Morte de consignante não extingue dívida, e espólio deve ser usado no pagamento

Morte de consignante não extingue dívida, e espólio deve ser usado no pagamento

A morte de consignante não extingue dívida por ele contraída, devendo o pagamento ser feito por seu espólio ou, se já realizada a partilha, pelos seus herdeiros, no limite do valor transmitido. Segundo os ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a Lei 8.112/90revogou a Lei 1.046/50 e, dessa forma, a previsão que garantia essa hipótese de extinção não pode mais ser aplicada.

Os embargos à execução foram opostos por três herdeiros que alegaram a extinção da dívida contraída pela mãe falecida, oriunda de contratos de crédito consignado em folha de pagamento.

A sentença julgou procedente o pedido formulado na petição inicial, reconhecendo a extinção da dívida. No entanto, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul deu provimento à apelação do banco credor, pois entendeu que a herança responde pelo débito.

No recurso especial, os herdeiros sustentaram violação ao artigo 16 da Lei 1.046/50, que dispõe sobre a extinção da dívida pelo falecimento, não tendo essa disposição sido revogada em função do artigo 2°, parágrafo 1°, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB). Além disso, para os filhos da falecida, o imóvel herdado não poderia ser penhorado, uma vez que serve à entidade familiar, sendo habitado por eles.

Revogação da lei

A relatora do recurso no STJ, ministra Nancy Andrighi, disse que na controvérsia foi aplicada aLei 10.820/03, que regula a consignação em folha de pagamento dos empregados regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e dos titulares de benefícios de aposentadoria ou pensão do Regime Geral da Previdência Social (RGPS). No entanto, a lei não trata da hipótese de extinção da dívida pelo falecimento do devedor.

Ela explicou que, pelo princípio da continuidade, previsto no artigo 2° da LINDB, excetuadas as hipóteses legalmente admitidas, a lei tem caráter permanente, vigendo até que outra a revogue. Nos termos do parágrafo 1° do dispositivo, a lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare (revogação expressa), quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior (revogação tácita).

“Infere-se que a Lei 10.820/03 não declarou, expressamente, revogada a Lei 1.046/50, tanto que esta ainda conta como formalmente vigente na página eletrônica da presidência da República”, disse. Contudo, a relatora informou que o STJ já tem precedentes no sentido de que, após a edição da Lei 8.112/90, encontra-se revogada, no âmbito das entidades e dos servidores sujeitos ao seu regime, a disciplina de consignação em folha de pagamento disposta pelas Leis 1.046/50 e 2.339/54.

“Configura-se, pois, a ab-rogação tácita ou indireta da Lei 1.046/50 na medida em que a Lei 8.112/90 tratou, inteiramente, da matéria contida naquela, afastando a sua vigência no ordenamento jurídico. Não havendo na lei revogadora previsão semelhante à do artigo 16 da Lei 1.046/50, não há falar, a partir da entrada em vigor da Lei 8.112/90, em extinção da dívida por morte do consignante”, explicou.

Dessa forma, a relatora disse que, ainda que não tenha ficado claro se a consignante era celetista ou estatutária, o artigo 16 da Lei 1.046/50 não está mais em vigor, não tendo o seu texto sido reproduzido na legislação vigente sobre o tema.

Imóvel de família

Em relação à impenhorabilidade do bem de família, segundo Nancy Andrighi, a Terceira Turma já tratou da matéria e decidiu que a aceitação da herança opera a responsabilização pessoal, dentro dos limites legais, razão pela qual, não sendo possível o alcance do bem herdado, nada impedirá que outros bens respondam pela dívida.

Para a ministra, “afastar a responsabilidade pessoal dos herdeiros ao argumento exclusivo da impenhorabilidade do imóvel equivaleria, portanto, a assegurar ao herdeiro acréscimo patrimonial não compatível com o acervo hereditário, acarretando, por fim, vedado enriquecimento sem causa”.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.753.135 - RS (2018/0168319-8)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : RAMIRO GASPAROTTO
RECORRENTE : RAFAEL RENATO GASPAROTTO
RECORRENTE : RENATA GASPAROTTO
ADVOGADO : MIGUEL SEBBEN - RS044690
RECORRIDO : BANCO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL SA
ADVOGADOS : PAULO LAERCIO SOARES MADEIRA - RS0008152
SANDRA MARISA LAMEIRA - RS0052353
NIVEA MUNDSTOCK MADEIRA - RS0041306
DARIO JUNIOR DA MOTTA GERMANO E OUTRO(S) - RS0053654
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. NEGATIVA DE
PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. AFASTADA. CONTRATO DE CRÉDITO
CONSIGNADO EM FOLHA DE PAGAMENTO. FALECIMENTO DA
CONSIGNANTE. EXTINÇÃO DA DÍVIDA. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. ART.
16 DA LEI 1.046/50. REVOGAÇÃO TÁCITA. IMPENHORABILIDADE DO BEM DE
FAMÍLIA. SÚMULA 7/STJ. MAJORAÇÃO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
1. Embargos à execução opostos em 02/10/13. Recurso especial interposto
em 25/01/18 e concluso ao gabinete em 20/07/18.
2. O propósito recursal é dizer sobre a extinção da dívida decorrente de
contrato de crédito consignado em folha de pagamento, em virtude do
falecimento da consignante.
3. Devidamente analisadas e discutidas as questões de mérito, e
fundamentado corretamente o acórdão recorrido, de modo a esgotar a
prestação jurisdicional, não há que se falar em violação do art. 489, §1º, IV,
do CPC.
4. Pelo princípio da continuidade, inserto no art. 2º da Lei de Introdução às
Normas do Direito Brasileiro – LINDB, excetuadas as hipóteses legalmente
admitidas, a lei tem caráter permanente, vigendo até que outra a revogue.
E, nos termos do § 1º do referido dispositivo, a lei posterior revoga a
anterior quando expressamente o declare (revogação expressa), quando
seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que
tratava a lei anterior (revogação tácita).
5. A leitura dos arts. 3º e 4º da Lei 1.046/50 evidencia que se trata de
legislação sobre consignação em folha de pagamento voltada aos servidores
públicos civis e militares.
6. Diferentemente da Lei 1.046/50, a Lei 10.820/03 regula a consignação em
folha de pagamento dos empregados regidos pela Consolidação das Leis do
Trabalho – CLT e dos titulares de benefícios de aposentadoria e pensão do
Regime Geral de Previdência Social.

7. Segundo a jurisprudência do STJ, houve a ab-rogação tácita ou indireta da
Lei 1.046/50 pela Lei 8.112/90, pois esta tratou, inteiramente, da matéria
contida naquela, afastando, em consequência, a sua vigência no
ordenamento jurídico.
8. Malgrado a condição da consignante – se servidora pública estatutária ou
empregada celetista; se ativa ou inativa – não tenha sido considerada no
julgamento dos embargos à execução opostos pelos recorrentes, tal fato não
impede o julgamento deste recurso especial, porquanto, sob qualquer
ângulo que se analise a controvérsia, a conclusão é uma só: o art. 16 da Lei
1.046/50, que previa a extinção da dívida em virtude do falecimento do
consignante, não está mais em vigor, e seu texto não foi reproduzido na
legislação vigente sobre o tema.
9. No particular, a morte da consignante não extingue a dívida por ela
contraída mediante consignação em folha, mas implica o pagamento por
seu espólio ou, se já realizada a partilha, por seus herdeiros, sempre nos
limites da herança transmitida (art. 1.997 do CC/02).
10. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, não provido,
com majoração de honorários advocatícios recursais.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira
Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas
taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer em parte do recurso
especial e, nesta parte, negar-lhe provimento, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)
Relator(a). Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva e
Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Marco Aurélio Bellizze.
Brasília (DF), 13 de novembro de 2018(Data do Julgamento)
MINISTRA NANCY ANDRIGHI
Relatora

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (STJ - Superior Tribunal de Justiça) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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