Considerações acerca da partilha de bens na dissolução da união estável

Considerações acerca da partilha de bens na dissolução da união estável

Aborda aspectos relativos à partilha de bens na dissolução da união estável, considerando a evolução legislativa sobre o tema.

As uniões livres, informais, sempre existiram e, mesmo sem as formalidades e solenidades do casamento civil, produzem reflexos no campo jurídico, inclusive na esfera patrimonial.

Durante muito tempo, a palavra concubinato trazia uma carga de preconceito, de valoração negativa às pessoas que se encontravam envolvidas nessa forma de relacionamento. O concubinato era visto como uma forma de ligação imoral, também pela influência religiosa existente no país.

Essa pecha de preconceito da palavra concubinato foi amenizada pelo legislador na Constituição Federal de 1988, que a substituiu pela expressão união estável, conforme o artigo 226, atendendo aos anseios e evolução da própria sociedade e às mudanças dos costumes em relação aos assuntos relacionados à família.

O reconhecimento, pela Constituição Federal de 1988, da inegável realidade social das uniões de fato, oriundas da união estável como entidade familiar, provocou uma considerável evolução na ordem jurídica brasileira em relação ao conceito de família.

A família não é mais aquela somente constituída pelo casamento. A Constituição Federal de 1988 ampliou o conceito de família; a idéia se abriu, de forma universalizada, em direção a um conceito mais verdadeiro e real.

A Constituição Federal de 1988 definiu o conceito de família como base da sociedade de maneira mais ampla, reconhecendo a família de fato. Entretanto, o concubinato que a Constituição Federal visou proteger foi o puro, ou seja, aquela união entre homem e mulher sem impedimentos para contrair matrimônio. [1]

A mudança da dimensão da família, no Código Civil de 2002, deve-se ao fenômeno da constitucionalização do Direito Civil e à ligação com as transformações do fenômeno social, resultando numa nova postura, em que a afetividade assume dimensão jurídica. A proteção constitucional à família reconhece a união estável como entidade familiar, desde que a união, constituída por um homem e uma mulher, seja pública, contínua e duradoura, baseada no companheirismo, devendo-se proporcionar facilidade na sua conversão em casamento.

Diante do reconhecimento constitucional da união estável como entidade familiar, muitos reflexos jurídicos oriundos dessa união são observados, inclusive quando de sua dissolução, seja através da morte de um dos conviventes, do casamento, da vontade das partes ou do rompimento da convivência, gerando conseqüências, como o dever de alimentos, guarda de filhos, bem como a partilha de bens, seja em condições estabelecidas em lei, ou em situações previamente ajustadas em contrato.

No que concerne à partilha de bens adquiridos a título oneroso durante o período de convivência, observa-se uma sensível evolução. A Lei 8.971/94 tratava da meação somente em caso de morte de um dos companheiros, exigindo-se, para haver o direito à partilha, a prova da colaboração do companheiro na aquisição de bens durante a convivência, na forma prevista pela Súmula 380 do Supremo Tribunal Federal. [2]

Já a Lei 9.278/96 indicou como “presunção de condomínio” a aquisição de bens, com esforço comum, na constância da relação de união estável. Tal presunção não era absoluta, podendo ser ilidida, caso se comprovasse que determinados bens não foram adquiridos pelo trabalho e esforço comum. Verifica-se que a Lei 9.278/96 modificou a antiga linguagem da Súmula 380 do Supremo Tribunal Federal, assim como o disposto na Lei 8.971/94, ao atribuir a presunção da colaboração dos companheiros na formação do patrimônio comum. [3]

O legislador de 2002 estabeleceu o regime de comunhão parcial de bens entre os companheiros, salvo existência de contrato escrito, dispondo de maneira diversa sobre as relações patrimoniais. O artigo 1.725 do Código Civil de 2002 não abre a possibilidade de se provar o contrário para afastar o pretendido direito à meação, pois a união estável, nesse ponto particular, foi equiparada ao casamento realizado no regime da comunhão parcial de bens. [4]

Assim, sobre a partilha dos bens adquiridos durante a união estável, quando de sua dissolução em vida, verifica-se que o artigo 1.725 do Código Civil Brasileiro adotou a presunção de participação do convivente na metade dos bens adquiridos na constância da união.

Há que se ter uma visão mais abrangente e livre de qualquer concepção discriminatória, examinando-se todos os aspectos jurídicos referentes às parcerias sócio-afetivas resultantes do convívio e do afeto. É necessário afastar a pecha de ligação imoral que por muito tempo norteou o instituto do concubinato, para que se efetive o reconhecimento dessa realidade social.


Referências:

[1] CARVALHO NETO, Inacio de. Direito Sucessório do cônjuge e do companheiro. (Coleção Prof. Rubens Limongi França) São Paulo: Método, 2007, p. 167-168.

[2] LAZZARINI, Alexandre Alves. Et al. Repertório de jurisprudência e doutrina sobre direito de família, vol. 2 - Aspectos constitucionais, civis e processuais. Coordenadora: Teresa Arruda Alvim. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 81.

[3] AZEVEDO, Álvaro Villaça. Estatuto da família de fato: de acordo com o novo código civil, Lei n° 10.406, de 10-01-2002, 2 ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 353.

[4] OLIVEIRA, Euclides de. União Estável - Do concubinato ao casamento. 6. ed. São Paulo: Método, 2003, p. 427.

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Izabela Yassue
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