Alegação de conhecimento tardio do dano não afasta prescrição em ação proposta 23 anos após entrega da obra
A mera alegação de conhecimento tardio do defeito não é suficiente para afastar a prescrição da pretensão indenizatória por falhas na construção, sendo necessário produzir provas de que só naquele momento foi possível vislumbrar a existência ou a possibilidade de existência de lesão a um direito juridicamente tutelado, para fins de estabelecimento do marco temporal a ser considerado.
Com base nesse entendimento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento ao recurso de uma incorporadora imobiliária para declarar prescrita a pretensão indenizatória de um condomínio entregue em 1987. A ação foi proposta apenas em 2010, fora do prazo de 20 anos previsto no Código Civil de 1916 para os casos de vício oculto.
O relator do caso no STJ, ministro Villas Bôas Cueva, destacou que, excepcionalmente, o tribunal aplica a teoria da actio nata em seu viés subjetivo para considerar como marco temporal do início da prescrição o momento do conhecimento da lesão pelo titular do direito subjetivo violado. O ministro destacou que a aplicação da teoria, por ser excepcional, impõe a quem lhe aproveita a incumbência de produzir provas, o que não ocorreu no processo.
“No caso dos autos, que trata de responsabilidade contratual, em que a aplicação da teoria deve ser ainda mais cuidadosa, o conhecimento do alegado vício construtivo ou da possibilidade de sua existência se tornou factível, conforme se extrai do acórdão recorrido, ao menos desde 15/12/1987, quando já se notava a existência de problemas de infiltração de água”, destacou o relator, ao justificar a incidência da prescrição.
Falhas de projeto
O condomínio alegou que tinha conhecimento de problemas “secundários” dentro do prazo de garantia de cinco anos da obra, e somente em 2009 teve notícia da falha de projeto no sistema de abastecimento de água, o que teria provocado os demais problemas. Para o condomínio, a prescrição não poderia ser contada a partir do momento da entrega do imóvel, em 1987.
“Vale acrescentar, de todo modo, que, segundo o acórdão recorrido, os primeiros vícios foram constatados em 15/12/1987. Assim, ainda que se tomasse essa data como termo inicial, sob a alegação de que seriam manifestações do erro de projeto, a pretensão estaria prescrita, pois a medida cautelar de produção antecipada de provas foi proposta em 17/9/2008, quando já transcorrido o prazo vintenário”, disse o ministro.
Villas Bôas Cueva lembrou que o comprador tem 20 anos para a reparação de danos surgidos no prazo de garantia, mas a pretensão do condomínio não é de reparação de pequenos danos observados no prazo quinquenal, e sim de reparação e troca de todo o sistema hidráulico e de tubulações, o que afasta a possibilidade de se adotar o entendimento pretendido pelo condomínio de contar a prescrição a partir da data do fim da garantia, em 1992.
Segundo o relator, a obra foi entregue antes da vigência do Código de Defesa do Consumidor, o que afasta a aplicação de suas regras ao caso.
RECURSO ESPECIAL Nº 1.711.581 - PR (2017/0301425-8)
RELATOR : MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA
RECORRENTE : CONCORDE ADMINISTRAÇÃO DE BENS LTDA
ADVOGADOS : RODRIGO RAMINA DE LUCCA E OUTRO(S) - PR050708
TERESA CELINA DE ARRUDA ALVIM E OUTRO(S) - DF045472
RECORRIDO : CONDOMINIO EDIFICIO PRINCESA CAROLINE
ADVOGADOS : CLAUDINEI BELAFRONTE E OUTRO(S) - PR025307
JANSEN DANIEL DE CARVALHO - PR045487
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. CONSTRUTORA.
PRESCRIÇÃO. SOLIDEZ E SEGURANÇA. PRAZO QUINQUENAL DE GARANTIA.
DANOS. NÃO APRESENTAÇÃO. SÚMULA Nº 194/STJ. DESCUMPRIMENTO
CONTRATUAL. CIÊNCIA DO DANO. POSSIBILIDADE. NÃO EXERCÍCIO. PRAZO
VINTENÁRIO. PRESCRIÇÃO. RECONHECIMENTO.
1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código
de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).
2. O artigo 1.245 do Código Civil de 1916 prevê um prazo de garantia de 5 (cinco)
anos. Caso o vício oculto, capaz de comprometer a solidez e segurança da obra,
manifeste-se dentre desse prazo, o proprietário da obra tem 20 (vinte) anos,
prazo ordinário para o exercício das pretensões de direito material pessoais,
contado do aparecimento do defeito, para o ajuizamento da ação para reparação
de danos. Súmula 194/STJ.
3. Ao dono da obra é permitido demandar o construtor por vícios relacionados
com a solidez e à segurança da construção no prazo de 20 (vinte) anos (artigo
1.056 do Código Civil de 1916), contados desde o conhecimento do vício ou
desde quando possível o conhecimento do defeito, sendo desimportante que
tenha ocorrido ou não nos primeiros 5 (cinco) anos da entrega da obra.
Precedente.
4. No caso concreto, conhecido o vício construtivo desde 1987, deve ser
declarada prescrita a pretensão ajuizada em 2010, mesmo interrompida por
medida cautelar de produção antecipada de provas proposta em 2008.
5. Na hipótese, o prazo vintenário deve ser aplicado em sua integralidade, haja
vista que na entrada em vigor do novo Código Civil, já havia transcorrido mais de
10 (dez) anos (artigo 2.028 CC/2002).
6. Recurso especial provido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a
Terceira Turma, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto
do(a) Sr(a) Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Marco Aurélio Bellizze (Presidente), Moura
Ribeiro, Nancy Andrighi e Paulo de Tarso Sanseverino votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília (DF), 19 de junho de 2018(Data do Julgamento)
Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA
Relator