Cláusula de renúncia à indenização das benfeitorias e ao direito de retenção em contrato de locação celebrado com administradora de imóveis

Cláusula de renúncia à indenização das benfeitorias e ao direito de retenção em contrato de locação celebrado com administradora de imóveis

Análise da possibilidade de existência de cláusulas de renúncia à indenização das benfeitorias e ao direito de retenção em contratos de locação celebrados por administradoras de imóveis. O cerne da questão encontra-se na discussão sobre qual o diploma legal a ser aplicado no caso concreto.

Introdução

A sociedade contemporânea é marcada pelo fortalecimento do capitalismo e pela necessidade de criação de negócios jurídicos que dessem celeridade aos mecanismos de aperfeiçoamento das relações sociais, com o menor custo possível. Neste panorama o contrato de adesão se consolidou na estrutura sócio-juridica brasileira, sendo caracterizado pela existência de cláusulas pré-fixadas apenas por uma parte (geralmente grandes empresas), cabendo à outra a aceitação ou não das cláusulas, sem possibilidade de discuti-las. As administradoras de imóveis, utilizando tal instrumento (contrato de adesão), passaram a celebrar contratos de locação pré-fixando cláusulas permanentes e gerais, para que houvesse uniformidade na proposta, sem discussões individuais pelos possíveis locatários.

As administradoras, visando o não questionamento das cláusulas contratuais, passaram a utilizar freqüentemente o contrato de adesão, e neste impuseram determinações que beneficiam apenas os interesses do pólo mais favorecido, ou seja, os seus próprios interesses. O contrato de locação, celebrado entre os referidos entes (administradoras e locatários), em atendimento às novas exigências da sociedade contemporânea, passou a ser padronizado, sem possibilidade de questionamentos para quem quisesse aderi-lo.

Tomadas pela busca incessante do lucro, as empresas imobiliárias, além da padronização do contrato de locação nos moldes do contrato de adesão, ainda impelem o locatário a aceitar a denominada cláusula de renúncia à indenização das benfeitorias e do direito a retenção, ocasionando desvantagens ao consumidor, já que este, ao realizar benfeitorias indenizáveis, estaria por meio da cláusula abrindo mão do direito de ressarcimento.

A fixação da declaração de renúncia marca uma intensa discussão doutrinária, eis que existe o conflito de normas da legislação específica (Lei do Inquilinato) e a legislação que protege o consumidor da arbitrariedade e das cláusulas abusivas concretizadas pelas grandes empresas. E é essa discussão, com embasamento nas características dos contratos e das legislações, que o presente trabalho almeja suscitar e solucionar.

1. Contrato de adesão

Com o desenvolvimento da sociedade, e com a conseqüente complexidade a que ela foi submetida, tornou-se necessário que relações de consumo envolvendo uma multiplicidade de pessoas (que almejam a contratação ou compra de uns serviços ou bens idênticos) fossem reguladas por um tipo de específico de contrato. O fortalecimento do capitalismo e a celeridade inerente a ele fizeram com que fosse imprescindível a criação de um documento jurídico que tornasse mais célere e menos onerosa a contratação entre um indivíduo e uma coletividade. Assim, como um instrumento a “serviço” do capitalismo e dos grandes empresários, o contrato de adesão foi definitivamente incorporado à realidade social pátria.

O contrato de adesão é aquele em que apenas uma das partes fixa as cláusulas contratuais, sem considerar ou discutir os interesses da parte oposta. Diferentemente do que ocorre nos contratos paritários, em que as partes discutem as cláusulas e as fixam em acordo, o contrato de adesão é marcado por uma tentativa de uniformizar todos os conteúdos dos contratos deste tipo, já que possui uma proposta permanente e geral, que será a mesma para todos os indivíduos que desejarem contratar. Característica marcante desse tipo de ato jurídico bilateral, é que não há discussão e tampouco possibilidade de rediscussão pelo oblato das cláusulas fixadas. Tal fato reflete uma situação de superioridade de uma das partes: os indivíduos que fixam as cláusulas geralmente são representantes de grandes empresas enquanto quem as aceita só pode apenas aceitar ou não as propostas ali fixadas, sem qualquer possibilidade de expressar seus interesses.

Esses contratos surgem como uma necessidade de tornar mais rápidas as negociações, reduzindo custos. Reduzimos assim a iniciativa individual. Os contratos com cláusulas predispostas surgem, então, como fator de racionalização da empresa. O predisponente, o contratante forte, encontra nessa modalidade contratual um meio para expandir e potencializar sua vontade (VENOSA, 2007, p.354)

Mesmo não sendo caracterizado com um contrato que permite discussões de cláusulas que foram unilateralmente predispostas, o contrato de adesão também atinge relações que, analisadas superficialmente, poderiam refletir em um contrato paritário, mas que nas situações fáticas se enquadram perfeitamente nas peculiaridades que definem o contrato de adesão, como ocorre na locação de imóveis, quando esta ocorre em larga escala.

2. Contrato de locação

O contrato de locação pode ser definido como o contrato em que uma das partes paga à outra certa quantia para ter direito ao uso, por tempo determinado, de uma coisa, de um serviço ou de uma obra que vise à execução um fim determinado. Tal contrato pode ser subdividido em três modalidades: a locação da coisa que, ocorre com a locação de bens fungíveis por tempo determinado ou não; a locação de serviço, representado pela locação da prestação de um serviço; e locação de obra quando tem por objetivo a execução de obra com um fim determinado.

Destarte, o contrato de locação tem como características principais: a cessão temporária do uso e gozo, já que a propriedade ou o serviço não são repassados definitivamente ao contratante; remuneração paga em troca do que foi cedido temporariamente (na locação de coisas, a remuneração chama-se alugue, na locação de serviço, salário, e na locação de obra, preço); as peculiaridades do contrato, sendo este ato bilateral, oneroso, comutativo, consensual e de execução continuada; e a presença das partes intervenientes, ou seja, de um lado o locador, e de outro, o locatário. ( DINIZ, 2005, p. 232)

O contrato de locação tem amparo jurídico em três fontes diversas: a relação contratual de locação está amparada pelo Código Civil, pela Lei do Inquilinato (Lei nº 8245/91) e também, de uma forma mais geral e protecionista, pelo Código de Defesa do Consumidor. Como anteriormente mencionado, este trabalho dará ênfase a locação das coisas, mais especificamente de imóveis, e suas conseqüências jurídicas, tendo como principal fonte legal a Lei 8245/91 ( Lei do Inquilinato)

2.1 Locação de coisas

A locação de coisas está definida no art. 565 do Código Civil como aquela em que “uma das partes se obriga a ceder à outra, por tempo determinado ou não, o uso e gozo da coisa não fungível, mediante retribuição.”

A locação das coisas é caracterizada por um ser ato bilateral, envolvendo prestações recíprocas em que uma parte entrega o bem e a outra paga por seu uso. Deve haver o consentimento válido das partes e estas devem ser pessoas capazes para celebrar o ato, quando não o forem, podem ser assistidas ou representadas. Quando o bem locado for móvel, esse em regra geral deve ser infungível (como roupas, veículos, animais, etc.), podendo haver exceções em que possa haver aluguel de bens móveis fungíveis quando o bem for utilizado para ornamentação. Já no caso dos bens imóveis esses devem ser necessariamente infungíveis (como apartamentos, salões, casas, etc.), podendo compreender o todo ou a parte.

Deve haver necessariamente a estipulação do valor do aluguel a ser pago (regra geral em dinheiro), e este normalmente é fixado entre as partes. Porém, como poderá ser observado no decorrer deste trabalho, os contratos de locação celebrados pelas administradoras de imóveis normalmente tendem à natureza jurídica de um contrato de adesão, opondo-se ao contrário paritário em que as partes em acordo fixam o valor do imóvel.

3. Locação de imóveis e benfeitorias

A locação de imóveis está inserida na locação das coisas, e, conseqüentemente, na esfera jurídica do contrato de locação. Acirrada discussão doutrinária refere-se às benfeitorias realizadas pelos locatários no imóvel alugado.

As benfeitorias são as obras ou despesas que se fazem em bem móvel ou imóvel para conservá-lo, melhorá-lo ou embelezá-lo, repisando o fato de que não são consideradas benfeitorias as melhorias sobrevindas à coisa (o imóvel, no caso) sem a intervenção do proprietário, possuidor ou detentor. (DINIZ, 2007, p. 167)

Segundo o art. 96 do Código Civil, as benfeitorias podem ser voluptuárias, úteis e necessárias. As voluptuárias são “as de mero deleite ou recreio, que não aumentam o uso habitual do bem, ainda que o tornem mais agradável ou sejam de elevado valor”. Tais benfeitorias não são imprescindíveis para a manutenção do bem, são apenas para torná-lo mais agradável, como por exemplo, a construção de uma cascata em uma piscina. As úteis “aumentam ou facilitam o uso do bem”, como por exemplo, a construção de um novo quarto. E as necessárias são “as que têm por fim conservar o bem ou evitar que se deteriore”, são as benfeitorias imprescindíveis para a manutenção do bem, como por exemplo, a substituição da fiação elétrica, do encanamento, etc.

Como disciplina o mesmo código, em seu art.578, na locação das coisas, o locatário tem direito, quando agindo de boa-fé, de retenção no caso de benfeitorias necessárias, ou com o consentimento do locador tiverem sido feitas as benfeitorias úteis. Ficando claro ainda, que a regra das benfeitorias úteis e necessárias só vale se não houver disposição contratual em contrário.

Como uma forma de ratificar o disposto no Código Civil, A Lei do Inquilinato (Lei nº 8245/91) também disciplina, em seu art. 35, que: “salvo expressa disposição contratual em contrário, as benfeitorias necessárias introduzidas pelo locatário, ainda que não autorizadas pelo locador, bem como as úteis, desde que autorizadas, serão indenizáveis e permitem o exercício do direito de retenção.” E em seu art.36 determina que as benfeitorias voluptuárias não serão indenizáveis, restando como solução ao locatário retirá-las, quando a retirada não implique nem prejudique a estrutura do imóvel.

Assim sendo, caso não haja estipulação contratual em contrário, as benfeitorias úteis e necessárias podem ser indenizadas e gerar direito de retenção. Problema se passa, porém, quando estipulação em contrário (uma cláusula contratual) impõe que ao locatário será imposta a renúncia a indenização das benfeitorias e ao direito de retenção. A indenização diz respeito à restituição por melhorias feitas, enquanto o direito de retenção significa estar ou reter o imóvel até que as indenizações sejam satisfeitas pelo locador. Assim , os aludidos institutos representam:

meio procedimental de garantir o cumprimento de uma obrigação. É meio de defesa do credor que deve restituir uma coisa. No caso o credor é o locatário que tem direito a ser ressarcido pelos melhoramentos realizado no prédio. Se o contrato exclui qualquer indenização, inclusive pelas benfeitorias necessárias, não haverá pois direito de retenção. (VENOSA, 2004, p. 140-143)

O cerne da questão se encontra na possibilidade ou na da existência de cláusula de renúncia a indenização das benfeitorias e ao direito de retenção, em relação ao conflito de normas entre o Código de Defesa do Consumidor e a Lei do Inquilinato.

4. Cláusula de renúncia à indenização das benfeitorias e ao direito de retenção : Lei do Inquilinato versus Código de Defesa do Consumidor

Com o objetivo de garantir certa justiça nas relações de consumo, possibilitando um melhor equilíbrio nestas, além da proteção ao consumidor, o Código de Defesa do Consumidor foi amparado pela legislação nacional. O citado Código impõe limites às praticas abusivas das grandes empresas visando à satisfação do consumidor.

O Código de Defesa do Consumidor se estende a todas as pessoas (físicas ou jurídicas) que usam determinado bem ou serviço como destinatárias finais. Assim sendo, um indivíduo que realiza contrato de locação com uma administradora de imóveis com o objetivo de, por exemplo, residir na casa, pode ser protegido por tal Código. Porém o que não tem intenção de residir não é amparado, e a ele aplica-se diretamente a Lei do Inquilinato.

A controvérsia se exprime quanto à cláusula de renúncia a indenização das benfeitorias e ao de retenção ao direito, pois de acordo com o Código do Consumidor, art. 51, XVI: “São nulas, de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços, que: possibilitem a renúncia do direito de indenização por benfeitorias necessárias”. Porém, de acordo com o já citado art. 35 da Lei 8245/91, as benfeitorias serão indenizadas e ao locatário será garantido o direito de retenção, caso não haja disposição contratual em contrário. Assim sendo, o conflito se expressa na discussão de qual lei aplicar no caso concreto. Se a lei de proteção ao consumidor que impede cláusulas abusivas ou se a lei do inquilinato.

Diante de inúmeras discussões e da não pacificação jurisprudencial sobre qual lei aplicar no caso concreto, o STJ, após reiteradas decisões, aprovou a súmula 335: “”Nos contratos de locação, é válida a cláusula de renúncia à indenização das benfeitorias e ao direito de retenção”. Destarte,  aplica-se a legislação específica ( Lei do Inquilinato) e não a legislação geral (Código de Defesa do Consumidor).

No caso de contrato de locação celebrado com uma administradora de imóveis, se estiver estipulado no contrato a cláusula de renúncia à indenização das benfeitorias e ao direito de retenção esta cláusula é válida, cabendo ao possível locatário concordar ou não com o contrato, mas não discuti-lo. Desta forma, quando da necessidade de ser realizada qualquer benfeitoria, o locatário deverá dar ciência ao locador, para que este realize as benfeitorias necessárias (não sendo obrigado ao locador realizar benfeitorias úteis ou voluptuárias), pois caso o locatário efetue a benfeitoria esse não terá direito à indenização ou a retenção.

Conclusão

Atualmente, os contratos estão sendo utilizados com o intuito de agilizar as relações sociais e obter lucros. Os contratos de adesão são exemplos claros disso. Objetivando seguir o curso do mundo capitalista, grandes empresas se apoderaram desyte instrumento para celebrar contratos gerais e sem possibilidade de discussão das cláusulas pré-fixadas.

Isso vem ocorrendo constantemente com administradoras de imóveis que celebram contratos de locação com particulares. Tais contratos seguem as características dos contratos de adesão, em que apenas uma das partes (no caso as administradoras) fixa as cláusulas, e o possível locatário não pode discuti-las. Porém, as administradoras de imóveis passaram a fixar cláusulas, que segundo o Código de Defesa do Consumidor, são  abusivas, como a cláusula de renúncia à indenização das benfeitorias e ao direito de retenção.

A discussão da fixação dessa cláusula pelas administradoras ganhou proporção, e então surgiu o debate se seria permitido ou não tal fixação. Segundo a Lei do Inquilinato, se estiver estipulado em contrato a cláusula, esta é válida, porém, segundo o CDC as cláusulas que não possibilitem o direito à indenização e a retenção, são abusivas e nulas. Desta forma há um conflito aparente de normas. Diante disso, e de divergências jurisprudenciais, após reiteradas decisões, o STJ aprovou a súmula 335, que torna válida em contratos de locação a existência da cláusula de renúncia à indenização das benfeitorias e ao direito de retenção, pondo fim ao debate doutrinário e jurisprudencial.

REFERÊNCIAS

DINIZ, Maria Helena. Curso se Direito Civil Brasileiro: Teoria das Obrigações Contratuais e Extracontratuais, vol.3. 21.ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Teoria Geral do Direito Civil, vol. 1. 24ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos. 7.ed. São Paulo: Atlas, 2007.

VENOSA, Silvio de Salvo. Lei do Inquilinato Comentada. 3.ed. São Paulo: Atlas, 2004.

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Anna Tereza de Aquino Siqueira
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