TST reconhece vínculo de emprego entre motorista e Uber

TST reconhece vínculo de emprego entre motorista e Uber

A Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho reconheceu o vínculo de emprego entre um motorista de aplicativo e a Uber do Brasil Tecnologia Ltda. Para a maioria do colegiado, estão presentes, no caso, os elementos que caracterizam a relação de emprego: a prestação de trabalho por pessoa humana, com pessoalidade, onerosidade, não eventualidade e subordinação.

Monitoramento

Na reclamação trabalhista, o motorista, de Queimados, município da Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RJ), disse que trabalhara para a plataforma digital durante dois meses, após comprar um veículo enquadrado nos padrões da Uber. Segundo seu relato, ele atuava de segunda a sábado, totalizando 13 horas diárias e 78 semanais, sempre monitorado de forma on-line pelo aplicativo. No terceiro mês, foi desligado imotivadamente. 

Riscos do negócio

A Uber, em sua defesa, sustentou que não houve nenhum acordo para pagamento de comissões sobre o valor das viagens. Para a empresa, na realidade, quem a contratou foi o motorista, que, em contraprestação ao uso da plataforma digital, concordara em pagar o valor correspondente a 20% ou 25% de cada viagem. Por fim, alegou que o motorista assumira todos os riscos do negócio. 

Empresa de tecnologia

O Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (RJ) negou o vínculo de emprego, por entender que a Uber é uma empresa de tecnologia, e não de transporte. De acordo com a decisão, o motorista tinha plena liberdade de definir os dias e os horários de trabalho e descanso e a quantidade de corridas, não recebia ordens e fazia, por contra própria, a manutenção de seu veículo. 

Novas fórmulas

O relator do recurso de revista do motorista, ministro Mauricio Godinho Delgado, observou que a solução do caso exige o exame e a reflexão sobre as novas e complexas fórmulas de contratação da prestação laborativa, distintas do sistema tradicional, e que se desenvolvem por meio de plataformas e aplicativos digitais, softwares e produtos semelhantes, “todos cuidadosamente instituídos, preservados e geridos por sofisticadas (e, às vezes, gigantescas) empresas multinacionais e, até mesmo, nacionais”.

Função civilizatória

Embora essa nova estrutura facilite a prestação de serviços, o ministro pondera que a lógica de seu funcionamento tem sido apreendida por grandes corporações como oportunidade para reduzir suas estruturas e o custo do trabalho. A seu ver, a discussão deve ter como ponto de partida a função civilizatória do direito do trabalho.

Omissão legislativa

Godinho Delgado lembrou que não há legislação que regule a questão de motoristas de aplicativo, visando assegurar direitos a essa categoria que já alcançava cerca de um milhão de profissionais no Brasil, antes da pandemia. “Cabe, portanto, ao magistrado fazer o enquadramento das normas no fato”, destacou. 

Elementos da relação de trabalho

Nesse sentido, o ministro assinalou que a relação empregatícia ocorre quando estão reunidos seus cinco elementos fático-jurídicos constitutivos: prestação de trabalho por pessoa física a outrem, com pessoalidade, não eventualidade, onerosidade e sob subordinação. Todos eles, a seu ver, estão fortemente comprovados no caso. 

Em relação à pessoalidade, os elementos demonstram que o motorista se inscrevera na Uber mediante cadastro individual, com a apresentação de dados pessoais e bancários, e era submetido a um sistema de avaliação individualizada, a partir das notas atribuídas pela clientela.
 
A onerosidade, por sua vez, decorre do repasse de 70% a 80% do valor pago pelos passageiros. Essa percentagem elevada se justificaria pelo fato de o motorista ter de arcar com todos os custos do transporte (manutenção do veículo, gasolina, provedor de internet, celular, etc.).

No entender do relator, a não eventualidade também ficou comprovada: embora a relação tenha perdurado por menos de dois meses, durante esse período, o serviço foi prestado permanentemente todos os dias, com controle da plataforma sobre o tempo à sua disposição. Finalmente, sobre a subordinação, o ministro considera que o monitoramento tecnológico, ou “subordinação algorítmica”, talvez seja superior a outras situações trabalhistas tradicionais.

Divergência

Ficou vencido, no julgamento, o ministro Agra Belmonte, para quem a questão envolve um fenômeno mundial e um novo modelo de relação de trabalho com muitas questões ainda não decididas pela legislação brasileiro. O ministro entende que, para decidir pelo reconhecimento do vínculo, seria necessário o reexame de fatos e provas, procedimento vedado pela Súmula 126 do TST. 

Com o reconhecimento de vínculo, a Turma determinou o retorno dos autos à 66ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro (RJ), para o prosseguimento da análise dos demais pedidos.

Processo: RR-100353-02.2017.5.01.0066

RECURSO DE REVISTA. PROCESSO SOB A
ÉGIDE DA LEI 13.015/2014 E ANTERIOR
À LEI 13.467/2017. UBER DO BRASIL
TECNOLOGIA LTDA. NATUREZA
JURÍDICA DA RELAÇÃO MANTIDA
ENTRE OS TRABALHADORES
PRESTADORES DE SERVIÇOS E
EMPRESAS QUE ORGANIZAM, OFERTAM
E EFETIVAM A GESTÃO DE
PLATAFORMAS DIGITAIS DE
DISPONIBILIZAÇÃO DE SERVIÇOS DE
TRANSPORTE AO PÚBLICO, NO CASO, O
TRANSPORTE DE PESSOAS E
MERCADORIAS. NOVAS FORMAS DE
ORGANIZAÇÃO E GESTÃO DA FORÇA DE
TRABALHO HUMANA NO SISTEMA
CAPITALISTA E NA LÓGICA DO
MERCADO ECONÔMICO.
ESSENCIALIDADE DO LABOR DA PESSOA
HUMANA PARA A CONCRETIZAÇÃO
DOS OBJETIVOS DA EMPRESA.
PROJEÇÃO DAS REGRAS CIVILIZATÓRIAS
DO DIREITO DO TRABALHO SOBRE O
LABOR DAS PESSOAS NATURAIS.
INCIDÊNCIA DAS NORMAS QUE
REGULAM O TRABALHO SUBORDINADO
DESDE QUE NÃO DEMONSTRADA A
REAL AUTONOMIA NA OFERTA E
UTILIZAÇÃO DA MÃO DE OBRA DO
TRABALHADOR (ART. 818, II, DA CLT).
CONFLUÊNCIA DOS PRINCÍPIOS
CONSTITUCIONAIS HUMANISTAS E
SOCIAIS QUE ORIENTAM A MATÉRIA
(PREÂMBULO DA CF/88; ART. 1º, III E IV;
ART. 3º, I, II, III E IV; ART. 5º, CAPUT; ART.
6º; ART. 7º, CAPUT E SEUS INCISOS E
PARÁGRAFO ÚNICO; ARTS. 8º ATÉ 11;
ART. 170, CAPUT E INCISOS III, VII E VIII;
ART. 193, TODOS DA CONSTITUIÇÃO DE
1988). VÍNCULO DE EMPREGO. DADOS
FÁTICOS CONSTANTES DO ACÓRDÃO
REGIONAL REFERINDO-SE A RELAÇÃO
SOCIOECONÔMICA ABRANGENTE DE
PERÍODO DE QUASE DOIS MESES.
PRESENÇA DOS ELEMENTOS
INTEGRANTES DA RELAÇÃO
EMPREGATÍCIA. INCIDÊNCIA, ENTRE
OUTROS PRECEITOS, TAMBÉM DA
REGRA DISPOSTA NO PARÁGRAFO
ÚNICO DO ART. 6º DA CLT (INSERIDA
PELA LEI n. 12.551/2011), A QUAL
ESTABELECE QUE “OS MEIOS
TELEMÁTICOS E INFORMATIZADOS DE
COMANDO, CONTROLE E SUPERVISÃO SE
EQUIPARAM, PARA FINS DE
SUBORDINAÇÃO JURÍDICA, AOS MEIOS
PESSOAIS E DIRETOS DE COMANDO,
CONTROLE E SUPERVISÃO DO TRABALHO
ALHEIO”. PRESENÇA, POIS, DOS CINCO
ELEMENTOS DA RELAÇÃO DE EMPREGO,
OU SEJA: PESSOA HUMANA PRESTANDO
TRABALHO; COM PESSOALIDADE; COM
ONEROSIDADE; COM NÃO
EVENTUALIDADE; COM
SUBORDINAÇÃO. ÔNUS DA PROVA DO
TRABALHO AUTÔNOMO NÃO
CUMPRIDO, PROCESSUALMENTE (ART
818, CLT), PELA EMPRESA DE
PLATAFORMA DIGITAL QUE
ARREGIMENTA, ORGANIZA, DIRIGE E
FISCALIZA A PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS
ESPECIALIZADOS DE SERVIÇOS DE
TRANSPORTE. Cinge-se a controvérsia do
presente processo em definir se a relação
jurídica havida entre o Reclamante e a
Reclamada – Uber do Brasil Tecnologia
Ltda. – configurou-se como vínculo de
emprego (ou não). A solução da demanda
exige o exame e a reflexão sobre as
novas e complexas fórmulas de
contratação da prestação laborativa, algo
distintas do tradicional sistema de
pactuação e controle empregatícios, e
que ora se desenvolvem por meio da
utilização de plataformas e aplicativos
digitais, softwares e mecanismos
informatizados semelhantes, todos
cuidadosamente instituídos, preservados
e geridos por sofisticadas (e, às vezes,
gigantescas) empresas multinacionais e,
até mesmo, nacionais. É importante
perceber que tais sistemas e ferramentas
computadorizados surgem no contexto
do aprofundamento da revolução
tecnológica despontada na segunda
metade do século XX (ou, um pouco à
frente, no início do século XXI), a partir da
informática e da internet, propiciando a
geração de um sistema empresarial de
plataformas digitais, de amplo acesso ao
público, as quais permitem um novo
meio de arregimentação de mão de obra,
diretamente por intermédio desses
aplicativos digitais, que têm o condão de
organizar, direcionar, fiscalizar e zelar
pela hígida prestação de serviços
realizada ao cliente final. A modificação
tecnológica e organizacional ocorrida nas
duas últimas décadas tem sido tão
intensa que há, inclusive, autores e
correntes de pensamento que falam na
existência de uma quarta revolução
tecnológica no sistema capitalista.
Evidentemente que essa nova estrutura
de organização empresarial e de
prestação de serviços facilita a
aproximação e a comunicação na
sociedade e no âmbito da prestação de
serviços ao público alvo, seja este
formado por pessoas físicas ou por
instituições. Porém a lógica de sua
estruturação e funcionamento também
tem sido apreendida por grandes
corporações empresariais como
oportunidade ímpar para reduzirem suas
estruturas produtivas e, especialmente, o
custo do trabalho utilizado e
imprescindível para o bom
funcionamento econômico da entidade
empresarial. De nenhuma valia
econômica teria este sistema
organizacional e tecnológico, conforme
se percebe, se não houvesse, é claro, a
prestação laborativa por ele propiciada
ao público alvo objetivado – neste caso,
se não existissem motoristas e carros
organizadamente postos à disposição das
pessoas físicas e jurídicas. Realmente, os
impactos dessa nova modalidade
empresarial e de organização do trabalho
têm sido diversos: de um lado,
potenciam, fortemente, a um custo mais
baixo do que o precedente, a oferta do
trabalho de transporte de pessoas e
coisas no âmbito da sociedade; de outro
lado, propiciam a possibilidade de
realização de trabalho por pessoas
desempregadas, no contexto de um
desemprego agudo criado pelas políticas
públicas e por outros fatores inerentes à
dinâmica da economia; mas, em terceiro
lugar, pela desregulamentação
amplamente praticada por este sistema,
gerando uma inegável deterioração do
trabalho humano, uma lancinante
desigualdade no poder de negociação
entre as partes, uma ausência de regras
de higiene e saúde do trabalho, uma
clara falta de proteção contra acidentes
ou doenças profissionais, uma
impressionante inexistência de quaisquer
direitos individuais e sociais trabalhistas,
a significativa ausência de proteções
sindicais e, se não bastasse, a grave e
recorrente exclusão previdenciária. O
argumento empresarial, em tal quadro,
segue no sentido de ser o novo sistema
organizacional e tecnológico tão
disruptivo perante a sistemática de
contratação anterior que não se fazem
presentes, em sua estrutura e dinâmica,
os elementos da relação empregatícia. E,
efetivamente, é o que cabe examinar,
afinal, no presente processo. Passa-se,
dessa maneira, ao exame da relação
socioeconômica e jurídica entre as
partes do presente processo,
respeitados os aspectos fáticos
lançados pelo próprio acórdão
regional, como determina a Súmula
126 do TST. Nesse exame, sem
negligenciar a complexidade das
questões que envolvem a discussão dos
autos, o eventual enquadramento como
vínculo empregatício da relação jurídica
entre o prestador de serviços e as
plataformas digitais, pelo Poder Judiciário
Trabalhista no Brasil, vai depender das
situações fáticas efetivamente
demonstradas, as quais, por sua própria
complexidade, podem abarcar inúmeras
e múltiplas hipóteses. A propósito, no
Direito brasileiro existe sedimentada
presunção de ser empregatício o vínculo
jurídico formado — regido pela
Constituição da República (art. 7º) e pela
CLT, portanto —, desde que seja
incontroversa a prestação de serviços por
uma pessoa natural a alguém (Súmula
212, TST). Essa presunção jurídica relativa
(não absoluta, esclareça-se) é clássica ao
Direito do Trabalho, em geral, resultando
de dois fatores historicamente
incontestáveis: a circunstância de ser a
relação de emprego a regra geral de
conexão dos trabalhadores ao sistema
socioeconômico capitalista; a
circunstância de a relação de emprego,
desde o surgimento do Direito do
Trabalho, ter se tornado a fórmula mais
favorável e protegida de inserção da
pessoa humana trabalhadora na
competitiva e excludente economia
contemporânea. No Brasil, desponta a
singularidade de esta antiga presunção
jurídica ter sido incorporada, de certo
modo, até mesmo pela Constituição da
República de 1988, ao reconhecer, no
vínculo empregatício, um dos principais e
mais eficazes instrumentos de realização
de notável bloco de seus princípios
cardeais, tais como o da dignidade do ser
humano, o da centralidade da pessoa
humana na ordem jurídica e na vida
socioeconômica, o da valorização do
trabalho e do emprego, o da
inviolabilidade física e psíquica da pessoa
humana, o da igualdade em sentido
substancial, o da justiça social, o do bem
estar individual
e social, o da segurança e
o da subordinação da propriedade à sua
função socioambiental. Com sabedoria, a
Constituição percebeu que não se criou,
na História do Capitalismo, nessa direção
inclusiva, fórmula tão eficaz, larga,
abrangente e democrática quanto a
estruturada na relação de emprego.
Convergindo inúmeros preceitos
constitucionais para o estímulo, proteção
e elogio à relação de emprego
(ilustrativamente: Preâmbulo da CF/88;
art. 1º, III e IV; art. 3º, I, II, III e IV; art. 5º,
caput; art. 6º; art. 7º, caput e seus incisos
e parágrafo único; arts. 8º até 11; art. 170,
caput e incisos III, VII e VIII; art. 193, todos
do Texto Máximo de 1988), emerge clara
a presunção também constitucional em
favor do vínculo empregatício no
contexto de existência de incontroversa
prestação de trabalho na vida social e
econômica. De par com isso, a ordem
jurídica não permite a contratação do
trabalho por pessoa natural, com os
intensos elementos da relação de
emprego, sem a incidência do manto
mínimo assecuratório da dignidade
básica do ser humano nessa seara da
vida individual e socioeconômica. Em
consequência, possuem caráter
manifestamente excetivo fórmulas
alternativas de prestação de serviços a
alguém, por pessoas naturais, como,
ilustrativamente, contratos de estágio,
vínculos autônomos ou eventuais,
relações cooperativadas e as fórmulas
intituladas de “pejotização” e, mais
recentemente, o trabalho de transporte
de pessoas e coisas via arregimentação e
organização realizadas por empresas de
plataformas digitais. Em qualquer desses
casos, estando presentes os elementos
da relação de emprego, esta prepondera
e deve ser reconhecida, uma vez que a
verificação desses pressupostos, muitas
vezes, demonstra que a adoção de tais
práticas se dá, essencialmente, como
meio de precarizar as relações
empregatícias (art. 9º, da CLT). Nesse
aspecto, cumpre enfatizar que o
fenômeno sóciojurídico da relação
empregatícia emerge quando reunidos
os seus cinco elementos fático-jurídicos
constitutivos: prestação de trabalho por
pessoa física a outrem, com
pessoalidade, não eventualidade,
onerosidade e sob subordinação.
Observe-se que, no âmbito processual,
uma vez admitida a prestação de serviços
pelo suposto empregador/tomador de
serviços, a ele compete demonstrar que
o labor se desenvolveu sob modalidade
diversa da relação de emprego,
considerando a presunção (relativa) do
vínculo empregatício sedimentada há
várias décadas no Direito do Trabalho,
conforme exaustivamente exposto. A
análise casual das hipóteses discutidas
em Juízo, portanto, deve sempre se
pautar no critério do ônus da prova –
definido no art. 818 da CLT -, competindo
ao obreiro demonstrar a prestação de
serviços (inciso I do art. 818 da CLT); e à
Reclamada, provar eventual autonomia
na relação jurídica (inciso II do art. 818 da
CLT). No caso dos autos, a prova coligida
no processo e referenciada pelo acórdão
recorrido demonstrou que a Reclamada
administra um empreendimento
relacionado ao transporte de pessoas – e
não mera interligação entre usuários do
serviço e os motoristas cadastrados no
aplicativo – e que o Reclamante lhe
prestou serviços como motorista do
aplicativo digital. Assim, ficaram
firmemente demonstrados os elementos
integrantes da relação de emprego,
conforme descrito imediatamente a
seguir. Em primeiro lugar, é inegável (e
fato incontroverso) de que o trabalho de
dirigir o veículo e prestar o serviço de
transporte, em conformidade com as
regras estabelecidas pela empresa de
plataforma digital, foi realizado, sim, por
uma pessoa humana - no caso, o
Reclamante. Em segundo lugar, a
pessoalidade também está comprovada,
pois o Obreiro precisou efetivar um
cadastro individual na Reclamada,
fornecendo dados pessoais e bancários,
bem como, no decorrer da execução do
trabalho, foi submetido a um sistema de
avaliação individualizada, a partir de
notas atribuídas pelos clientes e pelo
qual a Reclamada controlava a qualidade
dos serviços prestados. É também
incontroverso de que todas as inúmeras
e incessantes avaliações feitas pela
clientela final referem-se à pessoa física
do motorista uberizado, emergindo,
assim, a presença óbvia do elemento
fático e jurídico da pessoalidade. O
caráter oneroso do trabalho executado é
também incontroverso, pois a clientela
faz o pagamento ao sistema virtual da
empresa, em geral por meio de cartão de
crédito (podendo haver também, mais
raramente, pagamento em dinheiro) e,
posteriormente, a empresa gestora do
sistema informatizado credita parte do
valor apurado na conta corrente do
motorista. Ora, o trabalhador somente
adere a esse sistema empresarial e de
prestação laborativa porque ele lhe
assegura retribuição financeira em
decorrência de sua prestação de trabalho
e em conformidade com um
determinado percentual dos valores
apurados no exercício desse trabalho.
Sobre a não eventualidade, o labor do
Reclamante estava inserido na dinâmica
intrínseca da atividade econômica da
Reclamada e inexistia qualquer traço de
transitoriedade na prestação do serviço.
Não era eventual, também, sob a
perspectiva da teoria do evento, na
medida em que não se tratava de labor
desempenhado para certa obra ou
serviço, decorrente de algum
acontecimento fortuito ou casual. De
todo modo, é também incontroverso de
que se trata de labor inerente à rotina
fundamental da empresa digital de
transporte de pessoas humanas, sem o
qual tal empresa sequer existiria. Por fim,
a subordinação jurídica foi efetivamente
demonstrada, destacando-se as
seguintes premissas que se extraem do
acórdão regional, incompatíveis com a
suposta autonomia do trabalhador na
execução do trabalho: 1) a Reclamada
organizava unilateralmente as
chamadas dos seus
clientes/passageiros e indicava o
motorista para prestar o serviço; 2) a
empresa exigia a permanência do
Reclamante conectado à plataforma
digital para prestar os serviços, sob
risco de descredenciamento da
plataforma digital (perda do trabalho);
3) a empresa avaliava continuamente
a performance dos motoristas, por
meio de um controle telemático e
pulverizado da qualidade dos serviços,
a partir da tecnologia da plataforma
digital e das notas atribuídas pelos
clientes/passageiros ao trabalhador.
Tal sistemática servia, inclusive, de
parâmetro para o descredenciamento
do motorista em face da plataforma
digital - perda do trabalho -, caso o
obreiro não alcançasse uma média
mínima; 4) a prestação de serviços se
desenvolvia diariamente, durante o
período da relação de trabalho – ou,
pelo menos, com significativa
intensidade durante os dias das
semanas -, com minucioso e
telemático controle da Reclamada
sobre o trabalho e relativamente à
estrita observância de suas diretrizes
organizacionais pelo trabalhador, tudo
efetivado, aliás, com muita eficiência,
por intermédio da plataforma digital
(meio telemático) e mediante a ativa e
intensa, embora difusa, participação
dos seus clientes/passageiros.
Saliente-se ser fato notório (art. 337, I, do CPC/15)
que a Reclamada é quem estabelece
unilateralmente os parâmetros mais
essenciais da forma de prestação dos
serviços e da dinâmica de funcionamento
da atividade econômica, como, por
exemplo, a definição do preço da corrida e
do quilômetro rodado no âmbito de sua
plataforma digital. Desse quadro, se
percebe a configuração da subordinação
jurídica nas diversas dimensões: a)
clássica, em face da existência de
incessantes ordens diretas da Reclamada
promovidas por meios remotos e digitais
(art. 6º, parágrafo primeiro, da CLT),
demonstrando a existência da assimetria
poder de direção/subordinação e, ainda, os
aspectos diretivo, regulamentar,
fiscalizatório e disciplinar do poder
empregatício; b) objetiva, tendo em vista
o trabalho executado estritamente
alinhado aos objetivos empresariais; c)
estrutural, mediante a inteira inserção do
profissional contratado na organização
da atividade econômica desempenhada
pela Reclamada, em sua dinâmica de
funcionamento e na cultura jurídica e
organizacional nela preponderante; d)
por fim, a subordinação algorítima, que
consiste naquela efetivada por
intermédio de aferições,
acompanhamentos, comandos, diretrizes
e avaliações concretizadas pelo
computador empresarial, no
denominado algoritmo digital típico de
tais empresas da Tecnologia 4.0.
Saliente-se, por oportuno, que a suposta
liberdade do profissional para definir
seus horários de trabalho e de folgas,
para manter-se ligado, ou não, à
plataforma digital, bem como o fato de o
Reclamante ser detentor e mantenedor
de uma ferramenta de trabalho – no
caso, o automóvel utilizado para o
transporte de pessoas – são
circunstâncias que não têm o condão de
definir o trabalho como autônomo e
afastar a configuração do vínculo de
emprego. Reitere-se: a prestação de
serviços ocorria diariamente, com
sujeição do Autor às ordens emanadas
da Reclamada por meio remoto e
telemático (art. 6º, parágrafo único, da
CLT); havia risco de sanção disciplinar
(exclusão da plataforma) em face da
falta de assiduidade na conexão à
plataforma e das notas atribuídas
pelos clientes/passageiros da
Reclamada; inexistia liberdade ou
autonomia do Reclamante para definir
os preços das corridas e dos seus
serviços prestados, bem como
escolher os seus passageiros (ou até
mesmo criar uma carteira própria de
clientes); não se verificou o mínimo de
domínio do trabalhador sobre a
organização da atividade empresarial,
que era centralizada, metodicamente,
no algoritmo da empresa digital; ficou
incontroversa a incidência das
manifestações fiscalizatórias,
regulamentares e disciplinares do
poder empregatício na relação de
trabalho analisada. Enfim, o trabalho foi
prestado pelo Reclamante à Reclamada,
mediante remuneração, com
subordinação, e de forma não eventual.
Cabe reiterar que, embora, neste caso
concreto, tenham sido comprovados os
elementos da relação empregatícia, deve
ser considerado que o ônus da prova
da autonomia recai sobre a defesa, ou
seja, o ente empresarial, já que
inequívoca a prestação de trabalho (art.
818, II, da CLT), sendo forçoso
reconhecer, também, que a Reclamada
não se desvencilhou satisfatoriamente de
seu encargo probatório. Dessa forma,
deve ser reformado o acórdão regional
para se declarar a existência do vínculo
de emprego entre as Partes, nos termos
da fundamentação. Recurso de revista
conhecido e provido.

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