STJ não admite suspensão de passaporte para coação de devedor
Para a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), foi desproporcional a suspensão do passaporte de um devedor, determinada nos autos de execução de título extrajudicial como forma de coagi-lo ao pagamento da dívida. Por unanimidade, o colegiado deu parcial provimento ao recurso em habeas corpus para desconstituir a medida.
A turma entendeu que a suspensão do passaporte, no caso, violou o direito constitucional de ir e vir e o princípio da legalidade.
O recurso foi apresentado ao STJ em razão de decisão da 3ª Vara Cível da Comarca de Sumaré (SP) que, nos autos da execução de título extrajudicial proposta por uma instituição de ensino, deferiu os pedidos de suspensão do passaporte e da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) do executado – até a liquidação da dívida no valor de R$ 16.859,10.
Medida possível
Segundo o relator, ministro Luis Felipe Salomão, a retenção do passaporte é medida possível, mas deve ser fundamentada e analisada caso a caso. O ministro afirmou que, no caso julgado, a coação à liberdade de locomoção foi caracterizada pela decisão judicial de apreensão do passaporte como forma de coerção para pagamento de dívida.
Para Salomão, as circunstâncias fáticas do caso mostraram que faltou proporcionalidade e razoabilidade entre o direito submetido (liberdade de locomoção) e aquele que se pretendia favorecer (adimplemento de dívida civil).
“Tenho por necessária a concessão da ordem, com determinação de restituição do documento a seu titular, por considerar a medida coercitiva ilegal e arbitrária, uma vez que restringiu o direito fundamental de ir e vir de forma desproporcional e não razoável”, afirmou.
Medidas atípicas
Salomão afirmou ser necessária a fixação, por parte do STJ, de diretrizes a respeito da interpretação do artigo 139, IV, do Código de Processo Civil de 2015.
De acordo com o ministro, o fato de o legislador ter disposto no CPC que o juiz pode determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias, “não pode significar franquia à determinação de medidas capazes de alcançar a liberdade pessoal do devedor, de forma desarrazoada, considerado o sistema jurídico em sua totalidade”.
“Ainda que a sistemática do código de 2015 tenha admitido a imposição de medidas coercitivas atípicas, não se pode perder de vista que a base estrutural do ordenamento jurídico é a Constituição Federal, que resguarda de maneira absoluta o direito de ir e vir, em seu artigo 5º, XV”, frisou o relator.
Mesmo assim, o ministro afirmou que a incorporação do artigo 139 ao CPC de 2015 foi recebida com entusiasmo pelo mundo jurídico, pois representou “um instrumento importante para viabilizar a satisfação da obrigação exequenda, homenageando o princípio do resultado na execução”.
CNH
Em relação à suspensão da CNH do devedor, o ministro disse que a jurisprudência do STJ já se posicionou no sentido de que referida medida não ocasiona ofensa ao direito de ir e vir. Para Salomão, neste ponto, o recurso não deve nem ser conhecido, já que o habeas corpus existe para proteger o direito de locomoção.
“Inquestionavelmente, com a decretação da medida, segue o detentor da habilitação com capacidade de ir e vir, para todo e qualquer lugar, desde que não o faça como condutor do veículo”, afirmou Salomão.
O ministro admitiu que a retenção da CNH poderia causar problemas graves para quem usasse o documento profissionalmente, mas disse que, nesses casos, a possibilidade de impugnação da decisão seria certa, porém por outra via diversa do habeas corpus, “porque sua razão não será a coação ilegal ou arbitrária ao direito de locomoção”.
Outros casos
O relator destacou que o reconhecimento da ilegalidade da medida consistente na suspensão do passaporte do paciente, na hipótese em análise, não significa afirmar a impossibilidade dessa providência coercitiva em outros casos.
“A medida poderá eventualmente ser utilizada, desde que obedecido o contraditório e fundamentada e adequada a decisão, verificada também a proporcionalidade da providência”, destacou.
RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 97.876 - SP (2018/0104023-6)
RELATOR : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO
RECORRENTE : JAIR NUNES DE BARROS
ADVOGADO : JAIR NUNES DE BARROS (EM CAUSA PRÓPRIA) - SP123064
RECORRIDO : ESTADO DE SÃO PAULO
INTERES. : ESCOLA INTEGRADA EDUCATIVA LTDA
RELATÓRIO
O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO:
1. Cuida-se de habeas corpus impetrado por Jair Nunes de Barros em razão
de decisão proferida pela 3ª Vara Cível da Comarca de Sumaré/SP que, nos autos da
execução de título extrajudicial proposta pela Escola Integrada Educativa Ltda em face do
ora impetrante, deferiu os pedidos de suspensão do passaporte e da carteira nacional de
habilitação (CNH) do executado, tendo em vista o fato de, embora citado, não ter efetuado
o pagamento ou ofertado bens à penhora.
Afirmou o paciente ser devedor da importância de R$ 16.859.10 (dezesseis
mil oitocentos e cinquenta e nove reais e dez centavos), dívida representada por contrato
de prestação de serviços educacionais.
Argumentou que o deferimento de suspensão daqueles documentos ofende
sua liberdade de locomoção, coagindo ilegalmente sua liberdade de ir e vir. Assevera que
a liberdade de locomoção do paciente, em hipótese alguma, poderia ter sido atingida em
razão de dívida contratual, por importar em inaceitável e injusta violação ao seu status
libertatis.
Defendeu que penas restritivas de direitos somente poderiam ser deferidas ou
por órgãos administrativos (Tribunal de Ética da OAB ou do CRM, por exemplo) ou por
Juízos Criminais, não cabendo a usurpação dessa competência pelo Juízo Cível ou
Trabalhista.
Afirmou que a autoridade coatora não teria, sequer, fundamentado sua
decisão, não justificando o deferimento da medida restritiva de direito, se limitando a deferir
o pleito do exequente e a oficiar o Detran e a Policia Federal para as providências cabíveis.
Esclarece que está impedido de exercer seu direito fundamental de se
locomover livremente, por ato arbitrário da autoridade coatora, desde o dia 05 de maio de
2017 (data do recebimento do oficio no Detran) e desde o dia 10 de maio de 2017 (data do
recebimento do oficio na Policia Federal).
Às fls. 51 e 53, a Procuradoria Geral de Justiça do Estado de São Paulo opinou
pelo conhecimento e concessão da ordem, nos seguintes termos:
Esse Egrégio Tribunal de Justiça tem conhecido do Habeas Corpus em
situação idêntica ou correlata à discutida nestes autos, embora tal matéria
pudesse ser objeto de agravo de instrumento, justamente porque as medidas
restritivas importam violação ao direito fundamental de ir e vir do paciente.
(...)
No mérito, a ordem há de ser concedida, na esteira do que já decidiu essa
Colenda 32ª Câmara de Direito Privado (...):
“Agravo de instrumento. Ação de cobrança em fase de cumprimento de
sentença. Exequente que, não tendo localizado bens penhoráveis, pleiteia a
suspensão do direito de dirigir, a retenção de passaportes e o cancelamento
de cartões de crédito pertencentes aos executados. Indeferimento. Medidas
coercitivas previstas no artigo 139, IV, do Código de Processo Civil, que devem
estar pautadas nos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.
Deferimento que, no caso, não se mostra razoável, posto que implicaria em
violação de direitos fundamentais do cidadão, atingindo, inclusive, direitos de
terceiros. Decisão mantida. Recurso improvido"
Por isso, o parecer é pelo conhecimento da impetração e concessão da ordem
requerida pelo impetrante/paciente Jair Nunes de Barros.
Analisado o habeas corpus, o Tribunal de Justiça do estado de São Paulo
julgou extinto o processo, por considerar inadequada a via eleita, conforme ementa abaixo
(fl. 58):
Habeas Corpus. Impetração em face de decisão proferida nos autos de
execução de título extrajudicial, a qual deferiu os pedidos de suspensão do
passaporte e da carteira de habilitação do executado. Decisão passível de
interposição de agravo de instrumento, nos termos do artigo 1.015, parágrafo
único, do Código de Processo Civil. Writ que não pode ser utilizado como
sucedâneo do recurso legalmente cabível.
Precedentes. Inadequação da via eleita. Processo extinto sem resolução do
mérito.
Foi interposto recurso ordinário, com fundamento no art. 105, II, "a" da
CF/1988, oportunidade em que o recorrente reiterou as razões da impetração, baseadas
na ilegalidade da ordem que o mantém privado da liberdade de ir e vir. Requereu a
concessão liminar da ordem e a cassação da decisão que suspendeu seu passaporte e sua
carteira de habilitação.
O Ministério Público Federal opinou pelo desprovimento do recurso ordinário,
conforme ementa abaixo (fls. 128-132):
RECURSO EM HABEAS CORPUS. DISCUSSÃO ACERCA DA
LEGITIMIDADE DE RETENÇÃO DE PASSAPORTE E DE SUSPENSÃO DE
CARTEIRA NACIONAL DE HABILITAÇÃO. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA.
PELO DESPROVIMENTO DO RECURSO.
1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou-se no sentido de que
“O habeas corpus não pode ser utilizado como substitutivo de recurso próprio,
a fim de que não se desvirtue a finalidade dessa garantia constitucional, com a
exceção de quando a ilegalidade apontada é flagrante, hipótese em que se
concede a ordem de ofício. (HC 376964/SC - Quinta Turma - DJe de
31/05/2017).
2. Demais disso, essa Corte Superior igualmente tem se orientado no sentido
de que não configura ameaça ao direito de ir e vir a mera suspensão da carteira
nacional de habilitação ou a retenção, de per si, de passaporte.
3. Parecer pelo desprovimento do recurso.
É o relatório.
VOTO
O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):
1. A questão controvertida está em definir se a ordem de suspensão do
passaporte e da carteira nacional de habilitação expedida contra o executado, no bojo
de execução por título extrajudicial (duplicata de prestação de serviço), consubstancia
coação à liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder, a ser combatida por
meio do habeas corpus.
Para esclarecimento, confira-se em que termos fora pleiteada a suspensão (fl.
28):
ESCOLA INTEGRADA EDUCATIVA LTDA EPP, já devidamente qualificada,
por sua advogada que esta subscreve, nos autos da AÇÃO DE EXECUÇÃO,
que move em face de JAIR NUNES DE BARROS, vem à presença de Vossa
Excelência, requer a suspensão da CNH e passaporte do executado até que a
devedor pague a divida, objeto da presente ação, com base no artigo 139,
inciso IV do NCPC, in verbis:
Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código,
incumbindo-lhe:
IV - determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou
sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial,
inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária;
Neste Termo, Pede e espera deferimento.
O juízo de piso deferiu a medida ora impugnada (fls. 30):
Vistos.
Defiro o pedido de p.104/105, oficiando-se ao Detran e a Policia Federal,
Intime-se.
O Tribunal paulista, ao apreciar o writ, extinguiu o feito por inadequação da
via eleita, nos seguintes termos:
Consta dos autos que o paciente é devedor de R$16.859,10 junto à Escola
Integrada Educativa Ltda, quantia esta que está sendo executada perante o
juízo da 3ª Vara Cível da Comarca de Sumaré (Autos nº 1008851-
23.2015.8.26.0604), onde foi deferido pedido de suspensão de seu passaporte
e da carteira de habilitação, como medida indutiva para pagamento do débito,
nos termos do artigo 139, IV, do Código de Processo Civil.
Sustenta o impetrante que está sendo vítima de coação ilegal, sendo que a
decisão viola o seu direito fundamental de ir e vir, não havendo justificativa para
o deferimento da medida.
É cediço que o habeas corpus constitui instrumento previsto na Constituição
Federal (artigo 5º, LXVIII), e que tem por escopo tutelar a ameaça ou violação
à liberdade de locomoção do indivíduo, tanto no âmbito criminal quanto na
esfera civil.
Todavia, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça já firmou entendimento no
sentido de que “o habeas corpus não pode ser utilizado como sucedâneo do
recurso legalmente cabível, sendo medida excepcional e extrema, admissível
somente na hipótese de violência ou coação ao direito de locomoção. (...) O
writ objetiva combater constrangimento ilegal que afete direito líquido e certo
de cidadão, com reflexo direto em sua liberdade. Portanto, não deve ser
utilizado como substitutivo de recurso próprio, nem admitido quando a ofensa
à liberdade de locomoção for indireta” (AgRg no HC 338.924/RJ, Rel. Ministro
MARCO BUZZI, 4ª Turma, j. 15/12/2015, DJe 01/02/2016).
E, a teor do que dispõe parágrafo único do artigo 1.015 do Código de Processo
Civil, caberá agravo de instrumento “contra decisões interlocutórias proferidas
na fase de liquidação de sentença ou de cumprimento de sentença, no
processo de execução e no processo de inventário”.
Assim sendo, em que pesem as alegações do impetrante, é certo que cumpre
ao Poder Judiciário zelar pela racionalização na utilização dos remédios
constitucionais, de modo a prestigiar a lógica do sistema recursal, não se
admitindo a impetração de habeas corpus em substituição a recurso
expressamente previsto no ordenamento jurídico para se pleitear a reforma da
decisão reputada ilegal.
3. É bem verdade que o Superior Tribunal de Justiça, na esteira do
entendimento do Supremo Tribunal Federal, de fato, não admite a utilização do remédio
constitucional como substituto de recurso próprio, salvo em situações em que, à vista da
flagrante ilegalidade do ato apontado como coator, em prejuízo da liberdade do paciente,
seja cogente a concessão, de ofício, da ordem de habeas corpus.
Nessa linha, confiram-se recentes julgados:
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. NÃO CONHECIMENTO DO
WRIT. MANIFESTA INADMISSIBILIDADE E/OU IMPROCEDÊNCIA.
TORTURA NO EXERCÍCIO DE FUNÇÃO PÚBLICA. CONDENAÇÃO.
EMBARGOS DECLARATÓRIOS. AUSÊNCIA DE EFEITO INFRINGENTE.
PERDA DO CARGO. EFEITO AUTOMÁTICO. PREVISÃO LEGAL.
CONTRARRAZÕES. DESNECESSIDADE DE INTIMAÇÃO. AGRAVO
REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. O STJ, assim como o STF, não conhece de habeas corpus utilizado em
substituição ao recurso próprio ou à revisão criminal, a menos que, à vista
da flagrante ilegalidade do ato apontado como coator, em prejuízo da
liberdade do paciente, seja cogente a concessão, de ofício, da ordem.
(...)
4. Agravo regimental não provido.
(AgRg no HC 298.751/PB, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA
TURMA, DJe 01/08/2017)
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HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO. FURTO QUALIFICADO E
CORRUPÇÃO DE MENORES. PRISÃO PREVENTIVA. PERICULOSIDADE
SOCIAL. RISCO DE REITERAÇÃO. PROTEÇÃO DA ORDEM PÚBLICA.
CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CONFIGURADO. WRIT NÃO
CONHECIDO.
1. O habeas corpus não pode ser utilizado como substitutivo de recurso
próprio, a fim de que não se desvirtue a finalidade dessa garantia
constitucional, com a exceção de quando a ilegalidade apontada é
flagrante, hipótese em que se concede a ordem de ofício.
(...)
4. Habeas corpus não conhecido.
(HC 445.402/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA
TURMA, DJe 01/06/2018)
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PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO
ESPECIAL. NÃO CABIMENTO. CRIME DE INCÊNDIO. DELITO QUE DEIXA
VESTÍGIOS. EXAME PERICIAL NÃO REALIZADO. IMPRESCINDIBILIDADE.
PROVA TESTEMUNHAL. IMPOSSIBILIDADE. HABEAS CORPUS NÃO
CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
I - A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela
Primeira Turma do col. Pretório Excelso, firmou orientação no sentido de
não admitir a impetração de habeas corpus em substituição ao recurso
adequado, situação que implica o não conhecimento da impetração,
ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante
ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, seja possível a concessão
da ordem de ofício.
(...)
(HC 440.501/RS, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, DJe
01/06/2018)
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AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. WRIT SUBSTITUTIVO DE
RECURSO PRÓPRIO. POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DA ORDEM DE
OFÍCIO EM CASO DE ILEGALIDADE FLAGRANTE. FALTA GRAVE PELO
COMETIMENTO DE CRIME DOLOSO. RECONHECIMENTO SEM PRÉVIO
PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. IMPRESCINDIBILIDADE.
OFENSA À SÚMULA 533/STJ. DESNECESSIDADE, APENAS, DE
CONDENAÇÃO PENAL. DECISÃO MANTIDA. AGRAVO IMPROVIDO.
1. A decisão agravada deve ser mantida por seus próprios fundamentos,
porquanto, nos termos da jurisprudência pacífica do STJ, conquanto
incabível habeas corpus substitutivo de recurso próprio nada impede o
seu conhecimento, nas hipóteses de flagrante ilegalidade a ensejar a
concessão da ordem de ofício.
2. A aplicação de falta disciplinar de natureza grave somente poderá ocorrer
mediante prévio processo administrativo disciplinar.
Inteligência da Súmula 533/STJ.
3. O fato de se tratar de falta grave pelo cometimento de crime doloso não torna
desnecessária a realização do PAD, prescindindo, apenas, de prévia
condenação penal, para o seu reconhecimento, no âmbito da execução.
Precedentes.
4. Agravo regimental improvido.
(AgRg no HC 349.678/RS, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA,
DJe 24/11/2016)
É exatamente, em parte, o caso dos autos.
Como sabido, o habeas corpus é instrumento de previsão constitucional
vocacionado à tutela da liberdade de locomoção, de utilização excepcional, orientado para
o enfrentamento das hipóteses em que se vislumbra manifesta ilegalidade ou abuso nas
decisões judiciais.
Nessa exata linha, é o entendimento da Suprema Corte, segundo o qual o
habeas corpus "visa proteger a liberdade de locomoção, liberdade de ir, vir e ficar por
ilegalidade ou abuso de poder, não podendo ser utilizado para a proteção de direitos outros"
(HC 82880 AgR, Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO, Tribunal Pleno, julgado em
23/04/2003, DJ 16-05-2003 PP-00092)
"A exclusividade de proteção da liberdade de locomoção pelo habeas corpus
se deve pela grande relevância do aludido bem jurídico no convívio social dentro de um
Estado Democrático de Direito, razão pela qual o remédio constitucional em apreço, na
regulamentação que lhe foi dada pelo legislador ordinário, é dotado de rito célere e sumário,
com o intuito de que, caso verificada a ilegalidade ou abusividade do ato tido como coator,
o direito de liberdade reclamado seja restituído ao indivíduo com a maior brevidade
possível, minimizando-se as consequências nefastas da sua restrição indevida". (HC n.
383.225/MG, Relator Ministro JORGE MUSSI, Quinta Turma, DJe 12/05/2017)
Confira-se o dispositivo constitucional que alberga o instituto:
Art. 5º.
(...)
LXVIII - conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar
ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por
ilegalidade ou abuso de poder;
E no art. 648 do Código de Processo Penal encontramos a delimitação das
hipóteses que, em tese, configuram coação ilegal, dentre as quais, destaque-se a seguinte:
Art. 648. A coação considerar-se-á ilegal:
I – quando não houver justa causa.
De acordo com Aury Lopes Junior, "a coação é ilegal, quando não possui um
suporte jurídico legitimante, quando não tem um motivo, um amparo legal". (Direito
processual penal. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2012).
Outrossim, importante dizer, no âmbito da seara penal, que as Turmas da
Terceira Seção deste Tribunal reconhecem a viabilidade de questionamento da apreensão
do passaporte por meio do habeas corpus, por entenderem que tal medida limita a liberdade
de locomoção, ainda que a constatação da ilegalidade, que conduziria à concessão da
ordem, no caso concreto, não se confirme.
Nesse sentido, os seguintes julgados:
HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO.
DESCABIMENTO. COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E
DESTE SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. MATÉRIA DE DIREITO
ESTRITO. MODIFICAÇÃO DE ENTENDIMENTO DO STJ, EM
CONSONÂNCIA COM O DO STF. REMÉDIO CONSTITUCIONAL DO
HABEAS CORPUS: VIA PROCESSUAL ADEQUADA PARA QUE SE AVALIE
CONSTRANGIMENTO ILEGAL NO ACAUTELAMENTO DE PASSAPORTE
DE INVESTIGADOS OU CONDENADOS PENALMENTE. ENTREGA DO
PASSAPORTE: DETERMINAÇÃO LEGÍTIMA NA HIPÓTESE DE PACIENTE
QUE NÃO É NACIONAL BRASILEIRO, PRESO JUSTAMENTE AO TENTAR
DEIXAR O PAÍS. IMPOSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DA ORDEM DE
OFÍCIO. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.
(...)
2. Contudo, mostra-se precisa a ponderação lançada pelo Ministro MARCO
AURÉLIO, no sentido de que, "no tocante a habeas já formalizado sob a óptica
da substituição do recurso constitucional, não ocorrerá prejuízo para o
paciente, ante a possibilidade de vir-se a conceder, se for o caso, a ordem de
ofício."
3. O remédio constitucional do habeas corpus é via processual adequada
para que se avalie constrangimento ilegal no acautelamento de
passaporte de investigados ou condenados penalmente. Precedentes.
4. Desde antes da edição da Lei n.º 12.403/2011 reputava-se legítimo que o
Julgador determinasse a entrega do Passaporte, com fundamento no poder
geral de cautela, a ser invocado quando necessário - como no caso, em que o
Paciente não é nacional brasileiro, e foi preso justamente ao tentar deixar o
país.
5. Mencione-se, ad argumentandum, que essa possibilidade, hoje, após a
edição da referida Lei, inclusive encontra-se expressamente positivada no
direito Pátrio (Art. 320 do Código de Processo Penal).
6. Ausência de ilegalidade flagrante que permita a concessão da ordem de
ofício.
7. Habeas corpus não conhecido.
(HC 192.193/DF, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, DJe
17/12/2012)
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HABEAS CORPUS – RÉU NACIONAL PROCESSADO POR VÁRIOS
CRIMES, MAS EM LIBERDADE – ATIVIDADES LABORAIS NO EXTERIOR –
APREENSÃO DE SEU PASSAPORTE MEDIANTE O TEMOR DE QUE ELE
SE EVADA OU EXERÇA NO EXTERIOR AS SUAS ATIVIDADES ILÍCITAS –
INOCUIDADE DA AUTORIZAÇÃO A CADA VIAGEM – MEDIDA CAUTELAR,
EM TESE, POSSÍVEL, DESDE QUE FUNDAMENTADA EM FATOS
CONCRETOS NÃO DEMONSTRADOS – MERAS CONJETURAS – ORDEM
CONCEDIDA PARA DEVOLUÇÃO DO PASSAPORTE.
A apreensão de passaporte de cidadão brasileiro, em liberdade,
impedindo-o de viajar para o exterior, para o exercício de atividades
laborais, por consistir, em tese, restrição ao pleno direito de locomoção,
amparado pela Constituição Federal, pode ser examinada nesta via.
A presunção de não-culpabilidade não exclui a determinação de medidas
cautelares, visando eventual aplicação da lei penal, devidamente
fundamentadas em fatos concretos, entre elas a apreensão de passaporte.
Se ao paciente já foi concedida autorização para outras viagens, não se
concretizando o receio mostrado na determinação da medida cautelar, não se
justifica a sua manutenção.
Ordem concedida para a devolução do passaporte.
(HC 85.495/SP, Rel. Ministra JANE SILVA (DESEMBARGADORA
CONVOCADA DO TJ/MG), QUINTA TURMA, DJ 12/11/2007)
4. No mérito, conforme se extrai dos autos, o requerimento apresentado pela
exequente (fls. 28-29), Escola Integrada Educativa Ltda., de suspensão do passaporte e da
CNH do executado, teve por fundamento o artigo 139, IV do Código de Processo Civil de
2015, sendo nesses termos deferido (fl. 30).
Para auxiliar a compreensão da matéria, transcrevo o dispositivo mencionado:
Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código,
incumbindo-lhe:
(...)
IV - determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou
sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem
judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária;
Com efeito, a norma recebeu aplausos do mundo jurídico, por formalizar, de
vez, propósito evidente do novel código, o da efetividade, anunciado na exposição de
motivos do então anteprojeto do documento processual:
Um sistema processual civil que não proporcione à sociedade o
reconhecimento e a realização dos direitos, ameaçados ou violados, que têm
cada um dos jurisdicionados, não se harmoniza com as garantias
constitucionais de um Estado Democrático de Direito. Sendo ineficiente o
sistema processual, todo o ordenamento jurídico passa a carecer de real
efetividade. De fato, as normas de direito material se transformam em pura
ilusão, sem a garantia de sua correlata realização, no mundo empírico, por meio
do processo.
(https://www.senado.gov.br/senado/novocpc/pdf/Anteprojeto.pdf)
Nessa linha, a adoção de medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou
sub-rogatórias apresenta-se como instrumento importante a viabilizar a satisfação da
obrigação exequenda, homenageando o princípio do resultado na execução, exteriorizada,
agora, de forma mais evidente e, inquestionavelmente, alargada pelo Código vigente,
alcançando, inclusive, as obrigações de pagar quantia certa.
É que, como sabido, as medidas executivas atípicas não são absoluta
novidade, presentes que já se faziam no Código de 1973, no art. 461, § 5º, aplicadas,
todavia, às obrigações de fazer, não fazer e entregar coisa, como se percebe da partir da
leitura dos arts. 461 e 461-A, § 3º.
5. No caso do art. 139 do CPC de 2015, cumpre anotar que, atenta à inovação
legislativa, a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (ENFAM),
quando da realização do Seminário O Poder Judiciário e o Novo Código de Processo Civil
(agosto/2015), debateu a questão e tratou de apresentá-la em enunciado próprio (n. 48).
Igual providência fora tomada pelo Fórum Permanente de Processualistas Civis
(maio/2015), por meio dos enunciados n. 12 e n. 396. Confira-se o teor das proposições:
Enunciado 48, ENFAM. O art. 139, IV, do CPC/2015 traduz um poder geral de
efetivação, permitindo a aplicação de medidas atípicas para garantir o
cumprimento de qualquer ordem judicial, inclusive no âmbito do cumprimento
de sentença e no processo de execução baseado em títulos extrajudiciais.
(http://www.enfam.jus.br/wp-content/uploads/2015/09/ENUNCIADOSVERS%C3%83O-DEFINITIVA-.pdf)
Enunciado 12, FPPC. (arts. 139, IV, 523, 536 e 771) A aplicação das medidas
atípicas sub-rogatórias e coercitivas é cabível em qualquer obrigação no
cumprimento de sentença ou execução de título executivo extrajudicial. Essas
medidas, contudo, serão aplicadas de forma subsidiária às medidas tipificadas,
com observação do contraditório, ainda que diferido, e por meio de decisão à
luz do art. 489, § 1º, I e II. (Grupo: Execução)
Enunciado 396, FPPC. (art. 139, IV; art. 8º) As medidas do inciso IV do art.
139 podem ser determinadas de ofício, observado o art. 8º. (Grupo: Poderes
do juiz)
(http://esmec.tjce.jus.br/wp-content/uploads/2015/06/Carta-deVit%C3%B3ria.pdf)
Art. 8º, CPC/2015. Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins
sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a
dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a
razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência.
Na doutrina, acerca das razões de adoção do modelo de atipicidade das
medidas executivas, José Miguel Garcia Medina preceitua:
O modelo baseado na tipicidade das medidas executivas tende a alcançar
resultados satisfatórios na medida em que as situações de direito material e os
problemas que emergem da sociedade sejam parecidos. Nesses casos, é até
mesmo conveniente a previsão de medidas similares para os casos em que
problemas parecidos se reproduzem, a fim de que se observe em relação
àqueles que estejam em uma mesma situação de direito material um
procedimento também similar. Quando, porém, o modelo típico de medidas
executivas mostra-se insuficiente, diante de pormenores do caso, o sistema
típico acaba tornando-se ineficiente, faz-se necessário realizar-se um ajuste
tendente a especificar o procedimento, ajustando-o ao problema a ser
resolvido. Para tanto, é de todo conveniente que o sistema preveja um
modelo atípico ou flexível de medidas executivas
(Direito processual civil moderno. 2. ed. São Paulo: RT, 2016, p. 1071).
Noutro ponto, vale frisar que o reconhecido do mérito da inovação e fato de
as regras modernas de processo, instituídas pelo código de 2015, preocuparem-se,
primordialmente, com a efetividade da tutela jurisdicional, não é menos certo que essas
novas diretrizes, em nenhuma circunstância, se dissociarão dos ditames constitucionais,
constatação que remete à ideia de "possibilidades de implementação de direitos
(cumprimento) que não sejam discricionárias (ou verdadeiramente autoritárias), por
objetivos meramente pragmáticos, de restrição de direitos individuais".
(https://www.conjur.com.br/2016-ago-25/senso-incomum-interpretar-art-139-iv-cpc-cartabranca-arbitrio).
Nesse sentido, concluem o constitucionalista Lenio Streck e Dierle Nunes,
membros da Comissão de Juristas para elaboração do novo código de processo civil:
Parece-nos óbvio isso. Sob pena de pensarmos que o CPC simplesmente
disse: se alguém está devendo, o juiz pode tomar qualquer medida para que
este pague. Ou, como no Mercador de Veneza, de Shakespeare, retirar do
devedor uma libra de carne do lado esquerdo do peito, como queria Shylock.
(...)
Temos a convicção que não há essa liberdade. Para nós (com Dworkin), fazer
Teoria do Direito é levar isso tudo a sério, engajando-nos ativamente nesse
empreendimento coletivo de dar sentido às práticas jurídicas, de rearticulá-las
de modo íntegro e coerente, sob a melhor luz.
(...)
A atuação do juiz está constrangida por dois lados: primeiro, a
participação ativa das partes, não só com o contraditório (artigo 10),
como também com sua autonomia para os negócios jurídicos
processuais (artigo 190); segundo, a Constituição, a lei, a jurisprudência,
a dogmática jurídica processual e a Teoria do Direito, controláveis no
amplo dever de fundamentação judicial (artigo 489), estabelecendo os
limites indisponíveis dessas medidas.
(https://www.conjur.com.br/2016-ago-25/senso-incomum-interpretar-art-139-
iv-cpc-carta-branca-arbitrio).
Na Jornada de Direito Processual Civil, em Recife, setembro de 2016, sobre
técnicas coercitivas da execução de obrigação de pagar, Marcelo Abelha Rodrigues
ponderou que os incisos III e IV do art. 139 do CPC/2015 estão diretamente atrelados
às medidas processuais punitivas e às medidas processuais executivas e observou que,
"embora muito próximos os incisos, neles estão separadas duas modalidades de atuações
distintas do magistrado brasileiro", esclarecendo que, no modelo anglo-americano, essas
duas atuações do juiz não são consideradas distintas e se amalgamam num só poder
(contempt of power), para, então concluir, que "aqui no Brasil não temos essa mesma
amplitude até mesmo pelas nossas raízes culturais atreladas ao privatismo do civil law".
(http://m.migalhas.com.br/depeso/245946/o-que-fazer-quando-o-executado-e-umcafajeste-apreensao-de-passaporte).
Seguindo por essa linha, o doutrinador expôs que as medidas mencionadas
no IV do art. 139, objeto de análise deste recurso, "atuam como ferramentas, meios,
genuínos instrumentos para assegurar o cumprimento de uma ordem judicial", decorrendo
disso a necessidade de o magistrado fixar a medida coercitiva ou sub-rogatória que seja
necessária para aquele desiderato, sendo, ademais, subsidiária essa providência, tendo
lugar "depois de esgotados os meios típicos do art.824 do CPC". E concluiu:
Há uma atipicidade do meio executivo, sendo a necessidade da medida o
fundamento e o fim (o limite) estabelecido pelo legislador para delimitação da
medida a ser imposta pelo juiz. Ora, por “medida processual necessária”
deve-se entender aquela que seja adequada, proporcional e razoável para
assegurar o cumprimento da ordem judicial.
Restringindo-nos apenas à análise das medidas coercitivas verifica-se que o
dispositivo não estabelece um rol de medidas, e tampouco exemplifica casos,
permitindo e estimulando um exuberante leque criativo do magistrado, que
deve estar preso, comprometido e sensível às peculiaridades da causa. Isso
significa que deve haver um link necessário, lógico, razoável e
proporcional de instrumento e fim, meio e resultado, respectivamente,
entre a medida coercitiva e o cumprimento da ordem.
(http://m.migalhas.com.br/depeso/245946/o-que-fazer-quando-o-executado-eum-cafajeste-apreensao-de-passaporte).
Assim, é possível afirmar que, se o art. 139, IV, da lei processual, que
estendeu a positivação da atipicidade dos atos executivos, teve como escopo a efetividade,
é indubitável também que devem ser prestigiadas as interpretações constitucionalmente
possíveis.
Vale dizer, pois, que a adoção de medidas de incursão na esfera de direitos
do executado, notadamente direitos fundamentais, carecerá de legitimidade e configurarse-á
coação reprovável, sempre que vazia de respaldo constitucional ou previsão legal e
na medida em que não se justificar em defesa de outro direito fundamental.
É que objetivos pragmáticos, por mais legítimos que sejam, tal qual a busca
pela efetividade, não podem atropelar o devido processo constitucional e, menos ainda,
desconsiderados direitos e liberdades previstos na Carta Maior.
Esse o entendimento de Fábio Lima Quintas em artigo sobre o tema aqui
debatido:
Em verdade, a adequada compreensão e aplicação desse propalado poder
geral de efetivação não pode depender apenas da criatividade das partes e dos
magistrados a respeito das possibilidades semânticas compreendidas na
expressão "medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias
necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial". Esse texto deve
dialogar com outros referenciais normativos, para fixar os contornos da
responsabilidade patrimonial e pessoal do devedor e das razões para tanto.
Sendo ínsito ao ordenamento jurídico a ideia de coerência e integridade, cabe
conferir unidade e harmonia aos modos de exercício do poder estatal de
execução, sobretudo no contexto de que "o poder geral de efetivação" passa a
atribuir ao intérprete papel relevante nessa tarefa.
(QUINTAS, Fábio Lima. É preciso equilibrar meios de coerção ao executar
obrigações pecuniárias. In: http://www.conjur.com.br/2017-fev-18/observatorioconstitucional-preciso-equilibrar-meios-coercao-executar-obrigacoespecuniarias#author).
Com efeito, não bastasse a consonância com os preceitos de ordem
constitucional, o que os doutrinadores têm reconhecido é que, diante da inumerável
aplicação do art. 139, IV, a verificação da proporcionalidade da medida se impõe, segundo
a "sub-máxima" da adequação e da necessidade. Não sendo a medida adequada e
necessária, ainda que sob o escudo da busca pela efetivação das decisões judiciais, serão
contrárias à ordem jurídica.
Confira-se, nessa linha, a doutrina de Fernando da Fonseca Gajardoni:
Por isso – a prevalecer a interpretação potencializada do art. 139, IV, do
CPC/2015 –, o emprego de tais medidas coercitivas/indutivas, especialmente
nas obrigações de pagar, encontrará limite certo na excepcionalidade da
medida (esgotamento dos meios tradicionais de satisfação do débito), na
proporcionalidade (inclusive à luz da regra da menor onerosidade ao devedor
do art. 805 do CPC/2015), na necessidade de fundamentação substancial
e, especialmente, nos direitos e garantias assegurados na Constituição
Federal (v.g., não parece possível que se determine o pagamento sob
pena de prisão ou de vedação ao exercício da profissão, do direito de ir e
vir, etc.). (https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/a-revolucaosilenciosa-da-execucao-por-quantia-24082015)
6. No caso dos autos, observada a máxima vênia, quanto à suspensão do
passaporte do executado/paciente, tenho por necessária a concessão da ordem, com
determinação de restituição do documento a seu titular, por considerar a medida coercitiva
ilegal e arbitrária, uma vez que restringiu o direito fundamental de ir e vir de forma
desproporcional e não razoável.
Com efeito, não é difícil reconhecer que a apreensão do passaporte enseja
embaraço à liberdade de locomoção do titular, que deve ser plena, e, enquanto medida
executiva atípica, não prescinde, como afirmado, da demonstração de sua absoluta
necessidade e utilidade, sob pena de atingir indevidamente direito fundamental de índole
constitucional (art. 5º, incisos XV e LIV).
Acerca da liberdade de locomoção, Manoel Gonçalves Ferreira Filho destaca
ser o "direito de ir, vir e também de ficar – jus manendi, ambulandi, eundi ultro citroque –
primeira de todas as liberdades, sendo condição de quase todas as demais. Consiste em
poder o indivíduo deslocar-se de um lugar para outro, ou permanecer cá ou lá, segundo lhe
convenha ou bem lhe pareça" (FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito
constitucional. 38. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 264).
No mesmo rumo, a lição de Ingo Sarlet, Luiz Guilherme Marinoni e Daniel
Mitidiero:
A sua relevância [liberdade de locomoção] para o exercício da liberdade
pessoal (e para os demais direitos fundamentais) é de tal ordem que,
mesmo se não houvesse disposição constitucional expressa que a
garantisse como direito fundamental, a liberdade de ir e vir (como também
é designada a liberdade de locomoção) estaria abarcada pelo âmbito de
proteção do direito geral de liberdade, que, como visto no item respectivo,
opera como cláusula geral e de abertura para o sistema das liberdades
fundamentais. Por outro lado, diversamente de outras ordens constitucionais,
em que a liberdade de locomoção é decomposta em diversas posições
fundamentais (como o direito de sair e entrar no território nacional, a livre
circulação econômica, entre outros), a Constituição Federal acabou por
consagrar o direito de modo genérico, compreendendo, portanto, todas as
possíveis manifestações da liberdade de ir e vir.
(Curso de Direito Constitucional. 6. ed. São Paulo: Saraiva, p. 566)
Nessa senda, ainda que a sistemática do código de 2015 tenha admitido a
imposição de medidas coercitivas atípicas, não se pode perder de vista que a base
estrutural do ordenamento jurídico é a Constituição Federal, que resguarda de maneira
absoluta o direito de ir e vir, em seu art. 5º, XV.
Não bastasse isso, como antes assinalado, o próprio diploma processual civil
de 2015 cuidou de dizer que, na aplicação do direito, o juiz não terá em mira apenas a
eficiência do processo, mas também os fins sociais e as exigências do bem comum,
devendo ainda resguardar e promover a dignidade da pessoa humana, observando a
proporcionalidade, a razoabilidade e a legalidade.
Destarte, o fato de o legislador, quando da redação do art. 139, IV, dispor que
o juiz poderá determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou subrogatórias,
não pode significar franquia à determinação de medidas capazes de alcançar a
liberdade pessoal do devedor, de forma desarrazoada, considerado o sistema jurídico em
sua totalidade.
Assim, entendo que a decisão judicial que, no âmbito de ação de cobrança de
duplicata, determina a suspensão do passaporte do devedor e, diretamente, impede o
deslocamento do atingido, viola os princípios constitucionais da liberdade de locomoção e
da legalidade, independentemente da extensão desse impedimento.
Na verdade, segundo penso, considerando-se que a medida executiva
significa restrição de direito fundamental de caráter constitucional, sua viabilidade
condiciona-se à previsão legal específica, tal qual se verifica em âmbito penal, firme,
ademais, no que dispõe o inciso XV do artigo 5° da Constituição Federal, segundo o qual
"é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos
termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens".
A meu juízo, raciocínio diverso pode conduzir à aceitação de que medidas
coercitivas, que por natureza voltam-se ao "convencimento" do coagido ao cumprimento da
obrigação que lhe compete, sejam transformadas em medidas punitivas, sancionatórias,
impostas ao executado pelos descumprimentos, embaraços e indignidades cometidas no
curso do processo.
Nesse passo, cumpre ressaltar que, no caso dos autos, não foi observado o
contraditório no ponto, nem tampouco a decisão que implementou a medida executiva
atípica apresentou qualquer fundamentação à grave restrição de direito do executado.
De fato, a decisão de fl. 30 limitou-se a deferir o pedido feito pelo exequente
de suspensão do passaporte e CNH, sem preocupar-se com a demonstração de sua
necessidade e utilidade.
Conforme defende M. Y. Minami, tratando sobre o tema aqui debatido, "as
decisões devem ser obedecidas como regra e o emprego da força estatal contra os
teimosos ou de mecanismos que os obriguem a cumprir seus débitos será apenas a
exceção", bem como, porque "(...) não se admite a aplicação de uma medida de coerção
ou sub-rogação sem que a decisão justifique a razão da medida escolhida". (Breves
apontamentos sobre a generalização das medidas de efetivação no CPC 2015: do processo
para além da decisão. In: Coleção novo cpc doutrina selecionada. PEIXOTO, Ravi [et tal].
v. 5. 2. ed. rev. e atual. Salvador: JusPodivm, 2016, p. 323).
Na exata linha, mesmo os que defendem a possibilidade de apreensão de
documentos, a bem da satisfação da obrigação, por todos, cito Daniel Amorim Assumpção
Neves, reconhecem que, em processo de execução de obrigação de pagar quantia, para
que o julgador se utilize de meios executivos atípicos, a decisão deve ser fundamentada e
sujeita ao contraditório, demonstrando-se a excepcionalidade da medida adotada em razão
da ineficácia dos meios executivos típicos, sob pena de configurar-se como sanção
processual, afastando-se de seu desiderato (NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Medidas
executivas atípicas na execução de obrigação de pagar quantia certa: art. 139, IV, do novo
CPC. Revista de Processo, v. 42, n. 265, mar. 2017, p. 13).
No rumo desse raciocínio, uma vez mais, Minami é quem adverte que "a
utilização de medidas não previstas apenas deve acontecer quando aquelas já previstas se
mostrarem ineficientes e/ou o devedor se valer de ardis para não realizar a prestação
devida" (Idem).
Confiram-se, abaixo, julgados desta Corte, mesmo em casos de natureza
criminal, sobre a necessidade de fundamentação a respeito da suspensão de passaporte:
RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CONCUSSÃO. PRISÃO
PREVENTIVA REVOGADA PELO EXCESSO DE PRAZO NO
OFERECIMENTO DA DENÚNCIA. MEDIDAS CAUTELARES ALTERNATIVAS
E RETENÇÃO DO PASSAPORTE DO RÉU EM SUBSTITUIÇÃO À CUSTÓDIA
CAUTELAR. FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA. ILEGALIDADE. AUSÊNCIA.
ANÁLISE QUANTO À ADEQUAÇÃO E NECESSIDADE DAS CAUTELARES
PESSOAIS. RETENÇÃO DO PASSAPORTE. AUSÊNCIA DE
FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL
EVIDENCIADO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
(...)
2. Para a decretação de medidas cautelares pessoais é necessária a
mensuração de adequação e proporcionalidade, levando-se em conta a
gravidade do crime, suas circunstâncias e as condições pessoais do réu,
conforme preconiza o art. 282 do CPP.
3. Não apresentada fundamentação idônea à medida cautelar de retenção
do passaporte, uma vez que não demonstrado concreto receio de fuga do
recorrente para fora do país, há que ser revogada a medida constritiva.
4. Recurso em habeas corpus parcialmente provido, para revogar a medida
cautelar consistente na retenção do passaporte do recorrente, determinando
sua devolução, mantendo as demais medidas cautelares pessoais impostas.
(RHC 68.494/SC, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, DJe
19/04/2016)
-----------------------------------------------------------------
PROCESSO PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. ESTELIONATO.
SENTENÇA CONDENATÓRIA. MEDIDAS CAUTELARES PESSOAIS.
PROIBIÇÃO DE DEIXAR O PAÍS E RETENÇÃO DE PASSAPORTE. (1)
MOTIVAÇÃO INIDÔNEA. (2) PRÉVIO WRIT. ACRÉSCIMO DE OUTROS
FUNDAMENTOS PARA A MANUTENÇÃO DA DECISÃO ADVERSADA.
IMPOSSIBILIDADE. ILEGALIDADE RECONHECIDA. RECURSO PROVIDO.
1. Para a decretação das medidas cautelares pessoais é necessário que
estejam presentes a plausibilidade e a urgência. Portanto, a necessidade
da constrição deve estar concretamente justificada, não se prestando
para tanto a mera referência ao quantum da pena aplicada ou a
circunstância de o recorrente possuir facilidade para se deslocar para
fora do País.
2. Não se admite que o Tribunal, no seio de habeas corpus, acrescente
fundamentos novos àqueles lançados pelo magistrado de primeiro grau,
quando do estabelecimento de medida restritiva.
3. Recurso ordinário provido para desconstituir as medidas cautelares pessoais
fixadas.
(RHC 49.149/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA
TURMA, DJe 03/10/2014)
--------------------------------------------------------------
7. Noutro ponto, no que respeita à determinação judicial de suspensão da
carteira de habilitação nacional, anoto que a jurisprudência do STJ já se posicionou no
sentido de que referida medida não ocasiona ofensa ao direito de ir e vir do paciente,
portanto, neste ponto o writ não poderia mesmo ser conhecido.
Isso porque, inquestionavelmente, com a decretação da medida, segue o
detentor da habilitação com capacidade de ir e vir, para todo e qualquer lugar, desde que
não o faça como condutor do veículo.
De fato, entender essa questão de forma diferente significaria dizer que todos
aqueles que não detém a habilitação para dirigir estariam constrangidos em sua locomoção.
Com efeito, e ao contrário do passaporte, ninguém pode se considerar privado
de ir a qualquer lugar por não ser habilitado à condução de veículo ou mesmo por o ser,
mas não poder se utilizar dessa habilidade.
É fato que a retenção deste documento tem potencial para causar embaraços
consideráveis a qualquer pessoa e, a alguns determinados grupos, ainda de forma mais
drástica, caso de profissionais, que tem na condução de veículos a fonte de sustento. É
fato também que, se detectada esta condição particular, no entanto, a possibilidade de
impugnação da decisão é certa, todavia por via diversa do habeas corpus, porque sua razão
não será a coação ilegal ou arbitrária ao direito de locomoção, mas inadequação de outra
natureza.
Essa a jurisprudência da Casa:
PROCESSUAL CIVIL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO
PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO. PRECEDENTES. EXECUÇÃO DE TÍTULO
EXTRAJUDICIAL. APLICAÇÃO DE MEDIDA ATÍPICA DO INCISO IV DO ART.
138 DO NCPC. SUSPENSÃO DA CARTEIRA NACIONAL DE HABILITAÇÃO
DO PACIENTE. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO DIREITO DE IR E VIR.
HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.
1. Não é admissível, em regra, a utilização do habeas corpus como sucedâneo
de recurso ordinário cabível. Precedentes.
2. A jurisprudência desta eg. Corte Superior tem orientação no sentido de que
é inadequada a utilização do habeas corpus quando não há, sequer
remotamente, ameaça ao direito de ir e vir do paciente, como na hipótese de
restrição ao direito de dirigir veículo automotor.
3. O Habeas Corpus não é sucedâneo do recurso adequado.
4. Habeas corpus não conhecido.
(HC 411.519/SP, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado
em 21/09/2017, DJe 03/10/2017)
------------------------------------------------------------------
AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE
RECURSO. SUSPENSÃO TEMPORÁRIA DA HABILITAÇÃO PARA DIRIGIR
VEÍCULO AUTOMOTOR. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO OU AMEAÇA DE
VIOLÊNCIA DO DIREITO DE IR E VIR. VIA INADEQUADA. PRECEDENTES.
AGRAVO IMPROVIDO.
1. O habeas corpus não pode ser utilizado como substitutivo de recurso próprio,
a fim de que não se desvirtue a finalidade dessa garantia constitucional, com a
exceção de quando a ilegalidade apontada é flagrante, hipótese em que se
concede a ordem de ofício.
2. "A imposição da medida cautelar de suspensão do direito de dirigir
veículo automotor, em razão da ausência de previsão legal de sua
conversão em pena privativa de liberdade caso descumprida, não tem o
condão, por si só, de caracterizar ofensa ou ameaça à liberdade de
locomoção do paciente, razão pela qual não é cabível o manejo do habeas
corpus. Precedentes do STJ e do STF" (HC n. 383.225/MG, Relator Ministro
JORGE MUSSI, Quinta Turma, julgado em 04/05/2017, DJe 12/05/2017).
3. Agravo regimental a que se nega provimento.
(AgInt no HC 402.129/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA,
QUINTA TURMA, DJe 26/09/2017)
----------------------------------------------------------------
HABEAS CORPUS. DIREITO PENAL. HOMICÍDIO CULPOSO NA DIREÇÃO
DE VEÍCULO AUTOMOTOR. 1. PERDÃO JUDICIAL. BENEFÍCIO NEGADO
DE FORMA FUNDAMENTADA. DESCONSTITUIÇÃO DA SENTENÇA EM
SEDE DO WRIT. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO PROBATÓRIO.
IMPOSSIBILIDADE. 2. PLEITOS DE AFASTAMENTO DA SUSPENSÃO DA
HABILITAÇÃO PARA DIRIGIR OU REDUÇÃO DO PRAZO. INVIABILIDADE
DO MANDAMUS. AUSÊNCIA DE OFENSA DIRETA E IMEDIATA À
LIBERDADE DE LOCOMOÇÃO. 3. SUBSTITUIÇÃO DA PENA DE
PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE POR PENA PECUNIÁRIA.
SANÇÃO IMPOSTA PELO MAGISTRADO COM BASE NAS
PECULIARIDADES DO CASO CONCRETO E NO PRINCÍPIO DA
INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO
EVIDENCIADO. ORDEM PARCIALMENTE CONHECIDA E, NESSA
EXTENSÃO, DENEGADA.
(...)
3. Os pedidos de afastamento da suspensão da habilitação para dirigir ou
de redução de seu prazo sequer podem ser conhecidos por este Superior
Tribunal de Justiça, em virtude de tal reprimenda consistir em interdição
de direito que não ofende direta e imediatamente a liberdade de
locomoção do paciente, que pode se utilizar de outros meios para exercer
seu direito de ir e vir.
4. Não há como atender a pretensão de substituição da sanção restritiva de
direitos consistente na prestação de serviços à comunidade por pena
pecuniária, já que a magistrada sentenciante analisou detidamente, com base
nas especificidades do caso, a pertinência das penas impostas, em respeito ao
princípio da individualização da pena, não cabendo a esta Corte Superior, cujo
papel é de uniformização da interpretação do direito federal, o ingresso no
plano de subjetivismo próprio da atividade jurisdicional de primeiro grau, ainda
mais em sede de habeas corpus.
5. Habeas Corpus parcialmente conhecido e, nessa extensão, denegado.
(HC 166.792/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, QUINTA
TURMA, DJe 24/11/2011)
8. Por fim, anoto que o reconhecimento da ilegalidade da medida consistente
na apreensão do passaporte do paciente, na hipótese em apreço, não tem qualquer
pretensão em afirmar a impossibilidade dessa providência coercitiva em outros casos e de
maneira genérica. A medida poderá eventualmente ser utilizada, desde que obedecido o
contraditório e fundamentada e adequada a decisão, verificada também a
proporcionalidade da providência.
Com efeito, o que consubstancia coação à liberdade de locomoção, ilegal e
abusiva, é a decisão judicial de apreensão de passaporte como forma de coerção para
adimplemento de dívida civil representada em título executivo extrajudicial, tendo em vista
a evidente falta de proporcionalidade e razoabilidade entre o direito submetido (liberdade
de locomoção) e aquele que se pretende favorecer (adimplemento de dívida civil), diante
das circunstâncias fáticas do caso em julgamento.
Cumpre mencionar, ainda, por dever de lealdade, que no âmbito da Segunda
Seção a questão enfrentada fora decidida, monocraticamente, em três oportunidades, não
tendo sido concedida a ordem em nenhuma delas. São elas: HC nº 428.553 - SP, Relator
(a) Ministro Paulo de Tarso Sanseverino; RHC nº 88.490 - DF, Relator (a) Ministra Maria
Isabel Gallotti, HC nº 439.214 - RJ, Relator (a) Ministra Maria Isabel Gallotti.
No entanto, é preciso ressaltar que, naqueles recursos, a despeito da decisão
que suspendeu o passaporte do executado também ter sido seu objeto, os eminentes
relatores valeram, para a fundamentação das decisões, da jurisprudência firmada por esta
Corte, e aqui mencionada, acerca da suspensão da Carteira Nacional de Habilitação, não
havendo debate sobre os pontos colocados aqui em relevo.
9. Ante o exposto, dou parcial provimento ao recurso ordinário a fim de
desconstituir a medida executiva consistente na apreensão do passaporte do recorrente,
determinando sua devolução, mantido o não conhecimento do writ em relação a apreensão
da CNH.
Oficie-se imediatamente ao juízo de primeiro grau.
É como voto.