A ilegalidade da cobrança de consumação mínima

A ilegalidade da cobrança de consumação mínima

O art. 39, I do CDC proíbe os fornecedores de impor limites quantitativos na venda de produtos e serviços. Saiba o que fazer quando for vítima da cobrança de consumação mínima.

INTRODUÇÃO

É muito comum sair a noite para se divertir em bares, danceterias, casas noturnas e nos depararmos, na entrada, com uma cobrança chamada popularmente de “consumação mínima”.

Mas afinal, o que é essa consumação mínima?

É uma taxa mínima, estabelecida unilateralmente pelos donos de bares e casas noturnas, que os clientes são obrigados a consumir ao entrar no estabelecimento. Caso a pessoa não queira ou não consiga consumir o valor pago, não terá seu dinheiro de volta, ou seja, não há escolha: ou consome a sua cota ou irá pagar por algo que não consumiu.

Embora seja uma prática muito comum, essa cobrança é condenável desde 1991, quando entrou em vigor a Lei Federal nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor – CDC).

A presente reportagem visa apontar os impedimentos legais previstos no Código de Defesa do Consumidor e em algumas leis estaduais; pretende também apresentar as alternativas que nós, consumidores, temos a disposição para não sermos mais vítima dessa prática abusiva.

O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

O CDC estabeleceu no art. 39 algumas práticas consideradas abusivas e, portanto, proibidas.

Práticas abusivas, de acordo com Rizzatto Nunes[1], “são ações e/ou condutas que, uma vez existentes, caracterizam-se como ilícitas, independentemente de se encontrar ou não algum consumidor lesado ou que se sinta lesado. São ilícitas em si, apenas por existirem de fato no mundo fenomênico.”

A impossibilidade da cobrança de consumação mínima se encontra no art. 39, inciso I, segunda parte, que assim preceitua:

Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:

I - condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos;”

Segundo Antonio Herman Benjamin[2]: “O limite quantitativo é admissível desde que haja justa causa para sua imposição. Por exemplo, quando o estoque do fornecedor for limitado. (...)

A justa causa, porém, só tem aplicação aos limites quantitativos que sejam inferiores à quantidade desejada pelo consumidor. Ou seja, o fornecedor não pode obrigar o consumidor a adquirir quantidade maior que as necessidades.”

É possível impor limites quantitativos desde que haja justo motivo. No caso de cobrança de consumação mínima não há justificativa alguma para se determinar o valor mínimo de consumação. O que os donos de bares e casas noturnas poderiam fazer é cobrar um valor fixo de ingresso para a entrada no estabelecimento. Isso reduziria o valor cobrado a título de consumação mínima e o consumidor não seria obrigado a consumir ou a pagar por algo que não queira.

Como se pode perceber, a imposição de pagamento de consumação mínima é uma prática que se encaixa perfeitamente na abusividade prevista no art. 39, I. O consumidor não pode entrar num estabelecimento e já ter definido um valor mínimo que deverá consumir.

LEGISLAÇÕES ESTADUAIS QUE PROIBEM A CONSUMAÇÃO MÍNIMA

Seguindo a orientação do Código de Defesa do Consumidor, alguns estados brasileiros editaram leis proibindo expressamente a cobrança de consumação mínima em bares, boates e casas noturnas. É o caso, por exemplo, do estado do Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Goiás etc. Outros estados já criaram projetos de leis para proibir expressamente tal prática.

Abaixo estão algumas leis estaduais que vedam a cobrança ilegal de consumação mínima.

  • Estado de São Paulo

O governador Geraldo Alckmim, no dia 1º de março de 2005, sancionou a lei nº 11.886/05 que proíbe a cobrança da consumação mínima nos bares, boates e congêneres.

Além de proibir a cobrança direta de consumação mínima, a lei também proibe todo e qualquer subterfúgio (oferecimento de drinks, vales de toda espécie, brindes, etc) utilizado pelas casas noturnas para, mesmo disfarçadamente, efetuar a cobrança citada.

Os artigos que previam multa no caso de desobediência à lei foram vetados com a argumentação de que a multa já está prevista no próprio Código de Defesa do Consumidor (art.57 parágrafo único).

Embora essa lei ainda esteja esperando regulamentação, o Procon, fundação de direito público vinculado à Secretaria de Justiça e da Defesa da Cidadania do Estado de São Paulo, é uma entidade que possui o dever de fiscalizar e punir os estabelecimentos comerciais que insistem em desrespeitar os dispositivos legais previstos no CDC e na lei 11.886/05.

  • Estado do Paraná

No dia 4/05/05 foi sancionado a Lei estadual nº 14.684/05 que proibe a chamada consumação mínima, porém permite a cobrança de valores a título de ingresso, ou entrada, ficando apenas vedada a vinculação destes ao consumo de quaisquer outros produtos.

O valor da multa para quem descumprir os dispositivos da lei é de 100 vezes o preço cobrado pela "consumação obrigatória" ou "consumação mínima".

  • Estado de Goiás

O Estado de Goiás sancionou no dia 18/10/2005 a Lei nº 15.427/05 que foi regulamenta pelo Decreto nº 6.326/05 (sancionado no dia 12/12/2005). A referida lei entrou em vigor em janeiro de 2006.

A lei 15.427/05 estipulou multa de R$ 500,00 no caso de descumprimento. Havendo reincidência, a multa será cobrada em dobro.

O parágrafo único do art. 1° do Decreto nº 6.326/05 determina que a consumação mínima é caracterizada quando há condicionamento do fornecimento de mercadorias e/ou serviços a limites quantitativos mínimos, onde o valor correspondente ao consumo mínimo estabelecido, unilateralmente, pelo estabelecimento fornecedor é cobrado de forma antecipada, na entrada, sem que o consumidor tenha direito à restituição da quantia excedente à efetiva consumação.

  • Estado do Rio de Janeiro

Desde outubro de 2003, com a entrada em vigor da Lei nº 4.198/03, está proibido às casas noturnas, bares e boates do Estado do Rio de Janeiro, condicionar o fornecimento de produtos e serviços a limites quantitativos, bem como ao fornecimento de outro produto ou serviço, ainda que a título de consumação mínima.

Além de proibir a cobrança de consumação mínima, essa lei ainda prevê que não será possível cobrar multa ou taxa abusiva por extravio das comandas, considerando abusivo o valor igual ou superior a 2 vezes o valor do ingresso local. Nos estabelecimentos que comercializem refeições a peso, o valor da cobrança pelo extravio do registro de pesagem, não poderá ultrapassar a importância equivalente ao valor de 1 Kg de produto comercializado.

O valor da multa para quem descumprir os dispositivos da Lei 4.198/03 estão previstos na Lei Estadual n º 3.906/02.

  • Estado de Minas Gerais

No Estado de Minas Gerais o Projeto de Lei nº 931/03 determinava aos estabelecimentos comerciais, que cobravam consumação mínima, a obrigatoriedade de informar ao consumidor de forma clara e visível o valor dessa cobrança. Por esse projeto, estaria autorizado a cobrança de consumação mínima. Houve uma mobilização por parte dos órgãos de defesa dos consumidores e o referido projeto foi integralmente vetado.

É importante ressaltar que, embora essas leis estaduais proibem expressamente a cobrança de consumação mínima, esta já é proibida pelo Código de Defesa do Consumidor. Sendo assim, os estabelecimentos comerciais, que se situam em estados que ainda não tenham editado leis que a proibam de maneira expressa, não podem determinar o valor mínima que o consumidor é obrigado a consumir.

A COBRANÇA DE CONSUMAÇÃO MÍNIMA É CRIME?

O Título II do Código de Defesa do Consumidor (art. 61 a 80) trata das infrações penais, ou seja, estabelece os crimes contra as relações de consumo.

Alguns advogados consideram que a cobrança de consumação mínima se encaixa no crime previsto no art. 66 do CDC, in verbis:

Art. 66. Fazer afirmação falsa ou enganosa, ou omitir informação relevante sobre a natureza, característica, qualidade, quantidade, segurança, desempenho, durabilidade, preço ou garantia de produtos ou serviços:

Pena - Detenção de três meses a um ano e multa.”

O que o legislador pretendeu com esse artigo foi punir o fornecedor que falta com a verdade com relação aos produtos e serviços ofertados, ou seja, que faz uma afirmação inverídica ou deixa de passar uma informação relevante ao consumidor sobre o produto ou serviço que está adquirindo.

Os donos de bares, casas noturnas e boates se enquadram neste artigo pelo fato de que passa ao consumidor, no momento da entrada, a falsa informação que: ou consome o valor mínimo ou paga pelo que não consumiu. Como já vimos, essa é uma prática vedada pelo art. 39, I. Por isso, a informação passada ao consumidor é inverídica, pois não é obrigado a consumir o valor mínimo imposto pela casa.

A palavra “informação” não se confunde com a palavra “publicidade”. O próprio CDC faz essa distinção, o que se evidência principalmente no art. 30 que assim começa: “ toda informação ou publicidade ...” . Rizzato Nunes, em comentário a colocação acima, diz[3] “a norma propositalmente não fala apenas em “publicidade”, mas também “informação”. Isso significa dizer que ela sabe que uma é diversa da outra, ou mais precisamente pode-se dizer que toda publicidade veicula alguma (algum tipo de) informação, mas nem toda informação é publicidade.”

O conceito de informação é mais amplo do que o conceito de publicidade. Segundo o mesmo autor, a informação é oferecida por todo e qualquer meio de comunicação escrita, verbal, gestual etc. que chegue ao consumidor[4].

Por essa distinção, pode-se perceber que não é necessário algum tipo de meio publicitário (anúncio, folhetos, cartazes etc.) para que a casa noturna incorra no crime do art. 66. Basta que o consumidor, para entrar ou sair do estabelecimento, seja informado que é necessário o pagamento de um valor mínimo de consumação.

FUI VÍTIMA DESSA COBRANÇA. O QUE FAZER?

A vítima da cobrança ilegal de consumação mínima possui duas alternativas:

1ª alternativa: Caso entenda se tratar de crime previsto no art. 66 do CDC, poderá chamar a polícia. O autor do ato ilícito e a vítima serão conduzidos até a delegacia onde será feito um termo circunstanciado e o proprietário responderá por um processo criminal, caso não haja conciliação na audiência preliminar.

2ª alternativa: Seguindo a orientação do Procon, a vítima deve pagar o valor estipulado, exigir a nota fiscal discriminada e, posteriormente, procurar o próprio Procon para pedir a restituição do valor indevidamente pago.

Segundo Benjamim[5], o fornecedor estará sujeito “além de sanções administrativas (v. g., cassação de licença, interdição e suspensão de atividade, intervenção administrativa) e penais, as práticas abusivas detonam o dever de reparar. Sempre cabe indenização pelos danos causados, inclusive os morais, tudo na forma do art. 6, VII (CDC). (...). Finalmente as práticas abusivas, quando reiteradas, impõem a desconsideração da personalidade jurídica da empresa (art.28 do CDC).”

CONCLUSÃO

A cobrança de consumação mínima é uma prática ilegal, imoral e abusiva. Os fornecedores/comerciantes não podem impor os limites quantitativos que seus clientes são obrigados a consumir ao entrar na casa noturna, bares e boates.

Quem for vítima dessa prática abusiva, deve procurar o Procon de sua cidade, informar o ocorrido e solicitar as medidas administrativas (multas, interdição, etc) e judicias (recuperação do dinheiro pago indevidamente e eventual indenização por dano moral) cabíveis. Não podemos mais aceitar que passem por cima de nossos direitos.

[1]NUNES, Rizzatto. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. Pág. 470. 2ª edição.2005. Editora Saraiva.

[2]BENJANIN, Antonio Herman de Vasconcellos. Código de Defesa do Consumidor Comentado. 7ª edição. 2001. Editora Forense Universitária.

[3]NUNES, Rizzatto. Obra citada. Pág. 652.

[4]NUNES, Rizzatto. Obra citada. Pág. 653.

[5]BENJANIN, Antonio Herman de Vasconcellos. Obra citada. Pág. 321.

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