Até onde nos conduz o assédio moral?

Até onde nos conduz o assédio moral?

Analisa as consequências do assédio moral no ambiente de trabalho, focalizando as motivações e objetivos do assediador ao perpetrar o processo de psicoterror laboral.

A discussão envolvendo o contexto ético e as conseqüências relacionadas ao assédio moral vem progredindo paulatinamente. O fenômeno do assédio moral vem sendo estudado em diversos países, dentre eles o Brasil, com interesse preponderante no que se relaciona à sua veiculação no ambiente de trabalho. Isto porque o assédio moral, enquanto fenômeno que incide sobre as variantes psicológicas do ser humano, pode ser caracterizado em razão de múltiplas relações (familiares, amorosas, sociais, laborais etc). No entanto, o enfoque que desponta com maior veemência é aquele direcionado às relações que envolvem o ambiente de trabalho.

Muito embora não seja o objetivo do presente artigo caracterizar o assédio moral, necessário de faz sintetizar seu significado. O assédio moral vem a ser um conjunto de ações e/ou omissões depreciativas, reiteradas e prolongadas, que possuem o objetivo delimitado de determinar na vítima uma descompensação psicológica, de forma a desestabilizá-la para com seu ambiente de trabalho. Em outras palavras, poderíamos afirmar que o assédio moral no ambiente de trabalho nada mais é do que a perseguição injustificada que incide sobre a vítima, acarretando uma série de distúrbios psicológicos, que acabam por resultar conseqüências danosas também na saúde física, nas relações sociais e no contexto financeiro. Ressalte-se que o assédio moral é um processo, não se caracterizando por uma só ação isolada, ainda que esta tenha o condão de gerar danos psicológicos ou morais.

Para atingir seu intento, o assediador moral utiliza-se de diversos instrumentos de manobra, tais como: ofensas sutis, referências depreciativas quantos aos dotes físicos e comportamentos da vítima, isolamento no local de trabalho, esvaziamento de funções, rigidez excessiva, atribuição de trabalhos inviáveis, inviabilização de serviços rotineiros, implantação de descrédito dos companheiros de trabalho em relação à vítima, dentre outras.

Ainda que a discussão sobre o assédio moral no ambiente de trabalho tenha conquistado contornos relevantes, a grande maioria dos integrantes da relação laboral ainda desconhece seu significado e suas conseqüências. Na verdade, em que pese as diversas leis e projetos de lei tendentes a combater o assédio moral (em especial no âmbito da administração pública), o fenômeno ainda carece da adequada visibilidade jurídica e social. Infelizmente, no decorrer de quase três anos de pesquisas sobre o assédio moral no ambiente de trabalho, que levamos adiante como tema de nossa dissertação de Mestrado em Direito, tivemos a oportunidade de constatar que o assunto ainda é considerado um tabu em diversos segmentos. Proferi dezenas de palestras sobre assédio moral, ocasiões onde tive a singular oportunidade de contactar com vítimas do psicoterror laboral e catalogar suas sofridas experiências. No entanto, na busca incessante de implementar uma melhor divulgação acerca do fenômeno, encontrei muitas “portas fechadas”. Toda essa experiência, advinda de minuciosa pesquisa, conduziu-nos a outras vertentes relacionadas ao fenômeno. Daí o questionamento que deu título ao presente artigo: até onde nos conduz o assédio moral?

Inicialmente, apoiado na literatura de Heinz Leymman e Marie-France Hirigoyen, procurei vislumbrar, através da pesquisa, quais as motivações que conduziam o assediador moral a agir. Os caso concretos que foram despontando demonstraram que o assédio moral não é impulsionado por uma única motivação, mas sim por uma conjugação de aspectos que variam intensamente de caso para caso. Todos os fatores de fomento do assédio moral, no entanto, estão de alguma forma conectados a um desvio de conduta por parte do assediador, sedimentando a ausência do fator ético nas relações interpessoais que envolvem o ambiente de trabalho.

O assediador moral, antes de tudo, é um infeliz, um psicologicamente desajustado, um frustrado, ainda que à primeira vista pareça ser um vencedor. Em um dos inúmeros casos analisados, intrigou-me os motivos que levavam uma jovem executiva a implementar um processo de assédio moral contra uma humilde funcionária administrativa. Neste caso específico, vítima e algoz apresentavam perfis diametralmente opostos. A assediadora era profissionalmente vencedora, situação financeira privilegiada e, ainda, fisicamente bonita. A vítima recebia parcos salários, lutava com muita dificuldade, aparência física sem nenhum encanto e levava uma vida bastante humilde. No trabalho sempre foi prestativa, executando suas funções com competência. Jamais foi de afrontar superiores ou companheiros de trabalho, sempre acatou ordens e instruções com respeito e resignação. Repentinamente essa pessoa se viu envolta em um processo cruel, capitaneado por sua chefia imediata. Ordens humilhantes, referências depreciativas, insinuações pejorativas, isolamento e atribuição de tarefas sem condições de serem cumpridas. Tudo isto diariamente, reiteradamente, caracterizando o processo vitimizador do assédio moral.

A vítima foi totalmente aniquilada no contexto psicológico. Passou a apresentar um quadro de hipertensão, nervosismo, choro constante e diarréia. Antes uma pessoa alegre e comunicativa, afastou-se dos amigos, não tinha mais paciência com os filhos e passou a brigar constantemente com o marido. E a assediadora? Até onde foi conduzida pelos resultados do assédio que protagonizou? Qual a vantagem auferida? Qual sentimento aguçou? Até onde o assédio moral a conduziu? São questionamentos que, uma vez respondidos, passam a delinear o perfil do assediador. Neste caso específico, descobriu-se que a executiva assediadora ficava extremamente irritada com a felicidade que vítima demonstrava em relação a seu cotidiano. A mente deturpada da assediadora não conseguia compreender e assimilar os motivos que levavam uma pessoa que não desfrutava de poder, conforto, dinheiro ou beleza, demonstrar que era feliz com pequenas coisas. Assim, a vítima despertava a ira interior de sua algoz quando comentava no trabalho sobre o churrasco que fez no quintal de sua casa, sobre a festinha simples de aniversário de seu filho, sobre o passeio à praia, dentre outras coisas simples, mas que satisfazem e geram felicidade ao ser humano.

Para a assediadora, a felicidade somente poderia ser conseguida com poder, dinheiro e beleza. Este conceito deformado de vida acabou por gerar um sentimento de vingança interior, destinado àquela pessoa que despontava como uma negativa a seus valores de vida. Assim, a assediadora passou a utilizar os instrumentos que tinha a seu alcance para atingir a pessoa que tanto a incomodava interiormente. Passou, assim, a desenvolver o processo de assédio moral que, neste caso, tinha um objetivo maior que o próprio afastamento da vítima de seu ambiente de trabalho, uma vez que desejava aniquilar a felicidade de viver de seu alvo. Logo, aniquilando, desorientando e gerando a infelicidade da vítima, a assediadora reafirma seus conceitos deturpados de vida, como se dissesse: “Se eu não sou feliz com poder, dinheiro e beleza, muito menos ela será sem tudo isto”.

O caso acima apresentado é apenas um, inserido no universo de dezenas de ocorrências demonstradas durante a pesquisa. Naquele caso específico, os motivos que conduziram a agressora a agir foram estabelecidos por sentimentos de frustração e deformação dos valores da vida. Outras motivações detectadas foram as seguintes: preconceitos de várias espécies (religião, raça, cor, posição social, sexo, idade dentre outros); ambição desmedida; necessidade de impor e afirmar pretensa superioridade; vingança por diversas razões (por assédio sexual mal-sucedido, por denúncias de irregularidades, por outras questões pessoais); inveja etc.

Qualquer que seja a motivação que fomenta e dá combustível ao processo de assédio moral, uma indagação persiste: até onde o assédio moral conduzirá os envolvidos? Podemos vislumbrar “pequenas vitórias” por parte do assediador, uma vez que, não raramente, consegue debilitar e dilapidar a vítima. Mas, é uma vitória aparente e ilusória, uma vez que as reais conseqüências do processo de psicoterror suplantam qualquer tipo de sentimento de satisfação espúria por parte do agressor.

Em um dos capítulos do livro “Assédio Moral no Ambiente de Trabalho – Ética & Aspectos Jurídicos” (com previsão de publicação em outubro/2004, pela Editora Idéia Jurídica), trato das conseqüências geradas pelo assédio moral no ambiente de trabalho, onde pode ser constatado que as repercussões do processo danoso não se limitam aos gravames à saúde física e mental da vítima, transcendendo este resultado mais imediato e impulsionando danos substanciais ao ambiente de trabalho como um todo, o que gera prejuízos concretos à empresa, uma vez que a capacidade laboral, não só da vítima, mas também de seus companheiros de trabalho, acaba por ser prejudicada de forma marcante, tendo como conseqüências a perda de produtividade e redução da arrecadação da empresa, qualquer que seja seu objeto principal. Sob um outro enfoque, a situação gerada pelo processo de assédio moral lança aos ambulatórios médicos e, muitas vezes, aos hospitais uma legião de trabalhadores que, direta ou indiretamente, irão onerar o sistema de saúde público, perpetrando gastos relevantes do orçamento relacionado à saúde.

As considerações traçadas no presente artigo, para os que não estão em contato com o fenômeno, podem parecer exageradas. No entanto, a realidade que circunda o assédio moral no ambiente de trabalho é cruel e devastadora, somente podendo ter idéia dos traumas e prejuízos de toda ordem que precipitam aqueles que já foram tocados pelo psicoterror laboral.

O objetivo da pesquisa que envidamos é exatamente dotar o fenômeno de visibilidade social, além de alertar acerca das impropriedades das leis e projetos de lei que pretendem dar visibilidade jurídica ao assédio moral. Em nosso livro “Assédio Moral no Ambiente de Trabalho – Ética & Aspectos Jurídicos” (previsão de lançamento em outubro/2004), iremos oferecer ao mundo jurídico e aos demais interessados os resultados de uma pesquisa de quase três anos, enfocando as diversas conseqüências do assédio moral (na saúde, nas relações interpessoais, na empresa e no Estado), o aspecto ético da questão, o direito estrangeiro e o direito brasileiro, dentre outros tópicos. Esperamos, assim, que o cuidadoso trabalho que envidamos venha a contribuir para o aperfeiçoamento do estudo do fenômeno, além de trazer esclarecimento e alento às vítimas e conscientização aos algozes. Que todos entendam e tenham consciência de que o assédio moral não conduzirá nenhum dos envolvidos à situação de bem estar e de felicidade real, pelo contrário; o assédio moral tem potencial significativo para conduzir vítima e assediador à destruição, minando, ainda, tudo aquilo que estiver a ser redor.

Sobre o(a) autor(a)
Jorge Luiz de Oliveira da Silva
Autor dos livros "Assédio Moral no Ambiente de Trabalho" (2ª ed) e "Estudos Criminológicos sobre a Violência Psicológica". Juiz-Auditor da Justiça Militar da União. Professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da...
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