O instituto do "habeas data"

O instituto do "habeas data"

O direito e a garantia à informação vêm tendo, desde o século passado, uma evolução muito grande a ponto de estar positivado nas constituições ocidentais como norma garantidora de direitos. O "habeas data" veio para efetivar os direitos à informação.

O ciclo militar – autoritário, que ocorreu entre 1964/84, no Brasil foi assinalado pelo uso e abuso de informações que diferentes organismos armazenavam sobre pessoas. A malversação de informações sobre a vida privada dos cidadãos e o uso indevido de informações comprava o silêncio e a adesão dos dissidentes do próprio regime militar, que sob a ameaça de escândalos familliares intimidavam a sociedade brasileira.A rejeição formal dessa prática, correspondia a um anseio político naquela época e o constituinte, antedeu-o pela via do “habeas data”, um dos instrumentos posto a disposição da pessoa física ou jurídica.

O direito e a garantia à informação vêm tendo desde o século passado, uma evolução muito grande a ponto de estar positivado nas constituições ocidentais como norma garantidora de direitos.

Costuma-se apontar na doutrina a sua origem à legislação ordinária dos Estados Unidos da América, por meio do Freedom of Information Act, de 1974, que fora alterado pelo Freedom of Information Reform Act, de 1978, o qual visava possibilitar o acesso do particular às informações constantes de registros públicos ou particulares permitidos ao público.

Contudo, Diomar Ackel Fº refere que o “habeas data” é criação brasileira.Não tem similar específico no direito comparado, onde se podem vislumbrar remédios genéricos que tutelam essa seara, mas nunca um remédio determinado, relacionado diretamente com a problemática do banco de dados diante do cidadão.

A origem constitucional do “habeas data” é o artigo 5°, LXXII da Carta Magna vigente, pois somente nesta é que ficou explícito o instituto ora comentado, e foi regulamentado quase dez anos depois pela Lei 9.507/97.

Vale ressaltar que o direito à informação tutelado é mais amplo, amparado pelo inciso XXXIII do artigo 5° da Constituição da República, há menção expressa neste dispositivo à possibilidade de negar o acesso às informações sob alegação de que o sigilo é “imprescindível à segurança da sociedade e do Estado”.

Conforme opina Lourival Gonçalves de Oliveira o “habeas data” possui dois objetivos: um imediato e outro mediato.O imediato abrange a proteção do direito de acesso e conhecimento das informações de caráter pessoal constantes dos registros, arquivos ou banco de dados mantidos por entidades governamentais e de caráter público.O mediato se refere a garantia de direitos da personalidade enquanto patrimônio pessoal, de conteúdo moral, como o constituído pela honra, reputação, nome, vida privada, intimidade e tranqüilidade.

Os pressupostos do “habeas data” são em número de três: primeiro, que as informações digam respeito ao próprio impetrante, e não de terceiros (daí se deduz que fica impossibilitado o litisconsórcio ativo a fim de se verificar informação de somente um paciente ); segundo, que tais informações realmente existam nos bancos de dados, e terceiro, que estas informações estejam inseridas nos registros de bando de dados de entidades governamentais ou de caráter público, bem como que o prévio conhecimento destas informações estejam claramente identificadas como incorretas, falsas ou incompletas.

O “habeas data” é visto, segundo Diomar Ackel Fº, como ação mandamental, sumária e especial, destinada à tutela dos direitos de cidadão à frente dos bancos de dados, a fim de permitir o fornecimento das informações registradas, bem como sua retificação, em caso de não corresponder à verdade.

Somente a pessoa a que se refere à informação pode ser o paciente do writ, pois se trata de direito personalíssimo, mas pode exercido por seus herdeiros legítimos ou cônjuge supérstites, quando do falecimento do indivíduo, sempre observando a sua honra e boa memória.

A competência para o processamento e julgamento do “habeas datas” está prevista no artigo 20 da Lei 9.507/97, e nos artigos 102, I, “d” e 105, I, “b”, ambos da Constituição da República. O recurso para a sentença que conceder ou negar o writ é a apelação, nos termos do artigo 15 da Lei 9.507/97. O recurso de apelação somente será recebido no efeito devolutivo, nos casos de sentença que concederem o “habeas data”. No entanto, o artigo 16 da referida lei, admite ao Presidente do Tribunal de competência recursal venha ordenar a suspensão da sentença, conferindo à apelação o efeito suspensivo, ato esse passível de agravo a ser decidido pelo próprio Tribunal.

A petição inicial deve seguir as instruções processuais dos artigos 282 à 285 do Código de Processo Civil, bem como o artigo 8° da Lei 9.507/97. O “habeas data” poderá ser renovado no caso de não apreciação do mérito. Não há custas na ação desse writ. Trata-se de ação gratuita, consoante regra expressa do artigo 21 da mesma lei.

Daí conclui-se que o “habeas data” é uma importante arma em face da violação dos direitos fundamentais à informação. É uma verdadeira demonstração de um profundo amadurecimento democrático.

O procedimento adotado propicia ao instituto uma vasta utilidade, não o acomoda, nem o restringe, muito menos o contém com procedimento complexos, difíceis ou onerosos. Foi clara a intenção do legislador em facilitar o acesso ao instituto e ensejar sua condução tanto liberal quanto possível.

A boa utilização do instituto representa uma vitória do regime democrático de direito, uma garantia assegurada aos cidadãos contra as arbitrariedades que pudessem constar em dados pessoais constantes de bancos de dados, típicas de regime de exceção, como também, serve como instrumento de defesa das liberdades públicas para que o cidadão comum possa se defender de injustas ou indevidas anotações ao seu respeito.

Por sua vez, a própria exigência do procedimento administrativo prévio que poderia ser por muitos criticada, representa economia e da ordem ao procedimento judicial ao reservá-lo àqueles casos em que não se tenha alcançado a solução administrativa, por eventual insensibilidade para com os fatos diante dos conceitos atuais de intimidade e sua preservação.

Outrossim, após a criação do “habeas datas” na Constituição da República, os cidadãos em sua generalidade têm um meio processual para socorrer-se do Poder Judiciário para limitar e corrigir a forma e utilização das informações abrigadas nos órgãos de informações do Estado e nas instituições de caráter público. Assim sendo, o “habeas data” como garantia constitucional que é tem aplicabilidade imediata, ou seja, sem obstáculos que impeçam ou dificultem sua plenitude.


Referências Bibliográficas

ACKEL Fº, Diomar. Writs constitucionais: “habeas corpus”, mandado de segurança, mandado de injunção, “habeas data”. São Paulo: Saraiva, 1991.

BASTOS, Celso. Curso de direito constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.

COSTA JÚNIOR, Paulo José da. O direito de estar só: Tutela Penal da Intimidade. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 75.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 11ª Ed., São Paulo: Atlas, 1999.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 5ª Ed. São Paulo: Atlas, 1999.

PACHECO, José da Silva. O mandado de segurança e outras ações constitucionais típicas. São Paulo: Editora Resvista dos Tribunais, 1998.

PIOVESAN, Flávia in WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coord.). Habeas data. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1998.

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coord.) Habeas data. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998.

Sobre o(a) autor(a)
Norimar Charlau
Estudante de Direito
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