Absolvição genérica não impede MP de pedir anulação do júri por contrariedade às provas

Absolvição genérica não impede MP de pedir anulação do júri por contrariedade às provas

Ainda que o artigo 483, inciso III, do Código de Processo Penal tenha introduzido a possibilidade de que os jurados absolvam o acusado mesmo após terem reconhecido a autoria e materialidade delitivas, não ofende a soberania dos veredictos a anulação da decisão em segundo grau – após apelação interposta pelo Ministério Público – quando a sentença se mostrar diametralmente oposta à prova dos autos.

O entendimento foi fixado por maioria de votos pela Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao julgar habeas corpus em que o paciente, denunciado pela suposta prática de homicídio qualificado, foi absolvido pelo conselho de sentença.

A decisão do júri foi reformada pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que acolheu recurso do MP e determinou novo julgamento perante o tribunal do júri por entender que o primeiro veredicto contrariou as provas dos autos, especialmente as evidências de que o acusado continuou a desferir golpes na vítima mesmo quando ela já estava caída no chão, causando sua morte por diversos traumatismos.

“Entendo que a absolvição do réu pelos jurados, com base no artigo 483, III, do CPP, ainda que por clemência, não constitui decisão absoluta e irrevogável, podendo o tribunal cassá-la quando ficar demonstrada a total dissociação da conclusão dos jurados com as provas apresentadas em plenário. Assim, resta plenamente possível o controle excepcional da decisão absolutória do júri, com o fim de evitar arbitrariedades e em observância ao duplo grau de jurisdição”, apontou o relator do pedido de habeas corpus, ministro Joel Ilan Paciornik.

Mérito

No pedido de habeas corpus, a defesa do acusado alegou que, com a reforma do procedimento do júri, os jurados, além dos fundamentos jurídicos, podem optar por fundamentos sociais, emocionais ou de política criminal, de acordo com a sua íntima convicção. 

Também de acordo com a defesa, com a introdução do artigo 483, inciso III, do CPP pela Lei 11.689/08, a única interpretação que não fere a soberania dos veredictos é a de que o artigo 593, inciso III, “d”, do mesmo código – que prevê a apelação contra decisões do júri manifestamente contrárias às provas – tornou-se exclusivo da defesa, cabendo à acusação apenas a alegação de eventual nulidade processual. Assim, nesses casos, a defesa apontou que o MP não poderia pedir a anulação do julgamento que absolveu o réu.

Poder absoluto

O ministro Joel Ilan Paciornik explicou inicialmente que, com a introdução do quesito absolutório pela Lei 11.689/08 – que acrescentou o inciso III ao artigo 483 do CPP –, foram concentradas todas as teses defensivas em um único quesito, podendo os jurados absolver o acusado com base exclusivamente na sua livre convicção.

“Houve, portanto, uma simplificação na quesitação, com o objetivo de facilitar aos jurados o acolhimento de uma das teses defensivas apresentadas ou mesmo absolver por clemência, não havendo falar, contudo, em ampliação dos poderes do júri”, afirmou o ministro.

Nesse sentido, o relator apontou que a inovação trazida no artigo 483 do CPP não afastou a possibilidade de anulação de decisão proferida pelo tribunal do júri após acolhimento de recurso do Ministério Público interposto com base em alegação de não observância do conjunto probatório (artigo 593, inciso III, alínea “d”, do CPP), mesmo que os jurados tenham respondido positivamente ao quesito da absolvição genérica.  

“Concluir em sentido contrário exigiria a aceitação de que o Conselho de Sentença disporia de poder absoluto e peremptório quanto à absolvição do acusado, o que, ao meu ver, não foi o objetivo do legislador ao introduzir a obrigatoriedade do quesito absolutório genérico, previsto no artigo 483, III, do CPP”, observou o ministro.

No caso analisado, o ministro destacou que, para concluir que a decisão do conselho de sentença foi contrária à prova dos autos, a corte fluminense se baseou nos depoimentos colhidos durante a instrução probatória, assim como na causa mortis descrita no exame de corpo de delito.

“Nesse contexto, a alteração do que ficou estabelecido no acórdão impugnado, quanto à existência ou não de respaldo para a cassação da decisão do júri, considerada pelo tribunal de origem como manifestamente contrária às provas dos autos, demandaria a análise aprofundada no conjunto fático-probatório, providência vedada na via estreita do habeas corpus”, concluiu o relator ao não conhecer do pedido.

Esta notícia refere-se ao HC 313251

HABEAS CORPUS Nº 313.251 - RJ (2014/0345586-7)
RELATOR : MINISTRO GURGEL DE FARIA
IMPETRANTE : DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
ADVOGADO : DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
PACIENTE : MARCELO GAMA BICACO
DECISÃO
Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado em favor de
MARCELO GAMA BICACO, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de
Janeiro que, ao julgar a apelação do Ministério Público, deu-lhe provimento, nos termos do
acórdão assim ementado (fl. 126):
"EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL. DELITO DE HOMICIDIO
QUALIFICADO. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA – RECURSO MINISTERIAL
PLEITEANDO QUE O APELADO SEJA SUBMETIDO A NOVO
JULGAMENTO PELO TRIBUNAL DO JURI – PARA ANULAÇÃO DO
JULGAMENTO COM FULCRO NO ART. 593, III, "D", DO CÓDIGO DE
PROCESSO PENAL, A DECISÃO DOS JURADOS PRECISA ESTAR
COMPLETAMENTE DISSOCIADA DOS ELEMENTOS PROBATÓRIOS,
NÃO ENCONTRANDO AMPARO EM NENHUMA DAS VERSÕES
RESULTANTES DAS PROVAS. NO CASO DOS AUTOS DÚVIDA NENHUMA
RESTOU DE QUE O APELADO COMETEU O DELITO DE LESÃO
CORPORAL, SEM ESTAR AMPARADO POR QUALQUER EXCLUDENTE
DE TIPICIDADE, ILICITUDE OU CULPABILIDADE – RECURSO A QUE
SE DÁ PROVIMENTO PARA ANULAR A DECISÃO DO CONSELHO DE
SENTENÇA SUBMETENDO O RÉU A NOVO JULGAMENTO PERANTE O
TRIBUNAL DO JURI."
Consta dos autos que o ora Paciente foi pronunciado pelo delito de Homicídio
qualificado, por que, no dia 20 de março de 2010, livre e conscientemente, com animus
necandi , por motivo fútil, desferiu socos e chutes em Marcos André Carvalho dos Santos,
causando-lhe os ferimentos que foram a causa eficiente de sua morte conforme o laudo de
exame de necropsia acostado às fls. 50/51. Submetido o Paciente ao plenário do Tribunal do
Júri, foi absolvido. Inconformado com o decisum , o Ministério Público interpôs o recurso de
apelação, pleiteando, a reforma da sentença para que o apelado seja submetido a novo
julgamento pelo Tribunal do Júri, o qual foi provido, nos termos da ementa acima transcrita.
Contra esta decisão impetra o presente writ, alegando, em suma, que o

Paciente sofre constrangimento ilegal uma vez que "a pretensão ministerial não possui
amparo jurídico pós reforma do procedimento do júri e, ainda, a análise o conjunto
probatório colhido ao longo da instrução criminal, observamos que a decisão soberana dos
jurados se encontra acorde com a instrução probatória e com a tese da defesa exposta em
plenário" (fl. 2).
Postula-se, assim, "a concessão da liminar da ordem para SUSPENSÃO DO
PROCESSO, no sentido de que não seja aprazada nova Sessão Plenária, enquanto aguarda
julgamento definitivo da presente demanda " (fl. 13).
É o relatório inicial.
Decido.
Ressalvados os entendimentos em contrário - inclusive no Supremo Tribunal
Federal (v.g.: RHC 118.623/MS, Rel. Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado
em 19/11/2013, DJe de 05/12/2013; HC 110.118, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI,
Rel. p/ Acórdão: Min. JOAQUIM BARBOSA, Segunda Turma, DJe de 07/08/2012; HC
115.715, Rel. Min. ROSA WEBER, Rel. p/ acórdão Min. MARCO AURÉLIO, Primeira
Turma, DJe de 12/09/2013; RHC 117.845, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, DJe
de 07/10/2013; HC 113.690, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, DJe
de 08/10/2012) –, as Quinta e Sexta Turmas do Superior Tribunal de Justiça firmaram o
entendimento majoritário de que é inadequado o manejo de habeas corpus contra decisório
do Tribunal a quo atacável pela via de recurso especial (v.g.: (HC 287.657/SP, Rel. Ministro
NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, DJe 04/12/2014; HC 289.508/SP, Rel. Ministra
MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, DJe 03/12/2014; HC
293.916/RS, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, DJe 11/12/2014; HC
297.410/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, DJe 02/12/2014).
Com efeito, embora trate-se de habeas corpus substitutivo de recurso especial,
diante da possibilidade, em tese, de se conceder a ordem, de ofício, o presente writ deve ser
processado.
Todavia, ao menos por ora, não se mostram presentes os pressupostos
autorizadores da medida urgente requerida. Em juízo de cognição sumária, não vislumbro o
fumus boni iuris do pedido, por ter sido ressaltado o que se segue no acórdão:
"Como sabido, para anulação do julgamento com fulcro no art. 593,
III, "d", do Código de Processo Penal, a decisão dos jurados precisa estar

completamente dissociada dos elementos probatórios, não encontrando
amparo em nenhuma das versões resultantes das provas. Decisão
manifestamente contrária às provas dos autos é aquela em que os jurados
decidem arbitrariamente, afastando-se de toda e qualquer evidência
probatória.
No caso dos autos, a autoria, por sua vez, no entender dos jurados,
apesar de ter se aperfeiçoado, restou demonstrada a existência da injusta
agressão, o que contraria o acervo probatório que positivou, com grau de
certeza que o apelado cometeu o delito de lesão corporal, sem estar amparado
por qualquer excludente de tipicidade, ilicitude ou culpabilidade " (fls.
129/130).
Assim, a espécie em testilha não se enquadra nas hipóteses excepcionais
passíveis de deferimento do pedido em caráter de urgência, por não veicular situação
configuradora de abuso de poder ou de manifesta ilegalidade sanável no presente juízo
perfunctório, devendo a controvérsia ser decidida após a tramitação completa do feito.
Ante o exposto, INDEFIRO o pedido liminar, sem prejuízo de uma análise
mais detida quando do julgamento do mérito pelo Ministro Relator.
Solicitem-se informações pormenorizadas do Tribunal de origem e ao Juízo de
primeiro grau acerca do alegado no presente habeas corpus. Devem tais autoridades, ainda,
informar a esta Corte a ocorrência de qualquer alteração relevante no quadro fático.
Após, remetam-se os autos ao Ministério Público Federal para o parecer.
Publique-se. Intimem-se.
Brasília (DF), 26 de dezembro de 2014.
MINISTRO FRANCISCO FALCÃO
Presidente

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (STJ - Superior Tribunal de Justiça) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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