CDC é aplicável para desconsideração de personalidade jurídica de cooperativa habitacional

CDC é aplicável para desconsideração de personalidade jurídica de cooperativa habitacional

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve a desconsideração da personalidade jurídica da Cooperativa Habitacional dos Bancários de São Paulo (Bancoop) para ressarcir os prejuízos causados pela demora na construção de empreendimentos nos quais a cooperativa teria atuado como sociedade empresária de incorporação imobiliária e, portanto, como fornecedora de produtos.

Segundo os autos, foram relatadas diversas irregularidades praticadas pelos dirigentes da Bancoop. Os cooperados afirmaram, por exemplo, que a maioria dos compradores das unidades residenciais quitou os valores contratuais, mas as contas correspondentes ao empreendimento estavam negativas e os dirigentes tentaram buscar um expressivo aporte financeiro para concluir as obras.

Diante disso, a cooperativa teria criado, em conjunto com outras instituições, um fundo para aquisição de contratos de financiamento imobiliário, em afronta à Lei 5.764/71 e ao estatuto da cooperativa que proíbem esse tipo de operação financeira. O fundo teria sido divulgado na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), mesmo sem o consentimento dos cooperados.

Para os cooperados, há evidências de que a Bancoop não se enquadraria mais no regime jurídico de cooperativa, por praticar preços de mercado, com fins lucrativos, em semelhança com uma incorporadora imobiliária.

CPC/73

Em primeiro grau, a ação coletiva de consumo foi extinta sem julgamento de mérito. Ao analisar o caso, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) considerou a causa madura e determinou a desconsideração da personalidade jurídica da Bancoop pela aplicação da Teoria Menor da Desconsideração, para que o patrimônio de seus dirigentes também responda pelas reparações dos prejuízos sofridos pelos consumidores lesados. Após essa decisão, a Bancoop recorreu ao STJ.

Como o recurso especial foi interposto em 2012, aplicou-se o Código de Processo Civil de 1973 (CPC/73). Ao negar provimento ao recurso, a relatora, ministra Nancy Andrighi, explicou que o TJSP privilegiou o princípio da celeridade processual e analisou o mérito da ação, na apelação, mesmo tendo a sentença extinto o processo sem resolução do mérito, procedimento previsto no parágrafo 3º do artigo 515 do CPC/73.

“Nessa linha, o Tribunal a quo, considerando que a inadimplência da recorrente era notória e que, sem sombra de dúvidas, a existência da personalidade jurídica evidentemente prejudicava o ressarcimento dos prejuízos causados, julgou, de imediato, o mérito da questão”, analisou a relatora.

A Terceira Turma considerou que a revisão do acórdão a respeito da inadimplência da cooperativa e da evidência de que a personalidade jurídica impedia o ressarcimento dos cooperados demandaria o reexame de fatos e provas, incidindo na vedação da Súmula 7/STJ. 

Normas consumeristas

Quanto ao pedido de afastamento da violação do artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor (CDC), Nancy Andrighi explicou que, no caso em análise, cabe a incidência das normas consumeristas conforme decidido pelo TJSP, cujo acórdão estabeleceu que a Bancoop é “um tipo de associação que muito mais se aproxima dos consórcios do que propriamente de uma cooperativa, até porque, via de regra, nem sempre é o espírito cooperativo que predomina nessas entidades”.

A relatora destacou, ainda, a recente Súmula 602/STJ, que consolidou o entendimento de que “o Código de Defesa do Consumidor é aplicável aos empreendimentos habitacionais promovidos pelas sociedades cooperativas”.

Em seu voto, Nancy Andrighi esclareceu que a Teoria Menor da Desconsideração é aplicada em situações excepcionais para proteger bens jurídicos de patente relevo social e inequívoco interesse público, caso do Direito do Consumidor.

“Desse modo, se, como afirmado no acórdão recorrido, a existência da personalidade jurídica está impedindo o ressarcimento dos danos causados aos consumidores – conclusão que não pode ser revista nesta Corte sem o reexame de fatos e provas, vedado pela Súmula 7/STJ –, encontram-se presentes os requisitos para a desconsideração da personalidade jurídica da recorrente, por aplicação da teoria menor, prevista no art. 28, parágrafo 5º, do CDC”, concluiu a relatora.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.735.004 - SP (2014/0025404-9)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : COOPERATIVA HABITACIONAL DOS BANCÁRIOS DE
SÃO PAULO
ADVOGADO : GABRIELLA FREGNI E OUTRO(S) - SP146721
RECORRIDO : ASSOCIACAO DOS ADQUIRENTES DE APARTAMENTOS
DO CONDOMINIO RESIDENCIAL TORRES DA MOOCA
ADVOGADA : LÍVIA PAULA DA SILVA ANDRADE VILLARROEL E
OUTRO(S) - SP118086
RECORRIDO : ASSOCIAÇÃO ADQUIRENTES APARTAMENTOS
CONDOMÍNIO EDIFÍCIO CACHOEIRA
ADVOGADO : VALTER PICAZIO JUNIOR - SP219752
RECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL E CONSUMIDOR.
AÇÃO COLETIVA DE CONSUMO. EFEITO DEVOLUTIVO DA
APELAÇÃO. SENTENÇA. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM
EXAME DE MÉRITO. ART. 515, § 3º, DO CPC/73. APELAÇÃO.
CAUSA MADURA. REQUISITOS. PRESENÇA. REEXAME DE
FATOS E PROVAS. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE
JURÍDICA. CONTRADITÓRIO DIFERIDO. CPC/73. INCIDÊNCIA
DO CDC. FUNDAMENTO SUFICIENTE INATACADO. SÚMULA
283/STF. COOPERATIVA HABITACIONAL. SÚMULA 602/STJ.
TEORIA MENOR. ART. 28, § 5º, DO CDC. OBSTÁCULO AO
RESSARCIMENTO DOS PREJUÍZOS. SUFICIÊNCIA.
1. Cuida-se de ação coletiva de consumo, na qual foi decretada a
desconsideração da personalidade jurídica da cooperativa
recorrente para que o patrimônio de seus dirigentes também
responda pelas reparações dos prejuízos sofridos pelos
consumidores na demora na construção de empreendimentos
imobiliários, nos quais a recorrente teria atuado como sociedade
empresária de incorporação imobiliária e, portanto, como
fornecedora de produtos.
2. Recurso especial interposto em: 11/07/2012; conclusos ao
gabinete em: 26/08/2016; Aplicação do CPC/73.
3. O propósito recursal é determinar se: a) houve negativa de
prestação jurisdicional; b) os limites do efeito devolutivo da apelação
foram respeitados; c) era possível o imediato julgamento do cerne
da controvérsia, a despeito de a sentença ter extinto o processo
sem resolução do mérito; d) o exercício do contraditório dos
administradores deve ser prévio à decretação da desconsideração
da personalidade jurídica; e) incide o CDC na hipótese dos autos; e
f) estão presentes os requisitos necessários à desconsideração da
personalidade jurídica da recorrente.

4. No acórdão recorrido não há omissão, contradição ou
obscuridade. Dessa maneira, o art. 535 do CPC/73 não foi violado.
5. A apreciação do mérito da ação pelo Tribunal no julgamento da
apelação, em caso de reforma de sentença de extinção do processo
sem resolução do mérito, atende à amplitude do efeito devolutivo
em profundidade de referido recurso, privilegia o princípio da
celeridade processual e não ofende o direito de defesa da parte, se
estiverem presentes as condições de ser a matéria exclusivamente
de direito ou o processo estar maduro para julgamento, por
suficiência ou pela desnecessidade de produção de provas.
6. A verificação da presença dos requisitos configuradores da causa
madura – consistentes na circunstância de a instrução probatória
estar completa ou ser desnecessária – demandaria o reexame dos
fatos e provas dos autos, vedado pela Súmula 7/STJ. Precedentes.
7. A ausência de decisão acerca dos dispositivos legais indicados
como violados, a despeito da interposição de embargos de
declaração, impede o conhecimento do recurso especial, por
incidência da Súmula 211/STJ.
8. Sob a égide do CPC/73, a desconsideração da personalidade
jurídica pode ser decretada sem a prévia citação dos sócios
atingidos, aos quais se garante o exercício postergado ou diferido
do contraditório e da ampla defesa. Precedentes.
9. A existência de fundamento do acórdão recorrido não impugnado – quando suficiente para a manutenção de suas conclusões –
impede a apreciação do recurso especial.
10. O Código de Defesa do Consumidor é aplicável aos
empreendimentos habitacionais promovidos pelas sociedades
cooperativas. Súmula 602/STJ
11. De acordo com a Teoria Menor, a incidência da
desconsideração se justifica: a) pela comprovação da insolvência da
pessoa jurídica para o pagamento de suas obrigações, somada à
má administração da empresa (art. 28, caput, do CDC); ou b) pelo
mero fato de a personalidade jurídica representar um obstáculo ao
ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores, nos termos
do § 5º do art. 28 do CDC.
12. Na hipótese em exame, segundo afirmado pelo acórdão
recorrido, a existência da personalidade jurídica está impedindo o
ressarcimento dos danos causados aos consumidores, o que é
suficiente para a desconsideração da personalidade jurídica da
recorrente, por aplicação da teoria menor, prevista no art. 28, § 5º,
do CDC.
13. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte,
desprovido.
ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da
Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e
das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, negar
provimento ao recurso especial nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)
Relator(a). Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas
Cueva e Marco Aurélio Bellizze votaram com a Sra. Ministra Relatora. Impedido
o Sr. Ministro Moura Ribeiro. Dr(a). PEDRO BOHOMOLETZ DE ABREU
DALLARI, pela parte RECORRENTE: COOPERATIVA HABITACIONAL DOS
BANCÁRIOS DE SÃO PAULO.
Brasília (DF), 26 de junho de 2018(Data do Julgamento)
MINISTRA NANCY ANDRIGHI
Relatora

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (STJ - Superior Tribunal de Justiça) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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