Convocação de constituinte: mais um equívoco do Presidente

Convocação de constituinte: mais um equívoco do Presidente

Demonstra a impossibilidade constitucional e a desnecessidade de convocação da uma assembléia constituinte para apenas emendar a Constituição.

A imprensa noticia que o Presidente da República teria aventado perante alguns juristas e membros do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, a intenção de convocar uma “Constituinte exclusiva” para alterar a vigente Constituição visando concretizar a chamada “Reforma política” que o processo de emenda não teria condições de fazer.

O equívoco da proposta ou da intenção presidencial é manifesto, na medida em que o poder constituinte originário corporificado no legislador constituinte de 1988 estabeleceu clara e expressamente os dois mecanismos de reforma da Constituição, de modo a adaptá-la as mudanças sociais, quais sejam, o processo de emendas constitucionais delineado no art. 60 da própria Carta da República, com seu quorum qualificado e tramitação em dois turnos, e a Revisão Constitucional prevista no art. 3º do ADCT, a ser realizada uma única vez, após cinco anos da promulgação da Constituição Federal pelos membros do Congresso Nacional, o que já aconteceu.

Como se sabe o processo de mudança das constituições objetiva, em última análise, o estabelecimento de um canal permanente entre o ordenamento jurídico maior e a sociedade, de modo que esta possa fazer valer seu interesse legítimo no sentido de que as normas fundamentais de um país estejam em consonância com sua dinâmica própria. Por isso, constituinte brasileiro manifestou-se, em 1988, de forma cristalina quanto ao processo de reforma da Constituição, optando de forma inequívoca pelo instrumento da emenda constitucional, com o seu procedimento mais rígido e quorum qualificado, consciente que estava da relevância da estabilidade nas relações jurídico-institucionais em um país como o Brasil, acostumado a impor alterações no Texto Maior por razões nem sempre as mais nobres e relevantes para a nação.

Assim, não é de mais recordar que as normas constitucionais não podem se constituir em blocos rígidos imutáveis, num engessamento normativo em que uma geração determina o arcabouço jurídico, político econômico e social das gerações subseqüentes, embora existam determinadas matérias que devem e de fato são protegidas até mesmo contra o querer democrático, como são aquelas previstas no art. 60, § 4º, do Texto Supremo. Por conseguinte, a origem da mudança, inerente à dinâmica social, deve ser contrabalançada com a estabilidade institucional, especialmente em países como o Brasil, onde as iniciativas oportunistas costumam proliferar e acomodar-se em uma impressionante velocidade, nem sempre atendendo a anseios verdadeiramente nobre mas imediatistas e conjunturais que reduzem e até mesmo impedem a discussão dos paradigmas constitucionais de uma nação, bastando para se constatar este fato ver a quantidade de Emendas que Constituição já recebeu em menos de vinte anos de existência, algumas alterando ou simplesmente suprimento preceitos que sequer chegaram a ser regulamentados.

A instituição do poder constituinte originário através da convocação da Assembléia Nacional Constituinte por intermédio da Emenda Constitucional nº 26 de 1985, por mais que refugisse aos estreitos parâmetros legais e constitucionais, constituiu-se numa clara convergência de percepções a respeito do esgotamento do modelo institucional vigente e da necessidade de se efetivar a transição pacífica para uma nova realidade que se avizinhava com o fim do regime militar e o retorno à normalidade democrática, o que a toda evidência não ocorre na situação ora vivenciada pela nação brasileira, em que pese a gravidade da crise de moralidade por passam algumas instituições nacionais.

Parece evidente que a alteração pontual do ordenamento constitucional para implemento da uma mera reforma política como pretende o Presidente da República não necessita de uma assembléia constituinte, pois pode e deve ser levada a efeito pelo mecanismo da emenda e com rigorosa observância ao procedimento previsto de forma imperativa no próprio Texto Maior.

Somente quando correm rupturas profundas na ordem política instituída é que se justificar a entrada em cena das assembléias constituintes justificando-se assim o chamamento do titular do poder constituinte originário para que escolha seus representantes para escrever uma nova constituição, mas jamais para proceder, como se pretende agora, mera alteração pontual do Texto. O poder constituinte originário somente pode ser evocado em momentos de efetiva transição, de ruptura (ainda que violenta) de um ordenamento jurídico-institucional necrosada para um outra nova que atenda aos clamores de mudança da nação, o que nem de longe ocorre no momento em que vive a nação brasileira.

Dessa forma, inexistentes os requisitos para convocação do titular do poder constituinte originário, não é admissível ao poder constituinte derivado instituir novas formas de modificação da Constituição não previstas pelo constituinte de 1988, por meio de Emenda patrocinada pelo Chefe do Poder Executivo, em plena campanha eleitoral pela reeleição.

De outro lado, o argumento de que o processo de emenda torna muito difícil se não impossível a pretendida reforma política, além de falacioso não pode jamais justificar a destruição do Texto Maior como parecem pretender aqueles que defendem referido argumento, propositadamente esquecidos de que a Constituição é o principal vértice do ordenamento pátrio, sobrepondo-se a todos os demais diplomas legais. Por isso, nela estão inseridas as normas fundamentais que balizam a organização do Estado e a defesa dos direitos e garantias fundamentais da sociedade e, exatamente por essa razão, devem ter a perspectiva da perenidade.

Assim, a rigidez no processo de reforma ou emenda não pode ser invocada como fundamento para violação da Carta da República, ao contrário, representa o equilíbrio entre esta perspectiva, assegurada por processos e exigências especiais que dificultam sua alteração, em face de sua supremacia no ordenamento jurídico nacional, e a necessidade de adaptação ao processo de evolução da sociedade como um todo. Maior rigidez e perenidade não se equivalem à imutabilidade, mas a estabilidade que não pode ser rompida em nome de interesses mesquinhos, passageiros de maiorias episódicas. A nação brasileira precisa estar alerta para mais essa tentativa de golpe contra a Lei Maior.

Sobre o(a) autor(a)
Francisco das C. Lima Filho
Juiz
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