Houve descriminalização da posse de drogas para consumo pessoal?

Houve descriminalização da posse de drogas para consumo pessoal?

Analisa o art. 28, da Lei 11.343/06, que trata do porte de drogas para consumo pessoal, e tem por objetivo demonstrar que a conduta continua criminalizada.

EVASÃO ESCOLAR E MOTIVAÇÃO EM SALA DE AULA: O papel da didática

O presente artigo analisa natureza das alterações imprimidas no ordenamento jurídico com a edição da lei 11.343/06, em especial o art. 28, que trata da posse de drogas para consumo pessoal. Partindo do pressuposto de que o art. 28 encontra-se inserto no capítulo III – Dos crimes e das penas –, bem como que há, além da pena privativa de liberdade, outras espécies de pena previstas no conjunto legislativo pátrio, buscou-se fazer uma análise do art. 28 da referida lei, abordar as diversas posições doutrinárias e jurisprudências atuais e demonstrar que as espécies de pena previstas para a posse de drogas para consumo pessoal não implicam em descriminalização, mas tão-somente em abrandamento do tratamento dispensado ao usuário de drogas.

O tratamento jurídico dispensado ao usuário de drogas é um tema que, com a edição da novel Lei 11.343/06, tem sido foco de constantes críticas e ensejado posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais divergentes.

Há quem afirme que “a posse de droga para consumo pessoal deixou de ser formalmente crime” [1], bem como há quem diga que “não houve a descriminalização da conduta. O fato continua a ter a natureza de crime, na medida em que a própria Lei o inseriu no capítulo relativo aos crimes e as pena (Capítulo III); além do que as sanções só podem ser aplicadas por juiz criminal e não por autoridade administrativa, e mediante o devido processo legal (no caso, o procedimento criminal do Juizado Especial Criminal, conforme expressa determinação legal do art. 48, § 1º, da nova Lei)” [2]. Assim também entende NUCCI, que afirma: “O delito de porte de drogas para consumo próprio adquiriu caráter de infração de ínfimo potencial ofensivo” [3].

Inicialmente, é de se considerar que a nova Lei de Drogas, ao inserir disposições sobre a posse de drogas para consumo pessoal no capítulo denominado “Dos crimes e das penas”, indicou sua intenção em manter a conduta tipificada como crime. É forte indício, portanto, de que a conduta continua a ser considerada crime no ordenamento jurídico pátrio.

Feita a abordagem inicial sobre localização do art. 28 na Lei, vale comentar, ainda que brevemente, aspectos importantes sobre a penalização das condutas.

De primeiro, ressalte-se que o próprio art. 28 indica que quem cometer uma das condutas descritas no caput do artigo “será submetido às seguintes penas: I - advertência sobre os efeitos das drogas; II - prestação de serviços à comunidade; III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo” (g.n.). Portanto, sinaliza o legislador, novamente, ao indicar que se trata de “penas”, a sua intenção em manter a conduta criminalizada.

Segundo, não obstante o disposto na Lei de Introdução ao Código Penal, a Constituição Federal, em seu art. 5º, XLVI, apresenta um rol de penas que é meramente taxativo, visto que dispõe, na cabeça do inciso, que “a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes” (g.n.). Assim, o fato de o art. 28 não mais prever (assim como fazia a lei 6.368/76) a aplicação de pena privativa de liberdade em caso de posse de droga para consumo pessoal, não lhe retira o caráter criminoso e punível do fato.

Por fim, o STF, no RE-QO 430105/RJ, cujo relator foi o Ministro Sepúlveda Pertence, consolidou o entendimento doutrinário já prevalecente, qual seja o de que o art. 28 da nova lei de drogas não implicou abolitio criminis do delito de posse de drogas para consumo pessoal. E, para tal conclusão, sustentou os seguintes argumentos:

1. “O art. 1º da LICP - que se limita a estabelecer um critério que permite distinguir quando se está diante de um crime ou de uma contravenção - não obsta a que lei ordinária superveniente adote outros critérios gerais de distinção, ou estabeleça para determinado crime - como o fez o art. 28 da L. 11.343/06 - pena diversa da privação ou restrição da liberdade, a qual constitui somente uma das opções constitucionais passíveis de adoção pela lei incriminadora (CF/88, art. 5º, XLVI e XLVII)”.

2. “Não se pode, na interpretação da L. 11.343/06, partir de um pressuposto desapreço do legislador pelo "rigor técnico", que o teria levado inadvertidamente a incluir as infrações relativas ao usuário de drogas em um capítulo denominado "Dos Crimes e das Penas", só a ele referentes. (L. 11.343/06, Título III, Capítulo III, arts. 27/30)”.

3. “Soma-se a tudo a previsão, como regra geral, ao processo de infrações atribuídas ao usuário de drogas, do rito estabelecido para os crimes de menor potencial ofensivo, possibilitando até mesmo a proposta de aplicação imediata da pena de que trata o art. 76 da L. 9.099/95 (art. 48, §§ 1º e 5º), bem como a disciplina da prescrição segundo as regras do art. 107 e seguintes do C. Penal (L. 11.343, art. 30)”.

Por todo o exposto, conclui-se pela não descriminalização da posse de drogas para consumo pessoal, continuando as condutas previstas no art. 28 da Lei 11.343/06, não obstante a não aplicação de pena privativa de liberdade, serem consideradas crimes e, como tal, penalizadas.

Referências

GOMES, Luiz Flávio. Nova Lei de Drogas: descriminalização da posse de drogas para consumo pessoal. Disponível em: http://www.lfg.com.br. 31 out. 2006.

CAPEZ, Fernando. Nova Lei de Tóxico: das modificações legais à figura do usuário. Disponível em: http://www.oabsp.org.br/noticias/2006/12/07/3962/. 07 dez. 2006.

NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 2.ed. São Paulo: RT, 2007.

[1] GOMES, Luiz Flávio. Nova Lei de Drogas: descriminalização da posse de drogas para consumo pessoal. Disponível em: http://www.lfg.com.br. 31 out. 2006.



[2] CAPEZ, Fernando. Nova Lei de Tóxico: das modificações legais à figura do usuário. Disponível em: http://www.oabsp.org.br/noticias/2006/12/07/3962/. 07 dez. 2006.


[3] NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 2.ed. São Paulo: RT, 2007, p. 305.

Sobre o(a) autor(a)
Julia Melo S. Borges
Advogada, Salvador-BA
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