Partilha de bens: do concubinato à união estável
A partilha de bens é devida na união estável como garantia de direitos aos conviventes e sua prole. Sendo que adota-se a divisão do patrimônio como no regime de comunhão parcial de bens no matrimônio.
INTRODUÇÃO
O instituto da União Estável se tornou foco de celeumas acaloradas no âmbito do direito de família, pelo fato de que a prática da convivência marital sem necessariamente o vínculo matrimonial vem ocorrendo com mais frequência nas últimas décadas e, sabendo-se que o ordenamento jurídico deve acompanhar a realidade social, a necessidade de criação de normas regulamentadoras garantidoras de direitos e deveres à nova formação de família se tornou imprescindível.
Milhares de questionamentos vieram à tona quanto à partilha de bens na União Estável, fazendo-se necessários os debates acerca do tema, portanto, o presente artigo tem como proposta uma análise pormenorizada dos efeitos patrimoniais na União Estável, buscando aclarar questões levadas diariamente ao Judiciário quanto à partilha de bens decorrente desta espécie de convivência marital.
Para responder aos operadores do Direito indagações a respeito do que pode e deve ser ponderado quando da dissolução da união estável ao que tange aos bens amealhados durante a constância da união, nos utilizamos da pesquisa documental, o que nos permitiu obter conhecimento doutrinário de experts do direito de família e também o entendimento atual dos doutos magistrados em âmbito nacional, pelo que visamos esclarecer ao leitor da presente pesquisa científica qual o viés jurídico da partilha de bens na União Estável desde a sua instituição no ordenamento jurídico brasileiro.
1. DO CONCUBINATO À UNIÃO ESTÁVEL
1.1 O Direito de Família e Sua Evolução Histórica
Tratando-se do assunto “Família”, importante se faz que sua análise seja feita sob uma perspectiva histórica e interdisciplinar (antropológico, jurídico, psicanalítico), para que possamos entender as mudanças, principalmente culturais, que ocorrem nesta instituição.
Tal análise denota-se de extremo valor, tendo em vista que é a partir dela que poderemos pensar e construir normas mais pertinentes e condizentes com os anseios da sociedade.
Ao pesquisarmos sobre a história da humanidade vamos perceber que desde as culturas orientais às ocidentais, sempre existiram agrupamentos Humanos. Desde os primórdios dos tempos, os homens se reuniam em torno de algo, constituindo uma família, portanto, trata-se do segmento social mais antigo já reconhecido.
No que tange à constituição familiar de tais grupos, há sociólogos que explicam que num primeiro momento histórico não existia vínculos de exclusividades entre homens e mulheres, isto é, as relações sexuais eram praticadas por todos os membros do grupo indistintamente, havendo poligamia e poliandria, bem como o matrimônio em grupo.
No entanto, outros teóricos sustentam a tese de que o agrupamento detinha uma natureza monogâmica, primeiramente sob a chefia da mulher, depois sob a chefia masculina.
Na visão do jusfilósofo Paulo Nader[1], em três épocas diferentes da história fizeram-se presentes três formas de agrupamentos: A primeira delas teria sido a “Horda”, no qual homens e mulheres não possuíam regras de convivência e eram nômades. Num segundo momento, passam de nômades para moradas fixas, vivendo de agricultura e tendo a mulher como autoridade máxima, momento em que foi denominado de matriarcado. E por derradeiro, uma terceira fase o patriarcado, no qual o homem se tornou o líder do núcleo familiar. Tal sistema perdurou-se até os nossos dias, muito embora tenha ocorrido a promulgação da Constituição Federal de 1988, esta insiste em permanecer no bojo das instituições familiares mais tradicionais.
A Família, no Direito Romano, era conduzida e organizada por uma figura que exercia a autoridade central daquele núcleo, denominado de pater familiae, exercendo sobre seus filhos o direito de vida e de morte. Podendo este, inclusive vendê-los, castigá-los e impor penas severas. A mulher neste contexto também era totalmente subordinada ao marido, podendo ser repudiada pelo mesmo.
Decorridos alguns anos, já no período pós-romano, a família passa a sofrer influência do Direito Germânico, onde se aflora a espiritualidade cristã, e o casamento passa a ter um caráter de sacramento, isto é, santificação. Nota-se aqui que a família já sofre uma importante transformação, passa do caráter autocrático para democrático.
Posteriormente, na Idade Média, as relações familiares passam por uma nova modificação, pois passam a ser regidas unicamente pelo Direito Canônico, isto é, somente o casamento religioso era efetivamente reconhecido. Apesar de que as normas romanas continuavam exercendo influência no que tange ao pátrio poder e às relações patrimoniais entre os cônjuges, observando-se também as regras de direito germânico.
Já no Século XIX, marcado essencialmente pela Revolução Francesa, e durante a vigência do Estado Liberal Clássico, tal era é conhecida como a “Era das Codificações”. Dois códigos marcantes deste período, foram o Código Napoleônico de 1804 e o BGB (Bürgerliches Gesetzbuch) Alemão de 1996. No entendimento de Napoleão Bonaparte, a família deveria estar sujeita absolutamente ao governo, de forma semelhante como a família está sujeita ao seu chefe. É justamente por essa razão, que a mulher é tratada de forma desigual no universo jurídico, ou pelo menos era, até então. Tal Código Napoleônico ficou conhecido como a primeira grande codificação, influenciando todo o direito ocidental. Isso porque inovou descrevendo uma época, sistematizando um corpo de leis, simplificando a ordem jurídica e facilitando a sua aplicação.
Nestes moldes, o legislador brasileiro optou pela codificação, quando da confecção do Código Civil de 1916, sofrendo influências da família romana, a autoridade do chefe de família (pátrio poder) e trazendo o caráter sacramental do casamento. Assim, e em razão disso, as diretrizes constitucionais tem lutado para sepultar tal desigualdade que ainda persiste, justamente devido a esta fincada tradição no pode despótico do pater família romano.
1.2 A Família no Código Civil de 1916
Todas as Constituições anteriores à Constituição de 1988, excetuando-se a de 1967, definiam a Família como aquela constituída pelo casamento civil e que este era indissolúvel, estando sob a proteção estatal. Neste sentido, sob esta égide, surgiu dois polos distintos: à priori uma família legítima, baseada no casamento civil e estritamente dentro dos amparos legais; e de outro lado a família ilegítima, criada às margens legais e não tendo as mesmas prerrogativas da primeira.
O Código de 1916, não trouxe especificamente a definição do instituto da família, apenas limitou-se a legitimá-la através do casamento civil, também não mencionando sobre o casamento religioso, conforme verificamos no artigo 229 do referido Código:
“Art. 229 – Criando a família legítima, o casamento legitima os filhos comuns, antes dele nascidos ou concebidos”.
Nos comentários de Maria Helena Diniz[2] ao artigo 229 do Código Civil anotado, a família era a base da sociedade, moralmente, religiosamente, espiritualmente falando, vez que era mais sólida que a ilegítima pois no concubinato inexistia o compromisso recíproco entre o homem e a mulher
O concubinato sempre foi associado a uma ideia de imoralidade, libertinagem, uma visão marginalizada, colada em posição inferior ao casamento. No entanto, esquece-se e que muito antes da criação da formalização do ato da união entre o homem e a mulher já existia a figura da família.
Resta evidente, que o antigo Código Civil, norteado por uma sociedade moralista e puritana, não tinha como escopo a proteção do núcleo familiar, mas simplesmente evitar os escândalos provocados dentro daquela sociedade, toda vez que uma amante requeria seus direitos após anos de convivência ou uma filho “bastardo” postulava ser reconhecido.
A Família somente merecia receber tal “título” se adviesse de um casamento válido, isto é dentro dos preceitos da lei, sendo assim legitimada social e juridicamente. Contrariamente, aquela relação que se desse fora destes preceitos não detinha proteção do Estado e sequer era considerada como uma família..
Justifica-se o aumento deste tipo de união justamente pela carência de informação, mormente no que tange aqueles locais mais atrasados do País, informações estas concernentes tanto à validade do casamento religioso, como sobre a possibilidade da dissolução do casamento, que foi admitida com a Lei do Divórcio, sob nº 6.515/77.
Além disso, segundo o “Direito de Indenização da Concubina”, obra publicada no ano de 1953, no Arquivo Judiciário, três fatores também foram cruciais para o aumentos das relações de concubinato no Brasil: primeiramente em razão da Igreja que exigia o casamento religioso, sem levar em conta que para que tanto deveria ser afetado civilmente; o formalismo e os gastos com as documentações inerentes a concretização do casamento; e, principalmente, a impossibilidade de casar-se novamente no caso de desquitação.
Ora, restava evidente que a rigidez imposta pelo Código de 1916 já não condizia com a realidade social da época, principalmente com a lei de 1977, que admitia-se o divórcio. Entretanto, esta lei foi praticamente ignorada pela igreja, pois estes não admitiam o casamento de um divorciado.
Com o advento da Constituição de 1988, o casamento deixou de ser requisito fundamental para a legitimação da família, por consequência o conceito de Família modificou-se, pois antes ligava-se essencialmente aos efeitos do casamento.
Neste sentido, a formalidade do casamento deixou de ser o cerne do interesse do Estado, este que passou a preocupar-se agora com o grupo familiar, garantido-lhe o cumprimento e a proteção de seus direitos, não importando sua origem,
1.3 Entidade Familiar: do Concubinato à União Estável
Não restam dúvidas de que a modificação que trouxe o artigo 226, parágrafo 3º da Constituição de 1988 foi que a causou maior repercussão no âmbito jurídico, pois vejamos:
“Art. 226 – A Família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado:
(...)
§ Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a União Estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”.
Embora alguns doutrinadores entendam que a expressão “Entidade Família” não passou de uma palavra sinônima que o constituinte se utilizou para não repetir a palavra “família”, outros acreditam ser uma novidade constitucional, pois se refere à família de uma forma mais abrangente do que aquela descrita nos códigos.
Resta evidente que a Constituição Federal de 1988, declarou que a união estável entre um homem e uma mulher deve ser considerada uma entidade familiar, portanto, um família. No entanto, o artigo deixa claro quanto a diversidade de sexo dos conviventes, o que acabou gerando nos dias atuais uma série de discussões sobre a validade da união estável entre homossexuais, porém que não será o cerne de discussão de nossa pesquisa.
Para que seja considerada união estável, pressupõe-se um lapso temporal que demonstre uma relação fixa, firme, sólida; assim, até aquelas relações anteriormente denominadas de adulterinas, se enquadrarem-se nestas características serão consideras uniões estáveis.
1.4 Lapso Temporal
O Constituinte não declarou expressamente uma prazo especifico para que se configura-se uma entidade familiar, tendo em vista que o mesmo apenas quis demonstrar a afeição conjugal entre os companheiros, devendo então julgados examinar quanto a estabilidade daquela relação trazida à baila, nos moldes daquela exigida na Constituição. Consequentemente, aquelas prazos estabelecidos anteriormente foram revogados pela Constituição, inclusive o que determinava que a mulher comprovasse a união por um tempo igual ou superior a cinco anos para que fizesse jus à pensão, ou caso tivesse filhos comum ao casal, três anos.
Hodiernamente, o juiz se aterá a finalidade da união, não ao lapso temporal, ou seja, se a estrutura da união se parecer com a da família deve ela assim ser considerada a fim de receber a proteção do Estado.
Há a cogitação de um projeto de lei em que prevê prazos para a união estável seja assim considerada, onde decorrer 5 (cinco) anos, caso não haja filhos, e dois anos, caso haja. Ora, esta lei, caso aprovada, parece ir de encontro a norma constitucional, pois esta em nenhuma momento se pronuncia com relação ao tempo da união. Isso geraria efeitos negativos, como no exemplo a seguir: Suponhamos que um casal em união por 3 (anos), ininterruptos, sem filhos, decidem viajar. No caminho ao destino, sofrem um acidente automobilístico e um deles acaba fatalmente se vitimando. O prazo neste caso ainda não havia se completado para a caracterização da união estável. Ora, não poderá deixar de se considerar estável tal união, pois apresenta a característica “affectio maritalis”, o mero não preenchimento de lapso temporal disposto por lei infraconstitucional não poderia descaracterizar tal união.
1.5 A Constituição de 1998 e a Entidade Familiar
Neste diapasão, com o advento da Carta de 1988, as famílias naturais ou de fato passaram a receber apoio estatal, e evidentemente, não há mais o que se falar em marginalidade da lei no que tange as uniões livres.
A Súmula 382 do STF declara que a vida more uxório é dispensável para expressar o desejo de constituição de uma família, facilitando assim a caracterização de união e a divisão dos bens adquiridos em conjunto.
Atualmente, no que tange aos bens, estes são considerados de ambos, se adquiridos na constância do casamento, pois não se admite o enriquecimento de um em detrimento de outro, devendo assim ser partilhados após a dissolução da sociedade, salvo se existir previsão contrária em contrato escrito.
Não se pode mais exigir também a existência de filhos para que haja a união estável, portanto o requisito da procriação nas uniões matrimoniais ou estáveis não são mais exigências, como foi em outro momento.
Na verdade, doa a quem doer, o instituto da família, como vimos no capítulo anterior que traz a evolução histórica, sempre existiu desde os primórdios, muito antes de ser instituído o casamento religioso e o casamento civil. O legislador simplesmente pretendeu com esse dispositivo constitucional alcançar aquelas uniões que ficavam a sua margem, impondo-lhes não só direitos como obrigações semelhantes aqueles existentes no casamento.
Ora, sendo o Direito a expressão da evolução história-social da população, não se poderia estagnar o Direito de Família àquelas ideias ultrapassadas sobre a constituição familiar, devendo atender ao clamor social, ofertando segurança jurídica, garantindo o bem estar social e a dignidade dos seres humanos. Neste sentido, o reconhecimento da União Estável como entidade familiar, era medida que urgia tendo em vista os reclamos oriundos da sociedade desde a década de 1970.
Neste sentido, independentemente das divergências de opiniões pessoais e de doutrinadores com relação a este tema, o importante é que a Constituição tratou de abarcar a união estável como entidade familiar, devendo esta ser respeitada, repudiando-se toda e qualquer forma de preconceito e termo pejorativo para referenciá-la.
1.6 Leis atuais que disciplinam a presente matéria
A grande questão que pairou quando da inserção do artigo 226, parágrafo 3º da CF/88, foi de que se ela seria autoexecutável ou necessitaria de uma lei ordinária que a disciplinasse. Para maior segurança jurídica, entendeu-se a necessidade de uma lei que completasse tal dispositivo.
Neste diapasão, foram editadas as Leis nº 8.671/1994, regulando os Direitos dos Companheiros, e a Lei nº 9.278/1996, ambas com o intuito de disciplinar matéria. No entanto, sofreram inúmeras críticas dos operadores do Direito, sendo útil somente em determinado momento do nosso ordenamento jurídico.
A Lei 8.671 de 1994 foi a primeira lei a tratar especificamente sobre as uniões de fato entre homens e mulheres livres.
A Lei 8.971/1994 trouxe regulações sobre os alimentos e a sucessão das chamadas uniões estáveis, dando o direito para que os companheiros pudessem pleitear alimentos bem como herdar entre si.
Já a Lei 9.278/1996 diferenciou-se da anterior, tendo em vista que não fazia menção ao estado civil das pessoas, apenas exigia diferença de sexos. Esta lei trouxe uma série de inovações, tais como: deslocou a competência para solucionar litígios das Varas Civis para as Varas de Família; permitiu a conversão em casamento através de requerimento ao Oficial de Registro Civil, atribuiu o direito da habitação no imóvel familiar, deu direito a alimentos para o convivente necessitado em caso de dissolução da sociedade, etc.
Ocorre que tal legislação ainda vigente em nosso ordenamento jurídico, foi e ainda é alvo de discussão e críticas, sob o argumento de conter normas inconstitucionais, bem como dar a impressão de favorecer os conviventes em relação aos casados civilmente, o que acabou culminando na elaboração de um Projeto de “Estatuto da União Estável”, em tramitação atualmente.
No referido projeto de lei para que se caracterize a união estável, há critérios mais rígidos e objetivos, tornando mais difícil sua incidência, por exemplo, nela exige-se um prazo de cinco anos, ou dois em casos de filhos em comum e a possibilidade de realizar-se o casamento civil, beneficiando assim beneficiando somente as pessoas não impedidas. Os pontos inovadores foram no sentido de que os direis e deveres dos companheiros assemelharam-se aos do casamento, pois foram garantidos alimentos ao companheiro hipossuficiente em caso de dissolução da união, a substituição do dever de fidelidade pelo dever de lealdade. E no que tange aos bens, foi instituído o regime de comunhão parcial, salvo se estipulado diversamente entre as partes. Foi estabelecido também, o direito de usufruto e herança. E por derradeiro, para a conversão da unia em casamento, consumando o prazo legal, basta apenas a declaração dos companheiros comprovando a relação entre eles, dispensando-se, portanto, os proclamas e editais.
2. A PARTILHA DE BENS
2.1 Conceito
A partilha de bens é a divisão do patrimônio do casal adquirido durante a constância da união.
O artigo 1.575, do Código Civil, traz a possibilidade de partilhar bens quando ocorrida dissolução da sociedade e do vínculo conjugal, in verbis:
Art. 1.575 – A sentença de separação judicial importa a separação de corpos e a partilha de bens.
Parágrafo único. A partilha de bens poderá ser feita mediante proposta dos cônjuges e homologada pelo juiz ou por este decidida.
A doutrina pátria, a legislação vigente e a jurisprudência pacificaram o entendimento de que o partilhar bens não se limita apenas à herança, como também pode ser entendido em outros estudos, porém, pode se tratar da sentença que extingue o vínculo conjugal contendo a divisão dos bens do casal.
Baseando-se no dispositivo legal acima mencionado, se faz possível verificar a aplicabilidade da partilha de bens na união estável.
Na união estável são aplicadas as regras da partilha, preconizadas no Código Civil, para o casamento sob regime de comunhão parcial de bens. No entanto, os conviventes necessitam de um reconhecimento dessa união, mormente ao tempo de convivido para que seja definido o patrimônio comum a partilhar.
Neste passo, entende-se que os bens comuns do casal comprovadamente adquiridos durante o período de convivência, devem ser divididos na proporção de 50% para cada se houver a dissolução da união. Devendo ser excluídos da partilha os bens contraídos por apenas um dos companheiros antes do início da união estável ou aqueles comprados com o produto exclusivo da venda de outros bens anteriores à relação. Com este entendimento, Gildásio Pedrosa[3] exemplifica: “se um dos companheiros já possuía um imóvel antes de estabelecer a relação estável e vendeu para adquirir outra na constância da união, o valor oriundo da venda do bem anterior deve ser reservado e não entra na partilha”.
Cumpre ressaltar que bens adquiridos por herança ou doação também não devem ser objeto da partilha. Apenas se comprovada a intenção de beneficiar o casal, o que vem causando cada vez mais litígio no Judiciário.
Ainda, se durante a união estável os conviventes realizaram benfeitorias em um imóvel em que um deles era proprietário, o dono do bem tem o dever de indenizar o ex-companheiro com a metade gasta nas obras de melhoria do imóvel.
A jurisprudência tem entendido neste sentido:
SOCIEDADE DE FATO. NOIVADO. PARTILHA DE BENS. PROVA. 1. Havendo sociedade de fato, cabe a cada parte retirar o valor correspondente à contribuição que prestou para a consecução do resultado econômico ou patrimonial, sob pena de configurar enriquecimento sem causa. 2. Tendo a parte comprovado despesas para melhoria do bem, cabe ser ressarcida do valor que comprovadamente gastou. Recurso provido em parte. (Apelação Cível 70009420035, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, julgado em 06.10.04).
O entendimento acima assume que em processos que envolvam partilha de bens a tarefa se revela extremamente árdua, portanto, tem-se que o mais justo é dividir por metade os direitos e obrigações.
2.2 A Ação de Reconhecimento e Dissolução de União Estável
Para que se faça possível a partilha de bens diante da dissolução de uma união estável é necessário que seja ajuizada uma Ação de Reconhecimento e Dissolução de União Estável com Partilha de Bens. Neste processo judicial, ambos os conviventes tem a responsabilidade de fazer prova do tempo em que durou a união, bem como quais os bens devem ser partilhados. Se não houver litígio entre o casal, o procedimento pode ser realizado mediante escritura pública lavrada em cartório extrajudicial, desde que no momento da dissolução não haja filhos menores, situação em que requer a intervenção do Ministério Público. Em ambos os casos pelo menos um advogado deve ser contratado para orientar e formalizar o acordo firmado pelo casal.
A determinação do lapso temporal convivido é imprescindível para que sejam discriminados quais os bens que realmente serão partilhados. Em decorrência disso, a orientação mais benéfica é que os casais que vivem em união estável elaborem declaração por meio de escritura pública o momento em que iniciaram a união objetivando a constituição de uma família.
Esporadicamente é determinada a partilha de bens ainda que somente um dos companheiros mantenha a casa financeiramente, isto porque a Lei presume como sujeitos à partilha os bens conquistados onerosamente durante a união estável. Nas palavras de Gildásio Pedrosa: “Se não conseguir comprovar que o recurso para aquisição do bem na constância da união estável é proveniente de herança, doação ou sub-rogação de um bem anterior à união estável, o juiz presumirá que houve mutua colaboração e o bem terá que ser partilhado”.
É certo que quando as pessoas constituem a união estável, não pretendem dissolvê-la. Contudo é cada vez maior o número de casais que se separam. Portanto, nada mais razoável do que tomar cuidados antes e durante a convivência para não passar por aborrecimentos no futuro. Os comprovantes dos investimentos feitos pelos companheiros durante a união estável devem ser guardados, assim como os documentos que identificam a origem dos recursos. Além de facilitar a partilha dos bens do casal em eventual dissolução, esses comprovantes serão úteis em caso de conflito com os herdeiros do companheiro falecido[4].
CONCLUSÃO
Podemos concluir que o Direito de Família brasileiro sofreu profundas modificações em seus institutos, justamente devido às transformações culturais e sociais decorridas no seio de nossa sociedade.
Através da evolução histórica-social pudemos acompanhar que trilhamos por um direito eminentemente patriarcal, no qual o homem era o grande líder “déspota” do núcleo familiar, isto porque, submetia a mulher e filhos a seus ríspidos mandamentos, em seguida passamos para um Direito humanitário norteado pelo princípio da dignidade da pessoa humana, visando a proteção da vida e da liberdade. Nesta fase, já se afasta aquele direito preconceituoso e cria-se uma nova ordem jurídica, sendo esta mais humana e civilizada e menos brutal e materialista.
Logicamente as transições se deram lentamente, principalmente através de duas leis específicas, quais sejam: o Estatuto da Mulher Casada, e depois com a Instituição do Divórcio. Porém, foi somente após a promulgação da Constituição Federal de 1988 que as mudanças mais profundas aconteceram socialmente e legalmente falando.
Hodiernamente, temos um Direito de Família bem diferente daquele pautado no tradicionalismo, rigidez e descriminações, pois se dá ênfase ao principio fundamentador de todo o sistema jurídico: a dignidade da pessoa humana, em conjunto com os princípios da liberdade, igualdade e pluralismo de entidades familiares, entre outros.
O Princípio da Isonomia, um dos mais importantes nesta toada, foi estabelecido como cláusula pétrea na Constituição de 1988. Assim independente de origem, cor, raça, posição social, todos, sem distinção, são iguais perante a lei. Neste sentido, não há o que se falar, a partir deste marco, em líder ditador dentro do núcleo familiar. A mulher e os filhos passam a ser tratados com respeito e com paridade de direitos. Inclusive e principalmente aquela expressão discriminatória referindo-se a filhos tidos fora do casamento. que outrora existia, hoje em dia é expressamente proibida tal denominação sendo considerado ato discriminatório sujeito a sanções.
Deixamos para trás aquele Direito de Família com influências nítidas dos Direitos Romanos, Germânico e Canônico, para instaurar um novo modelo que atenda aos anseios sociais.
A Família, hoje, não precisa mais recorrer-se ao casamento para que seja considerada legítima, bastando sua finalidade e intuito de constituir um laço de afinidade, devendo esta ser respeitada e protegida pelo Estado. Obviamente, que o surgimento desta nova entidade, não deslegitima o casamento como ato formal, mas significa dizer que o casamento não é a única forma de ser entendida como constituição de família.
Pode-se afirmar, que o constituinte acabou com uma “hipocrisia” que sondava a sociedade, pois a uniões livres existiam há anos, porém eram ignoradas pela sociedade, por ser uma afronta ao direito familiar e aos bons costumes da época. Assim, milhares de famílias passaram a ser aparadas pelo novo ordenamento jurídico, passando os filhos a serem considerados iguais com paridade de tratamento, da mesma forma o homem e a mulher que encontram-se em pé de igualdade, repudiando-se a prevalência da figura masculina.
Denota-se do presente trabalho que com a evolução do reconhecimento da sociedade de fato a guarida do Estado teve de se fazer presente, considerando-se que se faz necessária a proteção dos direitos dos sujeitos em sua totalidade e o ordenamento jurídico deve abrigar as novas temáticas do cotidiano.
Ainda, do presente artigo podemos concluir que a partilha de bens é devida na união estável como garantia de direitos aos conviventes e sua prole. Sendo que adota-se a divisão do patrimônio como no regime de comunhão parcial de bens no matrimônio e a tutela jurisdicional pode ser auferida mediante ação de reconhecimento e dissolução de união estável.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
NADER, Paulo.Filosofia do Direito. 7ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1998.
DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. São Paulo: Saraiva, 1995.
DIAS, Maria Berenice. Manual do Direito das Famílias. 10ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.
BRASIL. Constituição Federal. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 25 de maio de 2015.
PEDROSA, Gildásio. A partilha de bens na dissolução da união estável. Disponível em: http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/7439/A-partilha-de-bens-na-dissolucao-da-uniao-estavel> Acesso em: 20 jun 2015.
PESSOA, Nélio Bicalho. União Estável no Código Civil de 2002: a partilha de bens. Evocati Revista. Ano 1, n. 4, abril. 2006. Disponível em: <http://www.evocati.com.br/evocati/artigos.wsp?tmp_codartigo=15> Acesso em: 20 jun. 2015.
[1]NADER, Paulo.Filosofia do Direito. 7ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1998.
[2] DINIZ, Maria Helena.Código Civil Anotado. São Paulo: Saraiva, 1995.
[3]PEDROSA, Gildásio. A partilha de bens na dissolução da união estável.
[4]PEDROSA, Gildásio.