Lei 12.403/11 - Novas medidas cautelares no Processo Penal Brasileiro - Reflexões iniciais

Lei 12.403/11 - Novas medidas cautelares no Processo Penal Brasileiro - Reflexões iniciais

A Lei 12.403/11 amplia as possibilidades de intervenção estatal no "status libertatis", estabelecendo duas hipóteses de prisão preventiva: a autônoma, com requisitos gerais muito similares aos anteriores à reforma, e a subsidiária, destinada a garantir o cumprimento das demais medidas cautelares.

A Lei 12.403/11, que entra em vigor em 05/07/2011, introduz no Processo Penal brasileiro uma gama de medidas cautelares específicas, algumas inovadoras, outra importadas de lei diversa como a Lei Maria da Penha ou de outros momentos processuais, antecipadas agora ao limiar da persecutio criminis.

Propaga-se a ideia de que as inovações destinam-se a reduzir a decretação de prisões preventivas, substituindo esta medida extrema por outras cautelares que lhe possam fazer as vezes em casos onde a restrição antecipada da liberdade não se mostre adequada, nem necessária.

Com efeito, em face da escalada da violência e da intensa judicialização dos conflitos, a soma de urgência nos provimentos processuais criminais aliada à demora na conclusão dos procedimentos policiais e judiciais foi fazendo da excepcional prisão preventiva uma medida crescentemente utilizada, de molde a incrementar significativamente a massa carcerária do país, posto que assolado por uma das mais nefandas estatísticas criminais do mundo.

Poucas leis têm sido tão duramente criticadas como a Lei 12.403/11. Sua recepção no mundo jurídico é lamentada, sobretudo por policiais e integrantes do Ministério Público. Sustenta-se que a Lei em comento dificultará sobremaneira a decretação da prisão preventiva, pois impõe como alternativa a ser forçosamente examinada pelo juiz, a decretação de outras medidas cautelares menos severas do que o encarceramento preventivo, medidas apontadas como de frágil eficácia ou difícil fiscalização. Outrossim, objurga-se a reforma operada no CPP sob o argumento de que favorecerá criminosos do colarinho branco, cujos crimes, não sendo normalmente praticados com violência ou grave ameaça e por se tratar, em geral, de indivíduos primários cujos delitos têm penas inferiores a quatro anos, dificilmente seriam presos.

Na realidade, a reforma em questão, se for interpretada com razoabilidade, não será assim tão perniciosa à segurança pública, nem altera por demais o status quo hoje vigorante. Ao contrário, com estabelecer nove medidas cautelares alternativas à prisão preventiva e com menos requisitos autorizativos do que a medida extrema, a Lei 12.403/11 pode estar cedendo a um apelo de efetividade da justiça penal que encontra correspondência nos fenômenos de incremento da complexidade social, consequência da modernidade. Esta crescente complexificação das relações sociais demanda ao sistema jurídico, soluções também mais e mais complexas. O sistema legal, assim entendido como o conjunto de preceitos axiológicos e de instituições estruturais que desempenham os papéis de controle social formal e institucionalizado necessita ganhar espaços do mundo, como condição de sobrevivência, por isso aumenta sua complexidade interna para reduzir a complexidade do entorno.

Os principais operadores do sistema de justiça penal são os juízes. No entanto, seu papel neste sistema vem sendo cingido na medida em que se advoga a aplicação do princípio acusatório puro. Neste caso, o papel da polícia e do Ministério Público é que se incrementa, pois seriam os responsáveis pela produção da prova condenatória. Mesmo com o enfraquecimento institucional do Poder Judiciário, em geral, todas as reformas forjadas no seio da academia e encampadas no parlamento são recebidas com entusiasmo por muitos integrantes da magistratura pátria. Possivelmente este seja o único sistema institucional, cujos operadores se comprazem com a perda de atribuições.

Voltando, porém, ao trilho de nossa reflexão, tem-se que a reforma que entroniza variadas medidas cautelares alternativas à prisão, serve para justificar um avanço do processo penal na trilha do processo civil. Com efeito, assiste-se a uma crescente evolução da processualística civilista, nos últimos tempos, especialmente no tangente às denominadas “tutelas específicas”1.

Descobriu-se no processualismo civil que a efetividade instrumental do processo dependia de uma ampliação do leque de tutelas, buscando atender cada vez mais especificamente às demandas crescentemente diferenciadas da nova realidade social desvelada na modernidade. Os paradigmas restritos do passado, circunscritos à solução em perdas e danos, já não eram suficientes.

Este avanço na concessão de tutelas específicas parece encontrar correspondência agora no Processo Penal e isto ainda mais se justifica quando se entrevê com muita clareza uma tendência de atenção à figura da vítima, ampliando seu protagonismo e os meios de sua proteção no moderno Direito Penal processual e material.

Deste modo, as medidas cautelares abrigadas no artigo 319 do CPP significam uma ampliação e não uma restrição da intervenção estatal no status libertatis individual. Ademais, as medidas cautelares sujeitam-se a requisitos bem menos rigorosos do que a clássica prisão preventiva (que continua existindo no sistema), sendo suficiente à sua decretação se cuide de crime apenado com prisão e se faça um juízo de necessidade e adequação das medidas fixadas à natureza e gravidade do crime (CPP/Art. 282, I e II).

Pode-se vaticinar que muitas dessas medidas se prestarão a proteger o bem jurídico em risco, sem necessidade de impor uma restrição tão severa de um direito fundamental como a liberdade. Ademais, no estado em que se encontram a maioria das prisões no Brasil, a decretação de uma prisão anteriormente à sentença condenatória é uma responsabilidade que não se pode negligenciar. Assim, será bem mais fácil ao juiz decretar medidas de afastamento, distanciamento, proibição de frequência a determinados lugares, comparecimento ao fórum judicial, monitoração eletrônica, etc. quando da suposta prática de crimes de pequeno ou médio potencial ofensivo. Um exemplo será a possibilidade de medidas cautelares semelhantes àquelas previstas na Lei Maria da Penha, agora vir determinadas em favor de homens, com base no CPP.

E, ademais, é fácil constatar que o novo texto legal descortina dois tipos de prisão preventiva: aquela já tradicional, que vem sendo denominada de autônoma e uma nova modalidade, destinada a garantir o cumprimento das medidas cautelares, que poderia ser denominada de subsidiária ou substitutiva.

A prisão preventiva subsidiária deflui do § 4º do art. 282, do CPP:

§ 4o  No caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas, o juiz, de ofício ou mediante requerimento do Ministério Público, de seu assistente ou do querelante, poderá substituir a medida, impor outra em cumulação, ou, em último caso, decretar a prisão preventiva (art. 312, parágrafo único). 

Referido dispositivo remete ao art. 312, parágrafo único, do CPP:

“Art. 312.  A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria. 

Parágrafo único.  A prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares (art. 282, § 4o).”

Como se sabe, é da técnica legislativa, que a função dos parágrafos seja excepcionar o caput. Deste modo, a interpretação do art. 312 e seu parágrafo único do CP permite concluir que há dois grupos distintos e não cumulativos de requisitos para a decretação da prisão preventiva. Primeiramente, o caput do art. 312 do CP estabelece os requisitos tradicionais da prisão preventiva já denominada autônoma2, enquanto o parágrafo único entroniza um requisito alternativo que se apresenta como nova modalidade, qual seja, a prisão preventiva, como medida cautelar de eficácia coativa ao cumprimento fiel das medidas cautelares, ou prisão preventiva subsidiária.

Ora, as medidas cautelares podem ser equiparadas às tutelas específicas do processo civil. Elas alinham-se ao minimalismo penal porque evitam prisões preventivas em diversos casos, porém, é verdade que elas também encontram amparo em uma vocação intervencionista do Estado na vida privada, que também poderia ser designado como de garantia social, de proteção da vítima, de atenção ao postulado da proibição deficiente dos bens jurídicos.

Estas medidas cautelares elencadas no art. 319 do CPP, conforme se extrai do art. 321, não se submetem aos mesmos requisitos da prisão preventiva tradicional:

“Art. 321.  Ausentes os requisitos que autorizam a decretação da prisão preventiva, o juiz deverá conceder liberdade provisória, impondo, se for o caso, as medidas cautelares previstas no art. 319 deste Código e observados os critérios constantes do art. 282 deste Código.3

Um cotejo entre o art. 321, de um lado, e os arts. 282, § 4º e o art. 312 e seu parágrafo único, de outro, permite uma conclusão lógica inquestionável:

1º) Se as medidas cautelares dispensam os requisitos dos arts. 312, caput e 313 do CPP, admitindo-se de modo mais flexível, sujeitando-se apenas ao requisito do art. 283, § 1º (crime punido com pena privativa da liberdade);

2º) Se por força do § 4º do art. 282 e do parágrafo único do art. 312 do CP, a prisão preventiva pode ser decretada, também e em último caso para garantir o cumprimento de medida cautelar.

Então a prisão preventiva decretada com base nestes últimos dispositivos legais, como substitutivo das medidas cautelares, também dispensa os requisitos dos arts. 312, caput, e 313 do CPP, especialmente os deste último.

Raciocínio diverso conduz a um paradoxo incontornável, pois deixaria desprovida de força cogente e efetividade as medidas cautelares, estabelecidas alternativamente à prisão preventiva, sem seus requisitos tradicionais e de modo mais flexível.

Suponha-se a situação de alguém que pratica assédio sexual (art. 216A do CP) contra outra pessoa, em favor de quem é deferida a medida cautelar do art. 319, III, do CP. Como a pena máxima do assédio sexual é 02 anos, não está preenchido o requisito do art. 313, I, do CPP e talvez nem os demais requisitos que são alternativos. Nesse caso, o sujeito ativo poderia desobedecer à vontade a medida cautelar imposta, sem que se pudesse proteger o bem jurídico contra agressão mais severa, mediante a prisão preventiva.

Obviamente não é este o escopo da lei reformadora. Na medida em que cria alternativas à prisão, também ela parece multiplicar as hipóteses de tutelas, especificando-as em medidas menos gravosas, mas às quais empresta efetividade ao garanti-las, em último caso, também com a prisão preventiva, ainda que, neste caso e apenas neste, dispensados os estreitos requisitos do art. 312, caput, e 313 do CPP.

A bem da verdade, na maioria dos casos, em que houver o descumprimento injustificado das medidas cautelares, estará presente algum dos requisitos de conteúdo aberto do art. 312, caput, pois se estará atentando contra a ordem pública ou contra regularidade da instrução criminal.

Não é sem nenhuma razão que o art. 313 do CPP, no seu caput, antes de relacionar seus requisitos, refere-se apenas ao art. 312, não aludindo ao seu parágrafo único, porque, na hipótese de decretação da prisão preventiva com suporte no parágrafo único deste artigo dispensáveis são os requisitos alternativos daquele dispositivo legal.

Por outro lado, continua em vigor a prisão preventiva tradicional, com alterações em seus requisitos alternativos do art. 313 do CPP, onde se passou a exigir que o delito tivesse pena superior a quatro anos ou fosse o acusado reincidente ou o crime fosse praticado em situação de violência doméstica contra a mulher, contra idoso, criança ou adolescente, enfermo ou deficiente. Os primeiros requisitos estão em consonância com aqueles para substituição da pena privativa da liberdade por penas restritivas de direito, previstos no art. 44 do CP. Deste modo, guarda-se homogeneidade entre as medidas cautelares e o resultado final de eventual condenação, ou seja, nos casos em que a pena privativa da liberdade seria convertida em restritiva de direitos, não há sentido em, cautelarmente, extirpar a liberdade de locomoção com o encarceramento.

Vale salientar o enorme alargamento das hipóteses de prisão preventiva, nesse caso garantidoras de medidas protetivas anteriormente decretadas, quando se trate de crimes praticados contra grupos vulneráveis. Na esteira da violência doméstica contra a mulher, agora outros indivíduos hipossuficientes recebem especial proteção do Direito Penal.

É certo que tem preocupado autoridades em geral o problema de crimes patrimoniais com tendência à reiteração, como o furto e a receptação simples, pois tais delitos são punidos com no máximo quatro anos de reclusão. Ocorre que, sobretudo indivíduos viciados em drogas, tendem a praticar tais delitos com intensa reiteração, sem que sejam reincidentes no sentido legal (art. 63 do CP). Em tais casos, estaria o juiz de mãos amarradas, não lhe sendo lícito decretar a custódia cautelar, mesmo ante um intensa reiteração de furtos. É fora de dúvida que, em determinados casos, isto poderia levar a uma perigosa sensação de impunidade, perturbadora da ordem pública.

Como regra, entretanto, os juízes não decretavam mesmo a prisão preventiva ao ensejo dos primeiros furtos. Dependendo do grau de tolerância pessoal, isto poderia advir somente ao cabo de uma dezena ou mais de flagrantes. Agora, já não se justifica a tolerância sob o argumento de que a prisão é medida muito drástica, porque há um rol de nove medidas a ser aplicadas em seu lugar, de modo que, onde não havia nenhuma intervenção estatal, agora pode haver diversas desde que necessárias e adequadas.

E, em casos tais, medidas cautelares podem preceder a decretação da prisão preventiva a fim de justificá-la em caso de reiteração. Embora inexista qualquer medida que estabeleça diretamente a proibição da reiteração delitiva, parece fora de dúvida que ela está implícita em várias medidas a começar pela do art. 319, I, do CPP. Ora, se um indivíduo flagrado, v. g., na prática de furto ou receptação simples, for posto em liberdade provisória sob a condição de comparecer ao Foro para “informar e justificar suas atividades”, não lhe seria lícito, sendo preso uma semana depois na mesma ou similar prática delitiva, pudesse ele “justificar suas atividades” satisfatoriamente. Afinal, a lei não contém palavras inúteis e com “justificar suas atividades” está-se a significar deva ele relatar atividades lícitas, do que se exclui a reiteração delitiva. Destarte, diante do envolvimento reiterado em novos delitos, as atividades já não seriam justificadas e justo seria dar por insuficiente a medida paliativa, decretando-se-lhe o encarceramento cautelar.

Ademais, para tais delitos parece que o recolhimento domiciliar previsto no art. 319, V, seria outra injunção prévia à custódia que poderia servir-lhe de precedente. Vale salientar que a harmonização hermenêutica dos arts. 317, 318 e 319, V, do CPP com sua nova redação, permitem concluir que a prisão domiciliar pode constituir-se ora em uma medida cautelar autônoma, ora em uma forma de cumprimento da prisão preventiva.

Com efeito, o art. 319, V, do CPP estatui a possibilidade de determinar-se o “recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos”. Mas e quando o investigado não tiver residência ou trabalho fixos? Nesse caso, é óbvio que o recolhimento domiciliar pode ser estabelecido para vigorar nas 24h do dia, e esta conclusão não advém apenas da redação a contrario sensu do aludido inciso V, como do art. 3174. Os requisitos do art. 318 do CPP referem-se, exclusivamente, à substituição da prisão preventiva por prisão domiciliar, mas não se aplicam a todas as hipóteses de prisão domiciliar. A outra hipótese, em que a prisão domiciliar equivale a uma medida cautelar, é amenamente denominada “recolhimento domiciliar”, pode, porém, equivaler à prisão, no sentido de, em se tratando de preso sem trabalho fixo, seja ele obrigado ao recolhimento permanente em casa. Nesse caso, quebrada a regra imposta, quando da reiteração delitiva, possível converter-se a medida cautelar em prisão preventiva.

Outrossim, quando se tratar de crime praticado com violência ou grave ameaça à pessoa, se o indivíduo for submetido a exame de insanidade mental, em verificando-se sua inimputabilidade ou semi-imputabilidade em razão, por exemplo do uso de drogas ou álcool, poderia ser-lhe aplicada a medida cautelar do art. 319, VII, que determina a internação compulsória do acusado. Interessante observar que, ao contrário das demais hipóteses, o legislador restringiu a aplicação desta medida aos acusados, exigindo, pois, penda já contra o internado, acusação formalizada em juízo.

Uma pergunta que vem sendo reiteradamente apresentado é se o juiz, na análise do APF, poderá, de ofício, converter a prisão em flagrante em medidas cautelares?

Com efeito, o inciso II do art. 310 não deixa dúvidas ser lícito ao Juiz decretar, de ofício, medidas alternativas à prisão preventiva quando da homologação do flagrante, verificando não ser o caso de decretação da prisão preventiva.

Mas então como harmonizar a regra do art. 310, II, com a do art. 282, § 2º, do CPP reformado?

O art. 282, § 2º, alinha-se à tendência de proteção de imparcialidade do juiz, evitando sua intervenção, na fase investigatória em geral, decretando medidas cautelares sem provocação. O que não tem sido bem entendido ou tem sido até intencionalmente ocultado é que o legislador dá um tratamento diferente às hipóteses em que as medidas cautelares e a prisão preventiva são decorrentes de conversão do flagrante e quando não o são.

Talvez a doutrina e a jurisprudência acabem por recomendar sempre a iniciativa externa e não de ofício do pedido de prisão preventiva ou de medidas cautelares, como modo de preservar a imparcialidade jurisdicional. Por ora, sendo permitido ao juiz, de ofício, decretar a prisão preventiva como conversão da prisão em flagrante, não se lhe pode negar a possibilidade de decretar em substituição medidas cautelares, pois isto atende ao aforismo segundo o qual, quem pode o mais pode o menos.

Deste modo, pode-se resumir o seguinte: a) quando se tratar de prisão em flagrante, pode o juiz converter o flagrante em prisão preventiva ou em outras medidas cautelares, quando necessárias e adequadas, mesmo de ofício, com base no art. 310, II, do CPP; b) quando não se tratar de prisão em flagrante não pode o juiz decretar a prisão preventiva nem outra medida cautelar de ofício na fase investigatória, nesse caso, a legitimidade para tais postulações são da Polícia ou do Ministério Público, isto conforme deflui da regra geral do art. 282, § 2º, do CPP.

Vale atentar que a própria localização dos dispositivos em comento permitem concluir que o art. 282, § 2º, são a regra geral, excepcionada pelo art. 310, II, do CPP, que amplia a possibilidade judicial de decretação ex officio da preventiva e demais cautelares, quando houver ocorrido prisão em flagrante.

Contudo, se o flagrante não for homologado por falta de requisitos formais, então não será lícito ao juiz decretar qualquer medida sem provocação da polícia ou do parquet. Isto é realmente inquestionável e pode ser particularmente grave em casos determinados, pois a praxe jurisprudencial autorizava o juiz a, mesmo não homologando o auto de prisão em flagrante, decretar a prisão preventiva quando se tratar de crime que recomende a medida. Esta prática está agora sem abrigo legal, impondo o aperfeiçoamento da prisão em flagrante por parte das polícias, tanto da avaliação do flagrante material, quanto da observação de seus requisitos formais.

Em casos duvidosos quanto ao preenchimentos dos requisitos materiais e formais do flagrante, será melhor que a autoridade policial já represente pela decretação da prisão preventiva dos flagrados, a fim de legitimar a decretação da prisão preventiva pelo juiz.

Outro aspecto relevante que dará ensejo a intensa discussão será o da fiança. Com efeito, a nova legislação reforça a figura da fiança, historicamente esquecida no sistema legal brasileiro. O judiciário vem se mostrando desconfortável com a possibilidade de utilizar a fiança, possivelmente em face do ranço que a ela se impõe, no sentido de que seria uma maneira de comprar a liberdade. Talvez por esta razão a Constituição Federal estabeleça a inafiançabilidade dos crimes hediondos e equiparados (art. 5º, XLIII). Por força desta cláusula pétrea advém a redação do art. 323 do CPP. Assim, tem-se que nos crimes hediondos e equiparados, embora interditada a fiança, seriam possíveis quaisquer medidas cautelares previstas no art. 319 do CPP.

Para alguns estudiosos, considerando-se que a regra do art. 323 do CPP veda a fiança nos crimes hediondos e equiparados, seria inconstitucional autorizar outras medidas cautelares em tais casos, cuja vedação estaria implícita na imposição constitucional de inafiançabilidade.

Estamos em concordar que é estranho admitir-se que na maioria dos crimes, o indivíduo possa ser forçado ao pagamento da fiança para obter a liberdade condicional, enquanto nos crimes hediondos, seja beneficiado com a dispensa desta exigência, alcançando de pronto a mesma liberdade. Melhor seria, em tal caso, atendo à isonomia, se deferisse a fiança em todas as hipóteses, desde que adequada ao caso concreto, todavia, é forçoso convir que, neste caso, se estaria a afrontar texto expresso da Constituição. Em qualquer caso, não há como desafiar a literalidade da Carta Magna, pois isto abriria um perigoso precedente no futuro.

É bom salientar em favor da fiança sua relevância para reparação do dano, inclusive moral, sofrido pela vítima (art. 326 do CPP).

Há que se considerar que, em um mundo acentuadamente capitalista, em que o enriquecimento é por vezes uma busca obstinada e o desvio criminal está informado precisamente pelo desejo de lucro sem o correspondente esforço lícito, a sanção pecuniária, seja definitiva, seja cautelar, é um meio de reprimir o delito, às vezes, deveras eficaz, notadamente, naqueles crimes cuja finalidade era o enriquecimento indevido.

É fora de dúvida que muitas das medidas estabelecidas neste minirreforma serão de difícil implementação, por falta de fiscalização pública, etc. Porém, parece certo que, considerando-se o elevado custo público para se manter um preso preventivo, seria bem mais econômico investir em estruturas de fiscalização, por exemplo, na monitoração eletrônica.

Outro ponto, extremamente positivo da nova lei é a determinação da criação de um banco de dados nacional de mandados de prisão, impedindo assim os desastrosos casos de indivíduos perigosíssimos que, depois de detidos, foram postos em liberdade, para cometer novos crimes, por falta de adequada informação acerca de ordens de captura.


1 No ponto, imperioso atentar para os seguintes dispositivos do CPC:

Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.

§ 1o A obrigação somente se converterá em perdas e danos se o autor o requerer ou se impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático correspondente.

2 SANNINI NETO, Francisco. A prisão em flagrante e a Constituição. Disponível em: www.jusnavegandi.com.br .

3 Os critérios do art. 282 do CPP resumem-se às exigências de necessidade e adequação das medidas cautelares.

4 Art. 317.  A prisão domiciliar consiste no recolhimento do indiciado ou acusado em sua residência, só podendo dela ausentar-se com autorização judicial.

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Pedro Rui da Fontoura Porto
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