Posse de drogas para consumo próprio não obriga revogação da suspensão condicional do processo

Posse de drogas para consumo próprio não obriga revogação da suspensão condicional do processo

A instauração de ação penal por posse de droga para consumo próprio – crime descrito no artigo 28 da Lei de Drogas (Lei 11.343/2006) –, no curso do período de prova, é causa de revogação facultativa da suspensão condicional do processo.

Com esse entendimento, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) cassou acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que concluiu que, em tal situação, a suspensão do processo deveria ser revogada obrigatoriamente.

Com a decisão, a Quinta Turma encaminhou o processo para que o juiz de primeira instância analise se é o caso de revogar a suspensão condicional do processo ou de declarar a extinção da punibilidade, caso tenham sido cumpridas todas as obrigações impostas ao acusado.

Após o TJSP ter concluído pela revogação obrigatória do benefício, o acusado entrou com recurso especial, no qual apontou as peculiaridades do crime de posse de drogas para consumo próprio, lembrando que o artigo 28 da Lei 11.343/2006, inclusive, tem sua constitucionalidade questionada perante o Supremo Tribunal Federal (STF).

O recorrente defendeu que o delito de posse de drogas tenha o mesmo efeito para a suspensão do processo que a contravenção penal, com a aplicação ao seu caso da regra do parágrafo 4º do artigo 89 da Lei 9.099/1995, pois as consequências da conduta descrita no artigo 28 da Lei de Drogas são até mais amenas do que as de uma contravenção.

Precedentes

O ministro Ribeiro Dantas, relator do recurso, observou que, como registrado pelo acórdão do TJSP, a posse de drogas para consumo próprio não foi descriminalizada, mas apenas despenalizada. Em tese, a prática dessa conduta geraria os mesmos efeitos secundários que qualquer outro crime, como a reincidência e a revogação obrigatória da suspensão do processo.

Entretanto, de acordo com o ministro, a Sexta Turma definiu em 2018 que a condenação por posse de drogas para consumo próprio não deve constituir causa de reincidência.

"Vem-se entendendo que a prévia condenação pela prática da conduta descrita no artigo 28 da Lei 11.343/2006, justamente por não configurar a reincidência, não pode obstar, por si só, a concessão de benefícios como a incidência da causa de redução de pena prevista no parágrafo 4º do artigo 33 da mesma lei ou a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos", explicou o relator ao citar precedentes da Quinta e da Sexta Turmas.

Proporcionalidade

Ribeiro Dantas afirmou que o entendimento pela não caracterização da reincidência se baseia na comparação entre o crime do artigo 28 e a contravenção penal: como a contravenção não gera reincidência, "revela-se desproporcional considerar, para fins de reincidência, o prévio apenamento por posse de droga para consumo próprio".

Segundo o ministro, igualmente se mostra desproporcional que a mera existência de ação penal por posse de drogas para consumo próprio torne obrigatória a revogação da suspensão condicional do processo, enquanto a ação por contravenção dá margem à revogação facultativa.

Afinal, explicou o relator, embora a posse de drogas ainda seja crime, ela é punida com advertência, prestação de serviços e comparecimento a cursos educativos, enquanto a prática de contravenção leva à prisão simples em regime aberto ou semiaberto.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.795.962 - SP (2019/0041556-7)
RELATOR : MINISTRO RIBEIRO DANTAS
RECORRENTE : FELIPE WENCESLAU ASSIS SUZUKI
ADVOGADOS : DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO
LEANDRO DE CASTRO GOMES - DEFENSOR PÚBLICO - MG110528
RECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO
EMENTA
PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. NEGATIVA DE
VIGÊNCIA AO ART. 89, § 4º, DA LEI N. 9.099/95. PROCESSAMENTO DO
RÉU PELA PRÁTICA DA CONDUTA DESCRITA NO ART. 28 DA LEI N.
11.343/06 NO CURSO DO PERÍODO DE PROVA DE SUSPENSÃO
CONDICIONAL DO PROCESSO. CAUSA OBRIGATÓRIA DE
REVOGAÇÃO DO BENEFÍCIO. DESPROPORCIONALIDADE.
ANALOGIA COM A PRÁTICA DE CONTRAVENÇÃO PENAL. ANÁLISE
COMO CAUSA FACULTATIVA DE REVOGAÇÃO. RECURSO
PARCIALMENTE PROVIDO.
1. A conduta prevista no artigo 28 da Lei n. 11.343/2006 não foi descriminalizada,
mas apenas despenalizada pela nova Lei de Drogas. Assim, em princípio, não
tendo havido a abolitio criminis, a prática do crime descrito no artigo 28 da Lei n.
11.343/2006 tem aptidão de gerar os mesmos efeitos secundários que uma
condenação por qualquer outro crime gera, como a reincidência e a revogação
obrigatória da suspensão condicional do processo, como previsto no artigo 89, §
3º, da Lei n. 9.099/1995. Todavia, importantes ponderações no âmbito desta Corte
Superior têm sido feitas no que diz respeito aos efeitos que uma condenação por
tal delito pode gerar.
2. Em recente julgado deste Tribunal entendeu-se que "em face dos
questionamentos acerca da proporcionalidade do direito penal para o controle do
consumo de drogas em prejuízo de outras medidas de natureza extrapenal
relacionadas às políticas de redução de danos, eventualmente até mais severas
para a contenção do consumo do que aquelas previstas atualmente, o prévio
apenamento por porte de droga para consumo próprio, nos termos do artigo 28 da
Lei de Drogas, não deve constituir causa geradora de reincidência" (REsp
1.672.654/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA
TURMA, julgado em 21/08/2018, DJe 30/08/2018). Outrossim, vem-se
entendendo que a prévia condenação pela prática da conduta descrita no art. 28
da Lei n. 11.343/2006, justamente por não configurar a reincidência, não pode
obstar, por si só, a concessão de benefícios como a incidência da causa de
redução de pena prevista no § 4º do art. 33 da mesma lei ou a substituição da
pena privativa de liberdade por restritivas de direitos.
3. O principal fundamento para este entendimento toma por base uma
comparação entre o delito do artigo 28 da Lei de Drogas e a contravenção penal,
concluindo-se que, uma vez que a contravenção penal (punível com pena de
prisão simples) não configura a reincidência, revela-se desproporcional considerar,
para fins de reincidência, o prévio apenamento por posse de droga para consumo
próprio (que, embora seja crime, é punido apenas com advertência sobre os
efeitos das drogas, prestação de serviços à comunidade e medida educativa de
comparecimento a programa ou curso educativo, ou seja, medidas mais amenas).
4. Adotando-se tal premissa por fundamento, igualmente, mostra-se
desproporcional que o mero processamento do réu pela prática do crime previsto
no artigo 28 da Lei n. 11.343/2006 torne obrigatória a revogação da suspensão
condicional do processo (art. 89, § 3º, da Lei n. 9.099/1995), enquanto que o
processamento por contravenção penal (que tem efeitos primários mais
deletérios) ocasione a revogação facultativa (art. 89, § 4º, da Lei n. 9.099/1995).
Assim, é mais razoável que o fato de o recorrente estar sendo processado pela
prática do crime previsto no artigo 28 da Lei n. 11.343/2006 seja analisado como
causa facultativa de revogação do benefício da suspensão condicional do
processo, cabendo ao magistrado proceder nos termos do § 4º do artigo 89 da Lei
n. 9.099/2006 ou extinguir a punibilidade do recorrente (art. 89, § 5º, da Lei n.
9.099/1995), a partir da análise do cumprimento das obrigações impostas.
4. Recurso especial parcialmente provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade,
conhecer do recurso e lhe dar parcial provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os
Srs. Ministros Joel Ilan Paciornik, Leopoldo de Arruda Raposo (Desembargador convocado do
TJ/PE), Jorge Mussi e Reynaldo Soares da Fonseca votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília (DF), 10 de março de 2020 (data do julgamento)
MINISTRO RIBEIRO DANTAS
Relator

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (STJ - Superior Tribunal de Justiça) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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