Testemunha de advogado que a assistiu em processo contra o mesmo empregador é suspeita
A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho acolheu o recurso de revista da Empresa Brasileira de Ensino, Pesquisa e Extensão S.A. – Embrae para impedir que uma testemunha fosse ouvida em audiência de reclamação trabalhista ajuizada por ex-advogado da empresa. O colegiado entendeu estar caracterizada a suspeição, uma vez que a testemunha foi cliente do advogado em reclamação trabalhista também contra a Embrae.
Iguais atividades
O advogado foi coordenador do curso de Direito na Embrae de julho de 2005 a outubro de 2011 e buscava receber diferenças salariais com o argumento de ter direito à equiparação salarial com uma colega, também coordenadora de curso. Segundo ele, os dois exerciam atividades iguais, “com idêntica produtividade e perfeição técnica”. Justificou o pedido com base no artigo 461 da CLT, que dispõe que, sendo idêntica a função, a todo trabalho de igual valor, prestado ao mesmo empregador, na mesma localidade, corresponderá igual salário, sem distinção de sexo, nacionalidade ou idade.
Testemunha
Para comprovar o exercício das atividades, o coordenador pediu que a colega coordenadora prestasse testemunho a seu favor contra a empregadora. Todavia, a empresa pediu que o testemunho fosse desconsiderado, pois o coordenador havia atuado como advogado dela em reclamação trabalhista também contra a Embrae. Para a empresa, o depoimento estava “recheado de inconsistências” e com “tentativas clarividentes de ajudar o autor da ação”, em razão da relação cliente e advogado, cujos honorários advocatícios, segundo a Embrae, ainda estavam pendentes de pagamento.
Levianas
O coordenador qualificou como absurdas e levianas as argumentações da empresa e chamou de aventura processual a tentativa de induzir o caráter de suspeição à testemunha por ele levada. Ele garantiu que a professora não era sua amiga, apenas colega, e não tinha qualquer interesse econômico em ajudá-lo. Para o coordenador, a intenção da Embrae foi desconstituir, desmoralizar e invalidar o depoimento da testemunha, pois sabia que os dois exerciam iguais atividades.
TRT
O juízo da 3ª Vara do Trabalho de Vitória (ES) e o Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região entenderam que não ficou configurada a suspeição da testemunha. Conforme interpretação do TRT, não ficou comprovado o interesse da testemunha no litígio, “até porque foi o coordenador que atuou como advogado da testemunha, e não o contrário”. Segundo a decisão, se o coordenador era credor de honorários, não há como presumir o interesse da testemunha, pois esse interesse existiria se o advogado atuasse como testemunha da parte que representou.
Confiança, consideração e reconhecimento
Em seu voto, o relator do recurso de revista da Embrae, ministro Vieira de Mello Filho, lembrou que existe entre advogado e cliente uma relação de confiança altamente diferenciada – “Confiança, consideração e reconhecimento que se exteriorizam ainda na escolha do advogado pelo cliente e que se mantém ao longo da representação processual e mesmo após o seu término”. Nessas condições, segundo ele, poderia haver predisposição da testemunha em confirmar os fatos e as teses jurídicas que favorecessem o advogado.
Relação obrigacional
O ministro também ressaltou a relação obrigacional entre a testemunha, devedora de honorários advocatícios, e o coordenador, credor desses honorários. Questão, segundo ele, suficiente para sujeitar uma falta de neutralidade pela testemunha. Na visão do relator, se o coordenador pretendia ajuizar reclamação trabalhista contra a empresa e considerava relevante o testemunho, não deveria ter aceitado atuar para ela contra o empregador. Para o ministro, a situação exposta macula a isenção de ânimo da testemunha.
Por unanimidade, a Sétima Turma declarou a nulidade de todos os atos decisórios praticados nos autos desde a oitiva das testemunhas e determinou o retorno do processo à Vara do Trabalho para que, reaberta a instrução processual, prossiga na análise dos pedidos feitos pelo professor.
Processo: ARR-59800-34.2012.5.17.0003
RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELA
RECLAMADA SOB A ÉGIDE DO CPC/1973 E DA
LEI Nº 13.015/2014 – CONTRADITA DE
TESTEMUNHA – RECLAMANTE PATRONO DA
TESTEMUNHA EM RECLAMAÇÃO TRABALHISTA
ANTERIORMENTE AJUIZADA POR ESTA CONTRA
O MESMO RECLAMADO – SUSPEIÇÃO
CONFIGURADA.
1. É incontroverso nos autos que a
testemunha contraditada – Srª Rosana
Alves - nomeou o reclamante como seu
advogado em reclamação trabalhista por
ela ajuizada contra o mesmo reclamado
(autos de nº
0026600-33.2012.5.17.0004).
2. Para além da relação obrigacional
existente entre Srª Rosana Alves
(devedora de honorários advocatícios) e
o reclamante (credor) – o que já seria
motivo suficiente para tisnar a
neutralidade que se exige de uma
testemunha – há entre eles uma relação
de confiança, altamente diferenciada
que é aquela constituída entre o
representado e o seu advogado.
Confiança, consideração e
reconhecimento que se exteriorizam
ainda na escolha do advogado pelo
cliente e que se mantém ao longo da
representação processual e mesmo após o
seu término. É óbvio que haverá uma
predisposição da Srª Rosana Alves em
confirmar os fatos e as teses jurídicas
que favorecem o autor da presente ação,
uma vez que recebera orientação e
aconselhamento técnico-jurídico por
parte deste, ao tratar da sua ação
judicial em face do mesmo empregador.
Nessa perspectiva, se o reclamante
pretendia ajuizar reclamação
trabalhista contra a reclamada e
considerava relevante o testemunho da
Srª Rosana Alves, não deveria ter aceito
o patrocínio da demanda trabalhista
desta em face do mesmo empregador (ambas
ações foram propostas no mesmo ano!). A
situação delineada obviamente macula a
isenção de ânimo da Srª Rosana Alves,
ouvida nestes autos como testemunha,
configurando-se, desse modo, a
suspeição arguida pela reclamada,
conforme hipótese prevista no art. 405,
§ 3º, IV, do CPC/1973.
Recurso de revista conhecido e provido.
AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE
REVISTA INTERPOSTO PELO RECLAMANTE SOB
A ÉGIDE DO CPC/1973 E DA LEI Nº
13.015/2014. Julgado procedente o
recurso de revista da reclamada, cuja
consequência é a anulação dos atos
decisórios praticados nos autos desde a
oitiva de testemunhas, resulta
prejudicado o exame do apelo do
reclamante.