Brasil, condicionando sua aplicação aos requisitos expressos na lei, sob a pretensa justificativa de afastar prisões desnecessárias. No entanto, data maxima venia, o legislador relega a segundo plano a finalidade da prisão preventiva na fase do inquérito policial.

Seja o delito doloso apenado com mais de 4 anos ou não, fato é que a prisão preventiva é, sem dúvida, ferramenta indispensável à resolução das investigações, eis que obsta adulterações processuais, restringe eventuais contatos do investigado com demais criminosos, minimiza possíveis ameaças às testemunhas, dentre outros fins.

Neste ínterim, cabe consignar, por exemplo, delitos como porte ilegal de armas de fogo e homicídio culposo no trânsito, ambos inferiores a 4 anos, logo, sujeitos a prisão preventiva apenas se reincidentes ou descumprirem as chamadas medidas substitutivas. Forçoso reconhecer que estas espécies criminosos nem de longe podem ser consideradas de menor risco social.

Ora, um indivíduo portando arma de fogo em vias públicas, escolas, hospitais, ou até mesmo em casa, não pode ser presumido apto a adoção de medidas substitutivas à prisão preventiva. Basta lembrar e considerar o fatídico episódio ocorrido na escola pública de Realengo, Rio de Janeiro, afinal, o sujeito poderia ser detido, com as armas, horas antes pela valorosa Polícia Militar, posteriormente obter qualquer das medidas previstas no artigo 319, CPP, e, no dia seguinte, adquiri-las novamente no mercado clandestino, cometendo a cediça barbárie, perfeitamente evitável se preso estivesse.

Na mesma esteira, aquele que comete homicídio culposo no trânsito não pode deixar de ser considerado ameaça ante a simples suspensão de sua CNH. Diariamente a realidade do trânsito brasileiro aponta a presença de inúmeros motoristas trafegando em vias públicas sem o documento de habilitação. Seja pela escassez do efetivo policial na fiscalização, seja pela impossibilidade de averiguação de todos os motoristas, fato é que a simples suspensão do documento de habilitação não impede irresponsáveis de dirigir veículos novamente até sejam detidos ou venham a ceifar novas vidas.

Em razão disso, surge a critica, uma vez que a nova disposição do CPP desvirtua, em parte, o objeto da prisão preventiva, dando margem as mais diversas ações do acusado em detrimento da investigação policial, aumento dos riscos à incolumidade física e moral das vítimas e testemunhas, bem como permite a prática de novos delitos de mesma natureza ou não.

Desta feita, apesar dos citados progressos, a nova lei das cautelares, aparentemente, visa diminuir a todo custo a população carcerária brasileira, consequentemente, "desafogando" o Poder Judiciário, isto, sem considerar a atividade policial (que certamente terá verdadeiro retrabalho) e a própria sociedade, notadamente a mercê de novas ações criminosas.

Novamente o legislativo dá sinais de afrouxamento penal que, por sua vez, nada contribui para o verdadeiro Estado Democrático de Direito, em que o cidadão cumpre suas obrigações perante o Estado e tem, em contrapartida, o direito de ir e vir, desfrutar lazer, trabalhar e estudar em segurança.

Apenas para refletir, Gunter Jakobs estaria errado?

Sobre o(a) autor(a)
Richard Paes Lyra Junior
Advogado em São Paulo. Atuante na área tributária e bancária. Especialista em Direito Tributário pela Escola Paulista de Direito - EPD. Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Santos. Autor de diversos artigos jurídicos...
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