Tempo de estudo que ultrapassa quatro horas diárias deve ser computado na remição de pena

Tempo de estudo que ultrapassa quatro horas diárias deve ser computado na remição de pena

Ao reinterpretar o artigo 126 da Lei de Execução Penal (LEP), a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) alterou sua jurisprudência e definiu que o tempo de estudo que ultrapassa as quatro horas diárias previstas na lei deve ser considerado no cálculo da remição de pena. A maioria do colegiado acompanhou o voto da relatora, ministra Laurita Vaz, e adotou para o estudo o mesmo entendimento aplicado na remição por trabalho, na qual se permite o cômputo das horas excedentes à jornada diária.

O habeas corpus foi impetrado no STJ após o juízo das execuções criminais e o Tribunal de Justiça de São Paulo não incluírem no cálculo para a remição da pena de um preso as horas de estudo que ele cumpriu além das quatro previstas na LEP, ao fundamento de que não haveria amparo legal para tanto.

A ministra Laurita Vaz explicou que, como estabelecido na LEP, a pena pode ser remida em duas situações: por estudo ou por trabalho. O inciso I do parágrafo 1º do artigo 126 permite a remição de um dia de pena para cada 12 horas de estudo, divididas em pelo menos três dias (o que resulta na média de quatro horas por dia). No inciso II, a lei determina que será remido um dia da pena para cada três de trabalho.

Segundo a ministra, o Supremo Tribunal Federal estabeleceu que a jornada de trabalho do preso – para a qual a lei não traz previsão alguma – não pode ser superior a oito horas diárias. Em razão disso – acrescentou a relatora –, o STJ firmou o entendimento de que, no caso de trabalho, "eventuais horas extras devem ser computadas quando excederem a oitava hora diária, hipótese em que se admite o cômputo do excedente para fins de remição de pena".

Equiparação

A ministra lembrou que a Sexta Turma, em processo relatado pelo ministro Nefi Cordeiro, no qual se discutia a remição pelo estudo, decidiu que as horas excedentes não deveriam ser consideradas. Conforme entendeu o colegiado naquela ocasião, a lei se refere ao máximo de quatro horas de estudo por dia, mas não estabelece jornada máxima para o trabalho; assim, não havendo isonomia entre as duas situações, não seria possível aplicar para o estudo o mesmo entendimento que considera as horas excedentes computáveis na remição por trabalho.

Para a relatora, contudo, o detalhamento sobre a jornada de trabalho nem seria necessário, "porque o propósito da norma foi o de reger-se pela jornada máxima prevista pela legislação trabalhista".

O fato de a LEP só limitar as horas de estudo não pode impedir a equiparação com a situação da remição por trabalho, avaliou a ministra, para quem não é possível interpretar o artigo 126 como se o legislador tivesse diferenciado as hipóteses de remição com o objetivo de impedir exclusivamente o cômputo das horas excedentes de estudo – "o que, a propósito, não está proibido expressamente para nenhuma das duas circunstâncias".

Humanidade

Em defesa do cômputo das horas excedentes, a relatora citou o professor e defensor público Rodrigo Duque Estrada Roig, segundo o qual "nenhum esforço da pessoa presa para reduzir seu grau de vulnerabilidade – em especial em um ambiente dessocializador por natureza – pode ser desprezado. Em última análise, o princípio da humanidade demanda que todas as oportunidades redutoras de danos sejam aproveitadas, evitando-se desperdícios de esforço humano e tempo existencial".

Por isso, segundo o autor, "não é razoável, nem proporcional, admitir-se a interpretação ampliativa da lei para efeito de remição por trabalho e vedá-la para fins de remição por estudo".

No caso em julgamento, Laurita Vaz verificou que o preso, entre 15 de junho de 2016 e 29 de março de 2017, frequentou cursos de ensino regular ou profissionalizante por quatro horas e dez minutos por dia (ou seja, 12 horas e 30 minutos a cada três dias); assim, o tempo excedido ao limite legal de 12 horas a cada três dias também deve ser considerado para desconto na pena, preservando-se a isonomia com a hipótese de remição por trabalho.

HABEAS CORPUS Nº 461.047 - SP (2018/0185618-1)
RELATORA : MINISTRA LAURITA VAZ
IMPETRANTE : DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO
ADVOGADOS : DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO
BRUNO GIRADE PARISE - SP272254
IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
PACIENTE : ANDERSON DA SILVA MONTEIRO
EMENTA
HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. REMIÇÃO POR
ESTUDO. LIMITE HORÁRIO DE ATIVIDADE ESCOLAR
ULTRAPASSADO. TEMPO QUE EXCEDEU A CARGA DE 4 HORAS
DIÁRIAS QUE DEVE SER COMPUTADO PARA REMIR A PENA.
ISONOMIA COM A HIPÓTESE DE REMIÇÃO POR TRABALHO.
DOUTRINA. PRINCÍPIO DA HUMANIDADE. ORDEM DE HABEAS
CORPUS CONCEDIDA.
1. O art. 126 da Lei de Execuções Penais prevê duas hipóteses de
remição da pena: por trabalho ou por estudo.
2. No caso de frequência escolar, prescreve o inciso I, do § 1.º, do art.
126, da LEP, que o Reeducando poderá remir 1 dia de pena a cada 12 horas de
atividade, divididas, no mínimo, em 3 dias.
3. É certo que, para fins de remição da pena pelo trabalho, a jornada não
pode ser superior a oito horas (STF, HC 136.701, Rel. Min. MARCO AURÉLIO,
Primeira Turma, julgado em 19/06/2018, DJe 31/07/2018; v.g.). Por isso, no caso
de superação da jornada máxima de 8 horas, o Superior Tribunal de Justiça firmou
entendimento de que "eventuais horas extras devem ser computadas quando
excederem a oitava hora diária, hipótese em que se admite o cômputo do
excedente para fins de remição de pena" (HC 462.464/SP, Rel. Ministro
FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 20/09/2018, DJe 28/09/2018).
4. O inciso II do art. 126 da Lei de Execuções Penais limita-se a referir
que a remição ali regrada ocorre à razão de "1 (um) dia de pena a cada 3 (três)
dias de trabalho". Diferentemente, para o caso de estudo, a jornada máxima está
prevista na LEP, ao descrever que a remição é de "1 (um) dia de pena a cada
12 (doze) horas de frequência escolar - atividade de ensino fundamental,
médio, inclusive profissionalizante, ou superior, ou ainda de requalificação
profissional - divididas, no mínimo, em 3 (três) dias" (que resulta média
máxima de 4 horas por dia). Todavia, a circunstância de a LEP limitar apenas as
horas de estudos não pode impedir a equiparação com a situação da remição por
trabalho. A mens legis que mais se aproxima da intenção ressocializadora da
LEP é a de que tal detalhamento, no inciso II, seria na verdade despiciendo,
porque o propósito da norma foi o de reger-se pela jornada máxima prevista pela
legislação trabalhista. Não é possível interpretar o art. 126 como se o Legislador
tivesse diferenciado as hipóteses de remição para impedir que apenas as horas
excedentes de estudo não pudessem ser remidas – o que, a propósito, não está
proibido expressamente para nenhuma das duas circunstâncias. 5.
"[N]enhum esforço da pessoa presa para reduzir seu grau de
vulnerabilidade – em especial em um ambiente dessocializador
por natureza – pode ser desprezado. Em última análise, o princípio da humanidade
demanda que todas as oportunidades redutoras de danos sejam
aproveitadas, evitando-se desperdícios de esforço humano e tempo
existencial. [...]. [N]ão é razoável, nem proporcional, admitir-se a
interpretação ampliativa da lei para efeito de remição por trabalho e
vedá-la para fins de remição por estudo" (ROIG, Rodrigo Duque Estrada.
Execução Penal: Teoria Crítica. 4.ª Ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018,
pp. 419-420).
6. Na espécie, como entre 15/06/2016 e 29/03/2017 o Paciente
frequentou curso de ensino regular ou profissionalizante por 4 horas e 10 minutos
diários (ou seja, 12 horas e 30 minutos a cada 3 dias), o tempo excedido ao
limite legal de 12 horas a cada 3 dias também deve ser considerado para
diminuir a pena, para guardar isonomia com a hipótese de remição por trabalho.
7. Ordem de habeas corpus concedida para que a atividade escolar que
excedeu a carga de 4 horas diárias seja computada para fins de remição, contada
conforme a primeira parte do inciso I, do § 1.º, do art. 126,
da Lei de Execução Penal.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Sexta Turma
do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir,
prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Rogerio Schietti Cruz concedendo
a ordem, sendo acompanhado pelo Sr. Ministro Nefi Cordeiro, e do voto do Sr. Ministro Antonio
Saldanha Palheiro denegando a ordem, por maioria, conceder a ordem, nos termos do voto da
Sra. Ministra Relatora. Votaram vencidos os Srs. Ministros Rogerio Schietti Cruz (voto-vista) e
Nefi Cordeiro. Os Srs. Ministros Sebastião Reis Júnior e Antonio Saldanha Palheiro votaram com
a Sra. Ministra Relatora.
Brasília (DF), 04 de agosto de 2020(Data do Julgamento)
MINISTRA LAURITA VAZ
Relatora

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (STJ - Superior Tribunal de Justiça) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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