Direito real de habitação na união estável não admite aluguel ou empréstimo do imóvel
Assim como no casamento, não é permitido ao companheiro sobrevivente de união estável, titular do direito real de habitação, celebrar contrato de comodato ou locação do imóvel com terceiro.
Com esse entendimento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou provimento ao recurso de uma pessoa que, alegando não dispor de meios para manter um imóvel de luxo localizado em área nobre, havia celebrado contrato de comodato com terceiro após o falecimento de seu companheiro.
Segundo a relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, não há nenhuma singularidade na união estável que justifique eventual tratamento diferenciado em relação ao casamento, especificamente quanto às condições de exercício do direito real de habitação.
A ministra destacou que a regra do artigo 7º da Lei 9.278/96 deve ser interpretada em conjunto com o artigo 746 do Código Civil de 1916, vigente à época, no sentido da impossibilidade de alugar ou emprestar o imóvel objeto do direito real de habitação.
“Interpretação em sentido diverso estabeleceria uma paradoxal situação em que, tendo como base o mesmo instituto jurídico – direito real de habitação – e que tem a mesma finalidade – proteção à moradia e à dignidade da pessoa humana –, ao cônjuge supérstite seria vedado alugar ou emprestar o imóvel, mas ao companheiro sobrevivente seria possível praticar as mesmas condutas, não havendo, repise-se, nenhuma justificativa teórica para que se realizasse distinção dessa índole”, afirmou a ministra.
Dificuldades financeiras
No recurso, a recorrente alegou ter sido vítima de esbulho possessório praticado pela filha do seu falecido companheiro – e reconhecido em sentença transitada em julgado. Disse que, ao retomar a posse do imóvel, encontrou-o danificado, e não tinha condições financeiras para os reparos necessários, nem para a manutenção de rotina. Por isso, optou por assinar contrato de comodato com uma pessoa que teria se comprometido a reformar e conservar o imóvel.
A ministra explicou que o esbulho não justifica a flexibilização da regra legal que veda o comodato do imóvel sobre o qual recai o direito real de habitação. Segundo ela, não há nexo de causalidade entre o esbulho possessório e a posterior celebração do contrato de comodato.
Nancy Andrighi lembrou que a recorrente poderia ter adotado outras condutas na tentativa de superar as dificuldades que encontrou para conservar o imóvel após o esbulho, inclusive pleitear indenização para recompor a situação anterior.
RECURSO ESPECIAL Nº 1.654.060 - RJ (2013/0364201-8)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : DIVA CRISTINA MOREIRA DE PINHO
ADVOGADO : ANDRÉ GUSTAVE DUMORTOUT DE MENDONÇA E OUTRO(S) - RJ141506
RECORRIDO : ANA CRISTINA D'ÁVILLA ROQUE AMORIM
ADVOGADOS : NERIVALDO LIRA ALVES - RJ111386
GUIDO VASCONCELOS DOS REIS E OUTRO(S) - RJ114247
RECORRIDO : ARY CRUVELLO D'ÁVILLA - ESPÓLIO
REPR. POR : LUIZ MARCONDES BAPTISTA - INVENTARIANTE
ADVOGADO : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS - SE000000M
INTERES. : GEORGE MONTEIRO JUNIOR
ADVOGADOS : CHRISTOVAO DE MOURA E OUTRO(S) - RJ011493
BRENNO DE MENDONÇA CAVALCANTI - RJ124201
EMENTA
CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE INVENTÁRIO. OMISSÃO E OBSCURIDADE.
INOCORRÊNCIA. DIREITO REAL DE HABITAÇÃO. COMPANHEIRO
SOBREVIVENTE. APLICAÇÃO DOS MESMOS DIREITOS E DOS MESMOS
DEVERES ATRIBUÍDOS AO CÔNJUGE SOBREVIVENTE. CELEBRAÇÃO DE
CONTRATO DE LOCAÇÃO OU COMODATO DO IMÓVEL OBJETO DO DIREITO
DE USO. IMPOSSIBILIDADE. CONSTATAÇÃO, ADEMAIS, DE QUE A TITULAR
DO DIREITO NÃO RESIDE NO LOCAL. ANALOGIA ENTRE O DIREITO REAL DE
HABITAÇÃO E O BEM DE FAMÍLIA. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO.
SÚMULA 211/STJ. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. PREMISSAS FÁTICAS
DISTINTAS.
1- Ação distribuída em 28/04/2006. Recurso especial interposto em
29/05/2013 e atribuído à Relatora em 25/08/2016.
2- O propósito recursal consiste em definir, para além da alegada negativa
de prestação jurisdicional, se é admissível que o companheiro sobrevivente
e titular do direito real de habitação celebre contrato de comodato com
terceiro.
3- Não há violação ao art. 535, I e II, do CPC/73, quando se verifica que o
acórdão recorrido se pronunciou precisamente sobre as questões suscitadas
pela parte.
4- A interpretação sistemática do art. 7º, parágrafo único, da Lei nº
9.278/96, em sintonia com as regras do CC/1916 que regem a concessão do
direito real de habitação, conduzem à conclusão de que ao companheiro
sobrevivente é igualmente vedada a celebração de contrato de locação ou
de comodato, não havendo justificativa teórica para, nesse particular,
estabelecer-se distinção em relação à disciplina do direito real de habitação
a que faz jus o cônjuge sobrevivente, especialmente quando o acórdão
recorrido, soberano no exame dos fatos, concluiu inexistir prova de que a
titular do direito ainda reside no imóvel que serviu de moradia com o
companheiro falecido.
5- Não se admite o recurso especial quando a questão que se pretende ver
examinada – analogia do direito real de habitação em relação ao bem de
família – não foi suscitada e decidida pelo acórdão recorrido, nem
tampouco foi suscitada em embargos de declaração. Súmula 211/STJ.
6- A dessemelhança fática entre os paradigmas e o acórdão recorrido
impedem o conhecimento do recurso especial pela divergência
jurisprudencial.
7- Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, desprovido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira
Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas
taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer em parte do recurso
especial e, nesta parte, negar-lhe provimento, nos termos do voto da Sra. Ministra
Relatora. Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco
Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Brasília (DF), 02 de outubro de 2018(Data do Julgamento)
MINISTRA NANCY ANDRIGHI
Relatora