STJ absolve réu condenado em segunda instância por crime não descrito na denúncia

STJ absolve réu condenado em segunda instância por crime não descrito na denúncia

O tribunal de segunda instância, a pretexto de dar nova definição jurídica aos fatos, não pode reformar a sentença para condenar o réu por conduta que não tenha sido descrita na denúncia. Em casos assim, se não há recurso da acusação e a anulação do acórdão resulta em prejuízo para o réu, impõe-se a sua absolvição. 

Com esse entendimento, em decisão inédita, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) concedeu habeas corpus ao ex-diretor de uma empresa de turismo e câmbio do Ceará, para livrá-lo de condenação por crime contra o sistema financeiro nacional. 

Ele foi condenado a quatro anos de reclusão, por infração ao disposto no artigo 16 da Lei 7.492/86, que trata dos crimes contra o sistema financeiro, e artigo 1°, inciso I, da Lei 8.137/90, que define crimes contra a ordem tributária. A prisão foi substituída por duas penas restritivas de direito (prestação de serviço à comunidade e prestação pecuniária). 

Constrangimento ilegal 

No julgamento, a Turma seguiu integralmente o voto do relator, desembargador convocado Campos Marques, que entendeu que houve constrangimento ilegal, já que o paciente não teve como se defender da acusação de operar instituição de câmbio sem a devida autorização – crime do artigo 16 da Lei 7.492. 

De acordo com o relator, o réu na ação penal foi denunciado pelo Ministério Público e condenado por omitir dados em demonstrativos contábeis de instituição financeira, movimentar recursos “consideráveis” fora da contabilidade oficial e sonegar informações para suprimir tributo devido. 

O Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5) observou que a empresa havia sido descredenciada pelo Banco Central, ficando proibida de operar no mercado de câmbio de taxas flutuantes, e entendeu que o crime praticado pelo réu contra o sistema financeiro não era aquele pelo qual havia sido denunciado, mas sim o crime do artigo 16 da Lei 7.492, consistente em operar instituição financeira (inclusive de câmbio e de distribuição de valores mobiliários) sem autorização. 

“A denúncia não faz qualquer referência a fato que se amolde à figura típica estabelecida no citado artigo 16”, afirmou Campos Marques. “Como o paciente terminou condenado por uma infração penal em relação à qual não se defendeu, me parece evidente a ocorrência de ofensa ao princípio que prevê a ampla defesa”, acrescentou. 

Mutatio libelli 

No habeas corpus, a defesa sustentou que a decisão do TRF5 é nula, pois, ao alterar a classificação legal dos fatos, violou os princípios da correlação ou da congruência entre acusação e sentença, do contraditório e da ampla defesa. 

Ao analisar o caso, o desembargador Campos Marques entendeu que a atitude do TRF5 não foi apenas a adoção de nova definição jurídica para os fatos, mas configurou “verdadeira mutatio libelli, o que não é possível à segunda instância, na forma da Súmula 453 do Supremo Tribunal Federal”. Mutatio libelli é a alteração decorrente do surgimento de fato novo, não contido na denúncia. 

Diz a súmula que “não se aplicam à segunda instância o artigo 384 e parágrafo único do Código de Processo Penal, que possibilitam dar nova definição jurídica ao fato delituoso, em virtude de circunstância elementar não contida, explícita ou implicitamente, na denúncia ou queixa”. 

Solução viável

O relator, porém, observou que a simples anulação do acórdão do TRF5 e da sentença, para permitir o aditamento da acusação, como determina o artigo 384 do Código de Processo Penal, importaria em ofensa à Súmula 160, também do STF, segundo a qual “é nula a decisão do tribunal que acolhe, contra o réu, nulidade não arguida no recurso da acusação, ressalvados os casos de recurso de ofício”. 

“Como não é possível a anulação do acórdão para regularizar a situação, vez que não há recurso da acusação, a única solução viável é a absolvição do paciente em relação ao crime previsto no artigo 16 da Lei 7.492”, declarou o relator. 

Quanto à condenação pelo crime tributário previsto no artigo 1°, inciso I, da Lei 8.137, a defesa alegou que haveria ofensa à Súmula Vinculante 24 do STF, que só reconhece o delito após a conclusão do procedimento administrativo-fiscal. No entanto, segundo o desembargador Campos Marques, a súmula vinculante é de 2009, posterior à condenação, e por isso não há ilegalidade a ser sanada nesse ponto. 

Ordem de ofício

Campos Marques assinalou que o habeas corpus não está mais sendo aceito pelo STJ em substituição aos recursos ordinários – como apelação, agravo em execução ou recurso especial – ou à revisão criminal. 

No entanto, mesmo entendendo tratar-se de habeas corpus substitutivo de recurso ordinário, o relator analisou o pedido tendo em vista a hipótese de concessão da ordem de ofício para corrigir ilegalidade flagrante, como autoriza a jurisprudência. 

Assim, o pedido formulado pela defesa não foi conhecido, mas a Quinta Turma, acompanhando o voto do relator, deferiu habeas corpus de ofício para absolver o paciente da acusação de crime contra o sistema financeiro. 

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (STJ - Superior Tribunal de Justiça) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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