Considerações, conceitos e finalidades do controle de constitucionalidade

Considerações, conceitos e finalidades do controle de constitucionalidade

A Constituição da República Federativa do Brasil é considerada de caráter rígida, e portando, a supremacia constitucional é considerada formal, estando expressamente prevista no texto da Carta Magna.

O controle de constitucionalidade é um dos instrumentos mais antigo e necessário utilizado na defesa da ordem constitucional de um determinado Estado.

Desta feita cumpre estabelecer o que vem a ser o controle de constitucionalidade, e para que fim seja utilizado no sistema estatal, tema relevante e essencial, o qual é muito debatido dentro da disciplina do direito constitucional.

Pois bem, o grande mestre Manoel Gonçalves Ferreira Filho em sua obra Constituição e Governabilidade dispõem com extrema inteligência que lhe é peculiar o conceito de controle de constitucionalidade dispondo:

Controle de constitucionalidade é, pois, a verificação da adequação de um ato jurídico (particularmente da lei) à Constituição. Envolve a verificação tanto dos requisitos formais – subjetivos, como a competência do órgão que o editou – objetivos, como a forma, os prazos, o rito, observados em sua edição – quanto dos requisitos substanciais – respeito aos direitos e às garantias consagrados na Constituição – de constitucionalidade do ato jurídico.[1]

Neste mesmo entorno o constitucionalista Uadi Lammêgo Bulos, estabelece que o controle de constitucionalidade, “é o instrumento de garantia da supremacia constitucional. Serve para defender a constituição das investidas praticadas pelos poderes públicos, e, também, dos atos privados atentatórios à magnitude de seus preceitos.”[2]

Veja que o autor afirma ser o controle de constitucionalidade uma garantia da supremacia constitucional. Mas o que vem a ser a supremacia constitucional?

Acerca do princípio da supremacia constitucional, Sylvio Motta e William Douglas, em estudo sobre o controle constitucional, assim lecionam:

Este princípio é próprio de constituições escritas e rígidas (ou semi-rígidas), consistindo em elevar a Constituição ao ponto mais alto do ordenamento jurídico nacional, dotando-a de caráter soberano. Na concepção douta de Gerges Burdeau, a superioridade do Poder Constituinte confere à superfície jurídica estatal dupla categoria de normas: constitucional e ordinária. É precisamente dessa superioridade da função constituinte em relação à função de revisão que surge a certeza de rigidez constitucional. Sem essa distinção hierárquica não seria possível um eficaz sistema de controle de constitucionalidade. Nunca será demais lembrar: o problema do controle de constitucionalidade só existe diante de constituições rígidas ou semi-rígidas, já que apenas nelas se considera que a constituição é superior, não podendo as demais normas contraporem suas determinações.[3]

Destarte, a supremacia constitucional ainda pode ser considerada material ou formal, ao passo, que a primeira é peculiaridade de Constituições não escritas. Já a segunda refere-se à materialização da constituição, ou seja, a um texto solenemente escrito, observado a cultura do povo, realidade histórica, social e econômica.

A Constituição da República Federativa do Brasil é considerada de caráter rígida, e portando, a supremacia constitucional é considerada formal, estando expressamente prevista no texto da Carta Magna.

Não obstante a supremacia constitucional tem a ver com a garantia de uma nação independente, determinando ainda que todos observem a Lei Maior daquele Estado, sob a possibilidade de estar se desrespeitando os valores e princípios de um povo.

Rodrigo Pires da Cunha Boldrini, em importante trabalho denominado Aspectos Gerais do Controle de Constitucionalidade, refere-se ao princípio da supremacia constitucional, aduzindo “O princípio da supremacia da constituição seria princípio jurídico-constitucional, geral e informador da ordem jurídica nacional, expressão lógica da hierarquia presente no sistema, no ordenamento jurídico. Ora, se um mandamento superior deve prevalecer sobre um mandamento inferior, uma norma constitucional, como mandamento superior, deve também prevalecer sobre normas infraconstitucionais, mandamentos inferiores. Ademais, no caso de contradição entre normas, um dos critérios dirimentes ventilados pela doutrina seria o hierárquico, pelo qual prevaleceria uma norma hierarquicamente superior sobre uma norma hierarquicamente inferior. [...] O princípio da supremacia da Constituição estabelece que as normas constitucionais são superiores e prevalecem sobre as normas inferiores.”[4]

Por oportuno destaca-se as palavras de Ronaldo Poletti, o qual enfatiza com maestria a respeito do tema abordado:

Assim, sendo, o tema do controle de constitucionalidade das leis, baseado no principio da supremacia da Constituição, implica colocar a Carta Magna acima de todas as outras manifestações de Direito, as quais, ou são com ela compatíveis ou nenhum efeito devem produzir. Se a lei ordinária, o estatuto privado, a sentença judicial, o contrato, o ato administrativo etc. não se conformarem com a Constituição, devem ser fulminados por uma nulidade incomum, qual seja, aquela proveniente da Lei Maior, com base no principio da Supremacia da Constituição.[5]

Portanto, verifica-se precisamente que o fundamento do controle de constitucionalidade encontra-se na supremacia da Constituição Federal, cujos mandamentos devem ser estritamente observados quando da criação de leis e demais atos normativos.

O doutrinador Bulos entende que não se pode continuar a admitir que para haver o controle de constitucionalidade, as constituições precisam necessariamente ter caráter rígido, uma vez que somente do ponto de vista formal pode-se admitir a rigidez como paradigma para o exercício do controle de constitucionalidade.

O referido autor julga que da ótica material, não se pode afirmar que na falta de controle de uma determinada constituição, esta ficaria sem qualquer proteção dispondo que a força de grupos sociais, os costumes e o bom senso, influenciariam para a segurança da ordem constitucional.[6]

Acrescenta ainda o nobre Autor e dá como exemplo a Constituição da Inglesa, a qual é flexível, sendo que do ponto de vista formal, inexiste controle de constitucionalidade, mencionando que não há distinção entre leis constitucionais e leis ordinárias, faltando ao sistema inglês mecanismos de fiscalização das normas. Ocorre que sob a ótica material, a Constituição britânica possui sim um controle de constitucionalidade, sendo informal, não estando escrito em lugar algum, mas encontram-se encravado na cultura do povo, nos costumes, praxes e documentos jurídicos, estes preservados pelo parlamento.

No mesmo compasso é importante observar que a adoção do controle de constitucionalidade em um determinado Estado deve-se respeitar quatro fundamentos essenciais, dentre eles [...] primar pela estabilidade constitucional do Estado – um dos pré-requisitos para a existência do controle de constitucionalidade é garantir a estabilidade constitucional do Estado, mantendo a paz coletiva; garantir a supremacia constitucional em face dos atos do Poder Público – o controle de constitucionalidade é exercido sobre os atos legislativos (as leis, propriamente ditas), executivos (medidas provisórias e deliberações administrativas em geral) e jurisdicionais (regimentos internos de tribunais e atos judiciais); preservar o bloco de constitucionalidade da Constituição Federal – bloco de constitucionalidade é o conjunto de normas e princípios, extraídos da constituição, que serve de paradigma para o Poder Judiciário averiguar a constitucionalidade das leis. [...] assegurar os direitos e garantias fundamentais – fundamento basilar do controle de constitucionalidade é a proteção dos direitos e garantias fundamentais, porque existe uma tábua de valores na sociedade que deve ser preservada das injunções estritamente políticas, das decisões que contrariam a legitimidade democrática [...] [7]

Ademais, o respeitável e homenageado doutrinador Alexandre de Moraes, conceitua e demonstra a finalidade do controle de constitucionalidade, com total propriedade, dispondo que A idéia de controle de constitucionalidade está ligada à Supremacia da Constituição sobre o todo o ordenamento jurídico, e, também, à rigidez constitucional e proteção dos direitos fundamentais. [...] aponta a primordial finalidade do controle de constitucionalidade, qual seja, a proteção dos direitos fundamentais [...] Controlar a constitucionalidade significa verificar a adequação (compatibilidade) de uma lei ou de um ato normativo com a constituição, verificando seus requisitos formais e materiais. Dessa forma, no sistema constitucional brasileiro somente as normas constitucionais positivadas podem ser utilizadas como paradigma para a analise da constitucionalidade de leis ou atos normativos estatais (blocos de constitucionalidade).[8]

Diante disso, é possível determinar por meio do ensinamento do mestre Moraes que o controle de constitucionalidade configura-se nitidamente como garantia da supremacia da Constituição, assegurando os direitos e demais garantias fundamentais nela instituída, permitindo ainda o traçar dos limites dos poderes supremos, determinando os deveres e conseqüentemente tornando possível o processo democrático no Estado de Direito.[9]

Na concepção de Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino, o controle de constitucionalidade situa-se “somente nos ordenamentos de Constituição escrita e rígida é possível a realização do controle de constitucionalidade das leis da forma como o conhecemos e estudamos. Unicamente nesses sistemas jurídicos podemos falar, propriamente, em normas infraconstitucionais que, como tais, devem respeitar a Constituição. Significa dizer que para uma norma ter validade dentro desses sistemas há que ser produzida em concordância com os ditames da Constituição, que representa fundamento de validade. A Constituição situa-se no vértice do sistema jurídico do Estado, de modo que as normas de grau inferior somente valerão se forem com ela compatíveis.”[10]

 Para os autores citados a Constituição passa a ser a base para toda e qualquer elaboração de leis e atos normativos, os quais deverão respeitar os traçados da carta magna, bem como o processo constitucionalmente previsto, sob o risco de incorrer em vícios insanáveis de inconstitucionalidade.

Diante de tudo o que se relatou evidente que o controle de constitucionalidade vem a assegurar o princípio da supremacia constitucional, mostrando-se um meio instrumental ideal para a garantia de um estado democrático de direito, assegurando aos cidadãos do estado os direitos e garantias fundamentais elencados na Carta política.

O controle de constitucionalidade é necessário para que o poder soberano estatal funcione de modo transparente e sem ilegalidades, extirpando todo e qualquer abuso e ilegalidade cometido por quem transitoriamente detém o poder.

REFERÊNCIAS:

[1] FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 35. ed. São Paulo: Saraiva: 2009.

[2] BULOS, Uadi Lammêgo. Direito constitucional ao alcance de todos. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

[3] MOTTA, Sylvio; DOUGLAS, William. Controle de constitucionalidade: uma abordagem teórica e jurisprudencial. 3. ed. Rio de Janeiro: Impetus Ltda, 2004.

[4] BOLDRINI, Rodrigo Pires da Cunha. Aspectos gerais do controle de constitucionalidade. Disponível em: <http://www.franca.unesp.br/ASPECTOS%20 CONTROLE%20CONSTITUCIO NALIDADE.pdf>. Acesso em: 10 out. 2011.

[5] POLETTI, Ronaldo. Controle da constitucionalidade das leis. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998.

[6] MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2004.

[7] VICENTE, Paulo. ALEXANDRINO, Marcelo. Direito constitucional descomplicado. 4. ed. São Paulo: Ed.Método: 2009.

[1] FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Constituição e governabilidade: ensaios sobre a (in) governabilidade brasileira. 31. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 34.

[2] BULOS, Uadi Lammêgo. Direito constitucional ao alcance de todos. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 160.

[3] MOTTA, Sylvio; DOUGLAS, William. Controle de constitucionalidade: uma abordagem teórica e jurisprudencial. 3. ed. Rio de Janeiro: Impetus Ltda, 2004, p. 10.

[4] BOLDRINI, Rodrigo Pires da Cunha. Aspectos gerais do controle de constitucionalidade. Disponível em: <http://www.franca.unesp.br/ASPECTOS%20CONTROLE%20CONSTITUCIO NALIDADE.pdf>. Acesso em: 10 out. 2011.

[5] POLETTI, Ronaldo. Controle da constitucionalidade das leis. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 3.

[6] BULOS, Uadi Lammêgo. Direito constitucional ao alcance de todos. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 160.

[7] BULOS, Uadi Lammêgo. Direito constitucional ao alcance de todos. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 160-161.

[8] MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 598-600.

[9] MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 599.

[10] VICENTE, Paulo. ALEXANDRINO, Marcelo. Direito constitucional descomplicado. 4. ed. São Paulo: Ed. Método, 2009, p. 690.

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Luan Pedro Bittarello
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