Quanto custa o direito violado quando a moral é atingida?

Quanto custa o direito violado quando a moral é atingida?

Caracterizado o dano moral, vem a pergunta: quanto custa o direito violado quando a moral é atingida? Essa pergunta é de difícil análise e é objeto de muitas discussões.

1. Introdução

Antes de passar a análise histórica ou até mesmo da caracterização do dano moral e seus reflexos jurídicos, é necessária uma breve análise dos direitos que são tutelados e ao mesmo tempo violados quando da ocorrência daquele.

Destarte, já no preâmbulo da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, há expressa homenagem do Legislador Constituinte aos direitos sociais e individuais, especialmente à liberdade, segurança, bem-estar, desenvolvimento, igualdade e justiça como valores supremos da sociedade brasileira.

Somado a isso, diversos são os dispositivos no ordenamento jurídico pátrio brasileiro que visam tutelar o direito a honra, imagem e dignidade da pessoa, sem contar que este último é amparado a nível internacional.

Nesse aspecto, o objeto do presente artigo diz respeito àquele dano que viola os direitos ventilados, sobretudo porque o moral é aquele dano que abala a honra, a boa-fé e/ou a dignidade da pessoa.

O estudo presente objetiva, a partir desse ponto, explanar um tema controvertido que diz respeito aos critérios para quantificação da indenização decorrentes do dano moral.

2. Evolução histórica do dano moral

Longe de esgotar o tema ou de especificar todas as legislações correlatas, passaremos a análise das principais delas que trataram sobre o tema.

A análise doutrinária aponta que o primeiro Código que se tem conhecimento acerca do dano e sua reparação foi o de Ur-Nammu, imperador da Suméria,considerada, por muitos, a civilização mais antiga da humanidade, antiga Mesopotâmia, em meados de 2140 e 2040 a.C., que apresentava um caráter pecuniário para a reparação do dano.

Posteriormente, foi editado o Código de Hamurabi (rei da Babilônia, em 1795-1750 a.c), que previa sanção com violência física, pois tinha por base o conhecido jargão “olho por olho e dente por dente”.

Outra codificação que abordava a reparação do dano era a LEI DAS XII TABUAS, editada em Roma, no ano 390 a.C., a qual estabeleceu uma indenização com duplo caráter para a reparação do dano, qual seja a pena sobre a integridade física do autor ou perda pecuniária.

Ulterior legislação, também importante, foi as Leis de Manu, vigente na Índia antiga, editada no século II a.C,, que aponta a reparação do dano através de um valor pecuniário.

Mais recentemente, na França, o Código Napoleônico, no ano de 1804,também tratou sobre o tema e estabelecia que o causador do dano era obrigado a repará-lo, desde que configurada a sua culpa, passando uma noção bem ampla do instituto que tanto poderia abranger as lesões de ordem material ou não patrimonial.

No Brasil, o estudo doutrinário aponta que o dano moral sofreu muita resistência para ser admitido no ordenamento jurídico, até que a Constituição Federal do ano de 1988, passou a aceitar, de forma plena, a existência do dano moral e sua reparação (art. 5º, X).

Passadas essas breves considerações, analisaremos o aspecto central do tema, qual seja o dano moral em si e sua reparação, a partir da legislação atualmente vigente.

3. Conceito de dano moral

A doutrina ainda não assentou, em bases sólidas, e nem poderia, o conceito de dano moral, sobretudo em razão da evolução de cada sociedade.

Apesar disso, traremos breves conceitos, hoje existentes, acerca do dano moral.

SILVA (2013) conceitua como sendo danos morais:

“lesões sofridas pelo sujeito físico ou pessoa natural de direito em seu patrimônio ideal, entendendo-se por patrimônio ideal, em contraposição ao patrimônio material, o conjunto de tudo aquilo que não seja suscetível de valor econômico. Jamais afetam o patrimônio material, como o salienta Demogue. E para que facilmente os reconheçamos, basta que se atente, não para o bem sobre que incidiram, mas, sobretudo, para a natureza do prejuízo final. Seu elemento característico é a dor, tomado o termo em seu sentido amplo, abrangendo tanto os sofrimentos meramente físicos, quanto os morais propriamente ditos. Danos morais, pois, seriam, exemplificada-mente, os decorrentes das ofensas à honra, ao decoro, à paz interior de cada qual, às crenças íntimas, aos sentimentos afetivos de qualquer espécie, à liberdade, à vida, à integridade corporal.”

Braga (2013) ao citar José Cretella Júnior, elucida o conceito de dano como sendo “um desequilíbrio sofrido pelo sujeito de direito, pessoa física ou jurídica, atingida no patrimônio ou na moral, em consequência da violação da norma jurídica por fato ou ato alheio” (g.n.)

Barros (2012) ao tratar sobre o tema deixou certo que entendia como “dano moral o menoscabo sofrido por alguém ou por um grupo como conseqüência de ato ilícito ou atividade de risco desenvolvida por outrem capaz de atingir direitos da personalidade e princípios axiológicos do direito, independentemente de repercussão econômica”.

LOUREIRO (2007) ao tratar sobre o assunto registra:

“(...) O dano moral, segundo a doutrina mais autorizada, é o sofrimento humano não causado por perda pecuniária, é a “dor do espírito”, o sofrimento da alma, que pode ser causado por um atentado contra a honra, a imagem, o pudor e outros direitos personalíssimos (...)

Entendemos, tal como explanado na parte introdutória, que o dano moral é aquele que abala a honra, a boa-fé ou a dignidade da pessoa, que a expõe a situações degradantes, vergonhosas, de completa insatisfação.

Portanto, de todos os conceitos aqui demonstrados, verifica-se que o conceito de dano moral é aberto e depende do intérprete.

4. Da caracterização do dano moral

A exposição da vítima a situações degradantes, vergonhosas, de completa insatisfação constituem o dano moral.

Destarte, alegado o dano moral deve-se avaliar os pressupostos necessários à sua reparação, que nem sempre é fácil na análise do caso concreto.

Nesse contexto, há quem defenda a necessidade da comprovação da dor e há aqueles que sustentam a necessidade não da prova da dor, que é presumida, mas de comprovação do nexo de causalidade entre o dano causado e o ato do agente.

Assim, a primeira vertente doutrinária defende que não se pode restringir apenas à narrativa dos fatos, deve a vítima demonstrar a extensão da lesão sofrida, até porque, será o parâmetro para fixação da indenização na hipótese de condenação do agressor.

Já uma segunda vertente sustenta a impossibilidade de prova do dano moral, decorrendo in re ipsa, ou seja, o dano é presumido, basta apenas a prova do nexo causal entre a conduta do agente e o dano alegado. Nesse contexto, há forte entendimento jurisprudencial que vem acolhendo esse segundo posicionamento.

Essa última corrente defende que não se está em questão a prova do prejuízo, e sim a violação de um direito a personalidade, constitucionalmente previsto.

Diante disso, caberá ao julgador, de acordo com o seu livre convencimento, seguir uma das duas correntes para acolher ou não a pretensão do dano moral postulado.

5. Critérios de Quantificação do Dano Moral

Caracterizado o dano moral, vem a pergunta: quanto custa o direito violado quando a moral é atingida? Essa pergunta é de difícil análise e é objeto de muitas discussões.

Com efeito, o ordenamento jurídico não fornece critérios específicos para a fixação do valor da indenização do dano moral, o que fez com que a jurisprudência a apontasse para o prudente arbítrio do juiz.

LOUREIRO (2007) ao tratar sobre o assunto aduz:

“(...) O fato de o dano moral não ser passível de quantificação pecuniária não isenta o autor do ato ilícito que lhe deu causa do dever de indenizar. É verdade que, sob o ponto de vista patrimonial, indenizar é tornar indene, isto é, repor as coisas ao estado anterior, colocar alguma coisa no lugar do bem lesado. Não obstante, em se tratando de dano moral, tem-se aceitado que a indenização tem por objetivo minorar o sofrimento da vítima e ao substituir o bem lesado.”

Com efeito, entendemos que para quantificação do quantum indenizatório deve o magistrado observar a extensão do dano (art. 944, do Código Civil), capacidade econômica das partes a fim de evitar enriquecimento sem causa de qualquer delas, responsabilidade social e o grau de culpa, já que inexiste legislação taxativa e nem poderia, já que depende da casuística.

Por todo o explanado, ainda que não haja previsão legal expressa, de acordo com o ventilado prudente arbítrio deve o juiz pautar pela observância aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, estimando uma quantia compatível com a gravidade do dano, a condição econômica das partes e que, ainda, represente um desestímulo à continuidade desta ação lesiva.

6. Conclusão

Tal como abordado no presente artigo o dano moral se configura quando existe lesão a direito da personalidade, mas é um conceito aberto, que depende da análise do intérprete.

Destarte, como menciona o Juiz de Direito, ANDRADE (2008), “o dano moral é, em verdade, um conceito em construção. A sua dimensão é a dos denominados direitos da personalidade, que são multifacetados, em razão da própria complexidade do homem e das relações sociais.”

Nesse contexto, caberá ao aplicador do direito a melhor interpretação para a preservação dos direitos da personalidade, direitos estes elevados seja no plano nacional, seja no internacional.

Relevante notar que, com o desenvolvimento social, o conceito de dano moral e os critérios de reparação do dano tendem, fatalmente, a serem ampliados, para alcançarem situações hoje ainda não sopesadas.

Esse alargamento, sem dúvidas, trará excelente tributo para a formação de uma sociedade que respeita, efetivamente, os direitos da personalidade e que os tutela em face de sua violação.

7. Bibliografia

BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho, 8ª Edição. São Paulo: LTr, 2012.

LOUREIRO, Luiz Guilherme. Curso de Direito Civil, São Paulo: Método, 2007.

http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11819.DANO MORAL: UM ESTUDO SOBRE SEUS ELEMENTOS. Autor: PABLO DE PAULA SAUL SANTOS. Acesso em 08.03.2013

http://pt.wikipedia.org/wiki/C%C3%B3digo_Napole%C3%B4nico.CÓDIGO NAPOLEÔNICO. G. LEVASSEUR, Napoléonetl'élaborationdescodesrépressifs (Mélangesenhomme à Jean Imbert, PUF, 1989 p. 371). Acesso em 11.03.2013

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Sobre o(a) autor(a)
Joana Roberta Gomes Marques
Joana Roberta Gomes Marques. Advogada atuante nas áreas Cível, Empresarial e Trabalhista. Consultora Jurídica. Pós-graduada em Direito Processual Civil, Penal e Trabalhista e em Direito do Trabalho. Especialista em Direito do...
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