Em revisão criminal, STJ reconhece prescrição de crime de falsidade ideológica

Em revisão criminal, STJ reconhece prescrição de crime de falsidade ideológica

A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, reconheceu a ocorrência da prescrição da pretensão punitiva no crime de falsidade ideológica imputado a um vereador acusado de colocar uma empresa em nome de "laranjas" para obter contrato com o poder público.

Para o relator do caso, ministro Reynaldo Soares da Fonseca, o crime é instantâneo e foi consumado no momento da primeira alteração fraudulenta – a inserção do nome de "laranjas" como donas da empresa. Segundo ele, esse crime não se reitera ou continua pelo fato de, em alterações contratuais posteriores, os nomes das "laranjas" não terem sido trocados pelos nomes dos verdadeiros donos da empresa.

"A falsidade ideológica é crime formal e instantâneo, cujos efeitos podem vir a se protrair no tempo. A despeito dos efeitos que possam ou não vir a gerar, ela se consuma no momento em que é praticada a conduta", explicou.

Termo inicial

Segundo os autos, o vereador utilizou o nome de duas mulheres como "laranjas" para representar uma empresa visando obter contrato com a Prefeitura de Porto Velho em 2012. A inserção dos nomes das duas mulheres na empresa aconteceu em 2003 e 2007, com posteriores alterações no contrato social realizadas em 2010 e 2011.

Em 2018, o caso foi julgado no STJ em decisão monocrática – que, ao analisar a alegação de atipicidade da conduta por falta de demonstração do dolo específico característico da falsidade ideológica, concluiu que a revisão do entendimento adotado pelo Tribunal de Justiça esbarraria na Súmula 7 do tribunal. Nesse ponto, a decisão não foi impugnada pelo recorrente no agravo regimental interposto perante o colegiado.

No pedido de revisão criminal, o requerente sustentou que a condenação estabelecida no recurso especial violou a correta aplicação da lei penal, alegando que estaria prescrita a pretensão punitiva, se consideradas como termo inicial da contagem do prazo as datas em que foram inseridos os nomes das "laranjas" no contrato social da empresa.

Também alegou infração aos artigos 71, 109 e 299 do Código Penal, em razão da ausência de demonstração, no acórdão recorrido, do dolo específico do agente, elemento indispensável à configuração do delito de falsidade ideológica.

Interpretação equivocada

O relator, ministro Reynaldo Soares da Fonseca, explicou que somente compete ao STJ o julgamento de revisões criminais de seus próprios julgados. No caso em análise, o ministro destacou que o crime teve pena reduzida, pelo deferimento do recurso da defesa, para um ano, dois meses e 12 dias, e por isso, de acordo com o artigo 109, V, do Código Penal, a prescrição é de quatro anos.

O pedido de revisão, segundo ele, só poderia ser conhecido em parte, quanto à alegação de prescrição da pretensão punitiva. E, nesse ponto, merecia ser julgado procedente, pois os fatos ocorreram em 2003 e 2007, e a denúncia foi recebida somente em 2013, o que caracteriza a prescrição, já que transcorreram mais de quatro anos entre a data dos delitos e o recebimento da denúncia.

O relator destacou que o julgado rescindendo admitiu que a falsidade ideológica foi praticada em 2003 e 2007, mas considerou ter havido reiteração da prática quando, por ocasião das alterações contratuais ocorridas em 2010 e duas vezes em 2011, o réu deixou de regularizar o nome dos sócios verdadeiramente titulares da empresa, mantendo o nome das "laranjas".

"A interpretação dada pelo julgado rescindendo é equivocada. A lei não pune um crime instantâneo porque ele continua produzindo efeitos depois de sua consumação. Seria absurdo punir um homicídio perpetuamente porque a vítima continua morta. O prazo prescricional deve ser contado da consumação do delito, e não da eventual reiteração de seus efeitos", apontou.

Dessa forma, no entender do ministro, o termo inicial da contagem do prazo prescricional é o momento da consumação do delito – no caso, 2003 e 2007.

O momento do crime

Para o ministro, também não é possível entender que constitui novo crime a omissão do réu em corrigir informação falsa por ele inserida em documento público.

Segundo o relator, se os dois delitos de falsidade ideológica imputados ao autor da revisão criminal foram a inserção dos nomes das "laranjas" no contrato, "há de se reconhecer que o termo inicial para a contagem do prazo prescricional deve ser o momento em que seus nomes foram inseridos, e não, como o fez o julgado rescindendo, momentos posteriores em que foram feitas novas alterações no contrato social da empresa para alterar outros itens, mantendo o nome das 'laranjas' como sócias".

Ao conhecer em parte da revisão criminal, o colegiado julgou procedente a tese da prescrição e deu por prejudicado o exame da alegação de inexistência de continuidade delitiva.

REVISÃO CRIMINAL Nº 5.233 - DF (2019/0327681-6)
RELATOR : MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA
REVISOR : MINISTRO RIBEIRO DANTAS
REQUERENTE : FRANCISCO EDWILSON BESSA HOLANDA DE NEGREIROS
ADVOGADOS : MARILDA DE PAULA SILVEIRA - MG090211
NELSON CANEDO MOTTA - RO002721
ADVOGADOS : BÁRBARA MENDES LÔBO - DF021375
FLAVIO HENRIQUE UNES PEREIRA - DF031442
EZIKELLY SILVA BARROS - DF031903
GUSTAVO NÓBREGA DA SILVA - RO005235
IGOR HABIB RAMOS FERNANDES - RO005193
RAÍSA ALCÂNTARA BRAGA - RO006421
RAPHAEL ROCHA DE SOUZA MAIA - DF052820
HEFFRÉN NASCIMENTO DA SILVA - DF059173
THIAGO BARRA DE SOUZA - DF059624
REQUERIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE RONDÔNIA
EMENTA
REVISÃO CRIMINAL. ART. 621, I, CPP. CONDENAÇÃO POR
FALSIDADE IDEOLÓGICA (ART. 299, CP) DECORRENTE DA
INSERÇÃO DO NOME DE TERCEIROS (“LARANJAS”), NO
CONTRATO SOCIAL DE EMPRESA QUE ERA DA
PROPRIEDADE DO RÉU. CRIME INSTANTÂNEO
CONSUMADO NO MOMENTO DA PRIMEIRA ALTERAÇÃO
FRAUDULENTA, QUE NÃO SE REITERA OU CONTINUA
PELO FATO DE, EM ALTERAÇÕES CONTRATUAIS
POSTERIORES, OS NOMES DAS SÓCIAS “LARANJA” NÃO
TEREM SIDO TROCADOS PELOS NOMES DOS
VERDADEIROS SÓCIOS. TERMO INICIAL DA CONTAGEM
DO PRAZO PRESCRICIONAL: O MOMENTO DA
CONSUMAÇÃO DO DELITO. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO
PUNITIVA QUE SE RECONHECE.
1. Por força do art. 105, inciso I, alínea e da Constituição Federal, a
competência desta Corte para processar e julgar Revisão Criminal
limita-se às hipóteses de seus próprios julgados, demandando, ainda,
que a questão tenha sido examinada no mérito nesta instância.
Precedentes do STJ.
Se a alegação de atipicidade da conduta não chegou a ser conhecida
em recurso especial julgado nesta Corte, não é do STJ a competência
para reexaminá-la, em sede de revisão criminal.
2. A falsidade ideológica é crime formal e instantâneo, cujos efeitos
podem vir a se protrair no tempo. A despeito dos efeitos que possam,
ou não, vir a gerar, ela se consuma no momento em que é praticada a
conduta. Precedentes.
3. Diante desse contexto, o termo inicial da contagem do prazo da
prescrição da pretensão punitiva é o momento da consumação do
delito, e não da eventual reiteração de seus efeitos.
Se o julgado rescindendo admite que os falsos foram praticados em
2003 e 2007, quando as sócias “laranja” foram incluídas pela primeira
vez no contrato social da empresa, erra ao afirmar que teriam sido
reiterados quando, por ocasião das alterações contratuais ocorridas
em 21/06/2010, 1°/06/2011 e 26/07/2011, o réu deixou de regularizar
o nome dos sócios verdadeiramente titulares da empresa, mantendo o
nome dos “laranjas”.
Isso porque, não há como se entender que constitui novo crime a
omissão do réu em corrigir informação falsa por ele inserida em
documento público quando teve oportunidade para tanto. Tampouco
há como se entender que a lei pune um crime instantâneo porque ele
continua produzindo efeitos depois de sua consumação.
4. Considerando-se que o julgado rescindendo deu parcial provimento
ao recurso especial da defesa para, estabelecida a pena-base no
mínimo legal, fixar a pena definitiva em 1 ano, 2 meses e 12 dias de
reclusão, e 12 dias-multa, a prescrição pela pena em concreto, nos
termos dos arts. 109, VI, c/c 110, caput, do Código Penal, verifica-se
“em 3 (três) anos, se o máximo da pena é inferior a 1 (um) ano”.
Sabido que a denúncia (primeiro dos marcos interruptivos da
prescrição – art. 117, I, CP) foi recebida em 10/01/2013, tem razão o
autor da revisão criminal quanto afirma que os delitos, praticados 2003
e 2007, pelos quais foi condenado estão prescritos.
5. Revisão criminal conhecida em parte, e, na parte conhecida, julgada
procedente, para reconhecer a ocorrência da prescrição da pretensão
punitiva estatal.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, A Terceira Seção,
por unanimidade, conhecer em parte da Revisão Criminal, e, na parte conhecida, julgar-a
procedente para reconhecer a ocorrência da prescrição da pretensão punitiva estatal, nos
termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Ribeiro Dantas (Revisor), Antonio
Saldanha Palheiro, Joel Ilan Paciornik, Felix Fischer, Laurita Vaz, Jorge Mussi, Sebastião Reis
Júnior e Rogerio Schietti Cruz votaram com o Sr. Ministro Relator.
Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Nefi Cordeiro.
Dra. Ezikelly Silva Barros sustentou oralmente pela parte requerente:
Francisco Edwilson Bessa Holanda de Negreiros.
Brasília (DF), 13 de maio de 2020(Data do Julgamento)

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (STJ - Superior Tribunal de Justiça) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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