Venda casada: entendimento jurisprudencial e doutrinário
O cliente tem direito de consumir qualquer parcela do produto fornecido, inclusive uma parcela inferior a exigida na denominada “consumação mínima” e, consequentemente, de pagar só aquilo que efetivamente utilizou, se a consumação mínima for apresentada para pagamento.
INTRODUÇÃO
O presente artigo científico tem por objetivo analisar as ilegalidades nas práticas comuns das vendas casadas. A pesquisa traz vários julgados, entendimentos doutrinários e o que fala o Código de Defesa do Consumidor sobre o assunto. Relatos de consumidores que foram deslumbrados, e não enxergaram essa prática criminosa.
Inicialmente, se faz necessária a distinção de consumidor e fornecedor, do ponto de vista legal e doutrinário a fim de trazer uma ideia geral a respeito destes dois sujeitos que fazem parte da relação consumerista.
A pesquisa aborda, ainda, questões de natureza criminais e civis dentro do Código de Defesa do Consumidor. Observa também todas as normas pertinentes a questão, análises jurídicas e doutrinárias referente ao assunto destacando condutas de ilegalidade realizadas pelos fornecedores que colocam em riscos os consumidores desatentos.
A pesquisa teve como base a seguinte problemática: Alertar os consumidores para a prática abusiva das vendas casadas.
Para o mencionado trabalho levantou-se os seguintes questionamentos: O que é a venda casada? O que a Lei prescreve para defender o consumidor hipossuficiente desta prática abusiva? Quais as situações mais comuns em que esse delito é cometido e qual o entendimento doutrinário e jurisprudencial predominante? Os consumidores efetivamente têm conhecimento da referida prática comercial?
O referido artigo científico finaliza-se com as considerações finais onde explanará essencialmente as conclusões sobre o assunto cogitado e ainda, demonstrará se a problemática e as hipóteses contribuíram para um melhor entendimento da questão.
CONSUMIDOR E FORNECEDOR
O Código de Defesa do Consumidor, artigo 2º e parágrafo único, art. 3º, parágrafos 1º e 2º define consumidor e fornecedor como sendo, respectivamente:
Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.
Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.
Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
§ 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.
§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.
Venda casada, por sua vez, está conceituada como uma prática abusiva no CDC, senão vejamos:
Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:
I - condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos;
A norma proíbe que o prestador ou fornecedor submeta um produto ou serviço a outro produto ou serviço, ou seja, a venda casada se configura quando a alienação de um produto é condicionada a outro, configurando-se também quanto a serviços e quando há uma limitação de quantidade, sem justa causa. Como se percebe, é uma prática abusiva e vedada que deve ser combatida com rigor e veemência, tanto pelo consumidor quanto pelos órgãos defensores dos direitos consumeristas.
O art. 39 do Código de Defesa do Consumidor apresenta um rol exemplificativo das práticas abusivas que são proibidas nas relações de consumo. As práticas abusivas não foram taxadas em um rol exaustivo porque as relações consumeristas estão sempre evoluindo e se modificando, assim, sempre está surgindo um novo comportamento ilícito ensejador de prejuízo ao consumidor, que estaria desprotegido legalmente se não houvesse essa previsão exemplificativa no mencionado artigo.
Conforme indica Herman Benjamin apud Fabrício Bolzan (2013, p. 1629), integrante da comissão de juristas que elaborou o anteprojeto do Código de Defesa do Consumidor:
[...] poderia o legislador, de fato, listar, à exaustão, as práticas abusivas. O mercado de consumo é de extrema velocidade e as mutações ocorrem da noite para o dia. Por isso mesmo é que buscamos, no seio da comissão, deixar bem claro que a lista do art. 39 é meramente exemplificativa, uma simples orientação ao intérprete.
Logo, qualquer forma de conduta que afete negativamente o consumidor no sentido da realização de ações em desconformidade com os padrões de boa conduta, mesmo que não previstas no CDC poderá se enquadrar na definição de prática abusiva.
Fabrício Bolzan esclarece a importância da interpretação objetiva do art. 39 do Diploma Consumerista (2013, p. 1630):
“Outra questão relevante á a necessidade de se interpretar o art. 39 de forma objetiva, ou seja, “as chamadas ‘práticas abusivas’ são ações e/ou condutas que, uma vez existentes, caracterizam-se como ilícitas, independentemente de se encontrar ou não algum consumidor lesado ou que se sinta lesado. São ilícitas em si, apenas por existirem de fato no mundo fenomênico”.
Destaca-se também que a venda casada é tipificada como crime contra as relações de consumo, prevista no Art. 5º, II, da Lei n.º 8.137/90 com penas de detenção aos infratores variáveis de 2 a 5 anos ou multa. Senão vejamos:
“Art. 5º, Constitui crime da mesma natureza: […]
II – subordinar a venda de bem ou a utilização de serviço à aquisição de outro bem, ou ao uso de determinado serviço;
III – sujeitar a venda de bem ou a utilização de serviço à aquisição de quantidade arbitrariamente determinada; […]
Pena – detenção de 2 a 5 anos, ou multa”.
Conforme observa Daniel Amorim e Flávio Tartuce (2014, p.276), em relação ao disposto no art. 39 do CDC:
“Esse primeiro inciso do art. 39 proíbe a venda casada, descrita e especificada pela norma. De início, veda-se que o fornecedor ou prestador submeta um produto ou serviço a outro produto ou serviço, visando um efeito caroneiro ou oportunista para venda de novos bens. Ato contínuo, afasta-se a limitação de fornecimento sem que haja justa causa para tanto, o que deve ser preenchido caso a caso. Ampliando-se o sentido da vedação, conclui-se que é venda casada a hipótese em que o fornecedor somente resolve um problema quanto a um produto ou serviço se um outro produto ou serviço for adquirido”.
Logo o que a Lei prevê é a ampla liberdade de escolha do consumidor quanto ao que deseja consumir, não sendo lícita a imposição, do fornecedor, de qualquer produto ou serviço para aquisição de outro. Conforme Rizzatto Nunes apud Fabrício Bolzan (2013, p. 1632) “a operação casada pressupõe a existência de produtos e serviços que são usualmente vendidos separados”. Dessa forma, o que o fornecedor está proibido é de impor a aquisição conjunta de produtos ainda que o preço global seja mais barato que o unitário.
Fabrício Bolzan (2013, p. 1633) destaca os seguintes critérios que deverão ser levados em conta quando da exigência do consumidor no tocante à vedação da venda casada.
“[...] que os produtos e serviços sejam usualmente vendidos separados; Que a solicitação da unidade não desnature o produto – exemplo: se retirar um iogurte da cartela de seis, ninguém mais vai querer comprar os cinco remanescentes, nem poderia o fornecedor, nestes casos, vender o produto com a ausência de complemento; Que a conduta do consumidor não prejudique o fornecedor a ponto de este não conseguir mais vender determinado produto em razão da ausência de sua completude, contexto que ocorreria certamente caso o consumidor exigisse cem gramas a serem retiradas do saco de um quilo de arroz”.
Referidos critérios retratam o bom senso que o consumidor e o legislador devem seguir na tipificação e identificação da venda casada. Quanto aos incisos do artigo 39, estes vedam dois tipos de operações casadas, quais sejam: a) o condicionamento da aquisição de um produto ou serviço a outro produto ou serviço; e b) a venda de quantidade diversa daquela que o consumidor queira. Nesse momento, vale destacar o entendimento do Professor Rizzatto Nunes (2011, p. 569):
“Dessa forma a hipótese da letra a, isto é, o condicionamento da venda de um produto ou serviço à aquisição de outro produto ou serviço, é incondicionada. Não há justificativa nem por justa causa. Esta só é válida na quantidade ofertada.
No primeiro caso, existem exemplos bem conhecidos da prática abusiva. É o caso do banco que, para abrir a conta corrente do consumidor, impõe a manutenção de saldo médio ou, para conceder o empréstimo, exige a feitura de um seguro de vida. Há também o caso do bar que o garçom somente serve bebida ou permite que o cliente continue na mesa bebendo se pedir acompanhamento para comer etc”.
Com relação ao limite quantitativo, o entendimento é que se trata do mesmo produto ou serviço, assim tal limite é admissível desde que haja justa causa para imposição. De acordo com o entendimento de Luiz Antônio Rizzatto Nunes apud Daniel Amorim e Flávio Tartuce (2014, p. 276):
“[...] há que se considerar os produtos industrializados que acompanham o padrão tradicional do mercado e que são aceitos como válidos. Por exemplo, o sal vendido em pacotes de 500g, e da mesma forma a farinha, os cereais etc. (a venda a granel é cada vez mais exceção). Mas na quantidade haverá situações mais delicadas, que exigem atenta e acurada interpretação do sentido de justa causa. Por exemplo: o lojista faz promoções do tipo ‘compre 3, pague 2’. São válidas desde que o consumidor possa também adquirir uma peça apenas, mesmo que tenha que pagar mais caro pelo produto único no cálculo da oferta composta (o que é natural, já que a promoção barateia o preço individual [...]”
A justa causa, no entanto, só é aplicada aos limites de quantidade inferior aquela desejada pelo consumidor, isto é, o fornecedor não pode obrigar o consumidor a contratar a maior ou menor do que deseja consumir, concluindo-se assim que a Lei quis proibir também a prática comercial denominada “consumação mínima”. Seguindo esse entendimento, nenhum fornecedor pode condicionar a entrada de um consumidor no seu estabelecimento comercial ao pagamento de certa quantia mínima, determinando com antecedência o quanto ele deverá pagar.
O cliente tem direito de consumir qualquer parcela do produto fornecido, inclusive uma parcela inferior a exigida na denominada “consumação mínima” e, consequentemente, de pagar só aquilo que efetivamente utilizou, se a consumação mínima for apresentada para pagamento, já na nota de débito, o cliente tem o direito de se negar ao pagamento, vez que, a prática da consumação mínima revela-se em enriquecimento sem causa do praticante, pois autoriza ao estabelecimento comercial cobrar por produto ou um serviço não consumido pelo cliente.
Se o consumidor eventualmente pagar tal quantidade mínima e sentir lesado com referida prática comercial, poderá requerer posteriormente, na via judicial, à repetição em dobro do que desembolsou, corrigido monetariamente e acrescido dos juros legais. Nesse sentido vale ressaltam o entendimento de Antônio Herman de Vasconcelos e Benjamin (BENJAMIN, MARQUES e BESSA, 2009):
“O fornecedor não pode obrigar o consumidor a adquirir quantidade maior que as suas necessidades. Assim, se o consumidor quer adquirir uma lata de óleo, não é lícito ao fornecedor condicionar a venda à aquisição de duas outras unidades. A solução também é aplicável aos brindes, promoções e bens com desconto. O consumidor sempre tem o direito de, em desejando, recusar a aquisição quantitativamente casada, desde que pague o preço normal do produto ou serviço, isto é, sem desconto.” (grifo do autor).
Dessa forma, o que o CDC proíbe e tenta impedir é que o fornecedor se prevaleça da sua condição superior, face a hipossuficiência do consumidor, econômica ou técnica, para impor condições comerciais desfavoráveis que venham a prejudicá-lo.
ESTUDO DE CASOS CONCRETOS
O Superior Tribunal de Justiça já pronunciou o seu entendimento em relação a alguns meios de venda casada trazidos a via judicial. Serão analisados alguns julgados do Egrégio Tribunal, bem como o de outras cortes e outros entendimentos jurisprudenciais.
Inicialmente vale destacar um caso muito comum de venda casada, já reconhecida pelo STJ, qual seja, a imposição de seguro habitacional pelo agente financeiro na aquisição da casa própria pelo Sistema Financeiro da Habitação, ou seja, situação em que vincula-se o mutuário do Sistema Financeiro da Habitação- SFH a contratação de seguro habitacional fornecido pela própria instituição financeira ou por empresa por ela indicada, tratando-se no entendimento do STJ, de prática violadora do disposto no art. 39, I, do Código Consumerista. São algumas ementas:
RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO. TAXA REFERENCIAL (TR). LEGALIDADE. SEGURO HABITACIONAL. CONTRATAÇÃO OBRIGATÓRIA COM O AGENTE FINANCEIRO OU POR SEGURADORA POR ELE INDICADA. VENDA CASADA CONFIGURADA.
1. Para os efeitos do art.543-C do CPC:
1.1. No âmbito do Sistema Financeiro da Habitação, a partir da Lei 8.177/91, é permitida a utilização da Taxa Referencial (TR) como índice de correção monetária do saldo devedor. Ainda que o contrato tenha sido firmado antes da Lei n.º 8.177/91, também é cabível a aplicação da TR, desde que haja previsão contratual de correção monetária pela taxa básica de remuneração dos depósitos em poupança, sem nenhum outro índice específico.
1.2. É necessária a contratação do seguro habitacional, no âmbito do SFH. Contudo, não há obrigatoriedade de que o mutuário contrate o referido seguro diretamente com o agente financeiro, ou por seguradora indicada por este, exigência esta que configura “venda casada”, vedada pelo art. 39, inciso I, do CDC.
2. Recurso especial parcialmente conhecido e, na extensão, provido.REsp 969129/MG, 4ª Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe 15/12/2009. (grifo nosso)
SFH. SEGURO HABITACIONAL. CONTRATAÇÃO FRENTE AO PRÓPRIO MUTUANTE OU SEGURADORA POR ELE INDICADA. DESNECESSIDADE. INEXISTÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. VENDA CASADA.
- Discute-se neste processo se, na celebração de contrato de mútuo para aquisição de moradia, o mutuário está obrigado a contratar o seguro habitacional diretamente com o agente financeiro ou com seguradora por este indicada, ou se lhe é facultado buscar no mercado a cobertura que melhor lhe aprouver.
- O seguro habitacional foi um dos meios encontrados pelo legislador para garantir as operações originárias do SFH, visando a atender a política habitacional e a incentivar a aquisição da casa própria. A apólice colabora para com a viabilização dos empréstimos, reduzindo os riscos inerentes ao repasse de recursos aos mutuários.
- Diante dessa exigência da lei, tornou-se habitual que, na celebração do contrato de financiamento habitacional, as instituições financeiras imponham ao mutuário um seguro administrado por elas próprias ou por empresa pertencente ao seu grupo econômico.
- A despeito da aquisição do seguro ser fator determinante para o financiamento habitacional, a lei não determina que a apólice deva ser necessariamente contratada frente ao próprio mutuante ou seguradora por ele indicada.
- Ademais, tal procedimento caracteriza a denominada “venda casada”, expressamente vedada pelo art. 39, I, do CDC, que condena qualquer tentativa do fornecedor de se beneficiar de sua superioridade econômica ou técnica para estipular condições negociais desfavoráveis ao consumidor, cerceando-lhe a liberdade de escolha. Recurso especial não conhecido. REsp 804202/MG, 3ª Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 03/09/2008.
O entendimento concretizou-se de tal maneira que no ano de 2012 foi editada a Súmula 473 do STJ, com o seguinte teor: “O mutuário do SFH não pode ser compelido a contratar o seguro habitacional obrigatório com a instituição financeira mutuante ou com a seguradora por ela indicada” (Dje 19-6-2012).
No mesmo sentido a jurisprudência entende haver venda casada no caso de cobrança de seguro automático e compulsório em contrato de cartão de crédito, são alguns julgados:
“Ação de indenização por danos moral e material - bem móvel – conjunto estofado – garantia estendida e contrato de seguro com cartão de crédito não requeridos - venda casada- ônus da fornecedora de provar que o consumidor tinha ciência do que estava contratando - devolução da quantia indevidamente cobrada - danos morais evidenciados - sucumbência integral da ré - apelação provida em parte. (TJ-SP - APL: 51442620098260038 SP 0005144-26.2009.8.26.0038, Relator: Eros Piceli, Data de Julgamento: 14/03/2011, 33ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 17/03/2011)”.
“APELAÇÃO CÍVEL. CONTRATOS DE CARTÃO DE CRÉDITO. AÇÃO CONDENATÓRIA. CONTRATAÇÃO DE SEGURO. VENDA CASADA. A venda casada é prática abusiva vedada nas relações de consumo, conforme o inciso I do artigo 39 do Código de Defesa do Consumidor (CDC). REPETIÇÃO DO INDÉBITO E COMPENSAÇÃO DE VALORES. Possibilidade na forma simples. APELAÇÃO CÍVEL PROVIDA. (Apelação Cível Nº 70052101300, Vigésima Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Altair de Lemos Junior, Julgado em 19/12/2012) ”.
Outro exemplo de venda casada reconhecida no âmbito do STJ, se refere ao fato de um comerciante condicionar a concessão de um benefício para a aquisição de combustível à aquisição de um refrigerante no posto revendedor, localizado no mesmo ambiente:
“Consumidor. Pagamento a prazo vinculado à aquisição de outro produto. ‘Venda casada’. Prática abusiva configurada. 1. O Tribunal a quo manteve a concessão de segurança para anular auto de infração consubstanciado no art. 39, I, do CDC, ao fundamento de que a impetrante apenas vinculou o pagamento a prazo da gasolina por ela comercializada à aquisição de refrigerantes, o que não ocorreria se tivesse sido paga à vista. 2. O art. 39, I, do CDC, inclui no rol das práticas abusivas a popularmente denominada ‘venda casada’, ao estabelecer que é vedado ao fornecedor ‘condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos’. 3. Na primeira situação descrita nesse dispositivo, a ilegalidade se configura pela vinculação de produtos e serviços de natureza distinta e usualmente comercializados em separado, tal como ocorrido na hipótese dos autos. 4. A dilação de prazo para pagamento, embora seja uma liberalidade do fornecedor – assim como o é a própria colocação no comércio de determinado produto ou serviço –, não o exime de observar normas legais que visam a coibir abusos que vieram a reboque da massificação dos contratos na sociedade de consumo e da vulnerabilidade do consumidor. 5. Tais normas de controle e saneamento do mercado, ao contrário de restringirem o princípio da liberdade contratual, o aperfeiçoam, tendo em vista que buscam assegurar a vontade real daquele que é estimulado a contratar. 6. Apenas na segunda hipótese do art. 39, I, do CDC, referente aos limites quantitativos, está ressalvada a possibilidade de exclusão da prática abusiva por justa causa, não se admitindo justificativa, portanto, para a imposição de produtos ou serviços que não os precisamente almejados pelo consumidor. 7. Recurso especial provido” (STJ – REsp 384284/RS – Segunda Turma – Rel. Min. Herman Benjamin – j. 20.08.2009 – DJe 15.12.2009).
Na mesma linha, situação demonstradora da prática abusiva da venda casada se dar quando os cinemas impedem a entrada de clientes em suas dependências portando alimentos e bebidas de outros fornecedores, obrigando os consumidores a adquirirem suas pipocas e refrigerantes. Extrai-se da ementa do acórdão que:
“ao fornecedor de produtos ou serviços, consectariamente, não é lícito, dentre outras práticas abusivas, condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço (art. 39, I, do CDC). A prática abusiva revela-se patente se a empresa cinematográfica permite a entrada de produtos adquiridos nas suas dependências e interdita o adquirido alhures, engendrando por via oblíqua a cognominada ‘venda casada’, interdição inextensível ao estabelecimento cuja venda de produtos alimentícios constituiu a essência da sua atividade comercial como, verbi gratia, os bares e restaurantes. O juiz, na aplicação da lei, deve aferir as finalidades da norma, por isso que, in casu, revela-se manifesta a prática abusiva” (STJ – REsp 744.602/RJ – Rel. Min. Luiz Fux – Primeira Turma – j. 01.03.2007 – DJ 15.03.2007)
Já na jurisprudência do Tribunal do Rio Grande do Sul, com grande aplicação prática, existe julgado que conclui pela existência de venda casada no caso da empresa que presta serviços de TV por assinatura e exige a utilização de tecnologia somente por ela oferecida, sem qualquer outra possibilidade:
“Reparação de danos. NET. Serviço de telefone e televisão por assinatura. Defeito na prestação de serviço. Troca de roteador. Falta de adequada informação sobre o aparelho a ser usado pela consumidora. Indução em erro. Ressarcimento pela despesa na aquisição de aparelho exigido pela ré, sob pena de caracterizar venda casada. Desnecessidade de manter a tecnologia não homologada pela empresa. Solução de equidade. Indenização pelo tempo em que o sinal denotava má qualidade. Arbitramento. Quantum mantido, por falta de recurso da postulante. Cancelamento de serviço adicional (assistência de rede), como de entrega de revista, com restituição de valores, observado o art. 290 do CPC. Efetividade da decisão. Transtorno vivido pela autora. Dissabor que poderia ter sido evitado pela ré, se tratasse o caso com a devida atenção. Contribuição da autora, que poderia ter buscado, antes, a proteção judicial. Dano moral mitigado. Valor reduzido. Recurso parcialmente provido” (TJRS – Recurso 46934-74.2010.8.21.9000, Porto Alegre – Terceira Turma Recursal Cível – Rel. Des. Jerson Moacir Gubert – j. 27.01.2011 – DJERS 08.02.2011).
Outro caso muito interessante e grande ensejador de discussões é o que foi apreciado no enxerto abaixo indicado. Trata-se de recurso especial em ação civil pública no qual acusava-se a operadora telefônica de promover venda casada, consistente na imposição de aquisição de aparelho telefônico a quem quisesse o serviço de telefonia. Segundo o entendimento que predominou no mencionado julgamento restou configurada a venda casada ensejadora de dano moral coletivo.
“VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. OMISSÃO INEXISTENTE. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITO DO CONSUMIDOR. TELEFONIA. VENDA CASADA. SERVIÇO E APARELHO. OCORRÊNCIA. DANO MORAL COLETIVO. CABIMENTO. RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO. 1. Trata-se de ação civil pública apresentada ao fundamento de que a empresa de telefonia estaria efetuando venda casada, consistente em impor a aquisição de aparelho telefônico aos consumidores que demonstrassem interesse em adquirir o serviço de telefonia. 2. Inexiste violação ao art. 535, II do CPC, especialmente porque o Tribunal a quo apreciou a demanda de forma clara e precisa e as questões de fato e de direito invocadas foram expressamente abordadas, estando bem delineados os motivos e fundamentos que a embasam, notadamente no que concerne a alegação de falta de interesse de agir do Ministério Público de Minas Gerais. 3. É cediço que a marcha processual é orquestrada por uma cadeia concatenada de atos dirigidos a um fim. Na distribuição da atividade probatória, o julgador de primeiro grau procedeu à instrução do feito de forma a garantir a ambos litigantes igual paridade de armas. Contudo, apenas o autor da Ação Civil Pública foi capaz de provar os fatos alegados na exordial. 4. O art. 333 do Código de Processo Civil prevê uma distribuição estática das regras inerentes à produção de prova. Cabe ao réu o ônus da impugnação específica, não só da existência de fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor, como também da impropriedade dos elementos probatórios carreados aos autos pela ex adversa. Nesse ponto, mantendo-se silente o ora recorrido, correto o entendimento de origem, no ponto em que determinou a incidência do art. 334, II, do CPC e por consequência, ter recebido os documentos de provas do autor como incontroversos. 5. O fato de ter as instâncias de origem desconsiderado a prova testemunhal da recorrida - porquanto ouvida na qualidade de informante - não está apto a configurar cerceamento de defesa, pois a própria dicção do art. 405, § 4º, do CPC, permite ao magistrado atribuir a esse testemunho o valor que possa merecer, podendo, até mesmo, não lhe atribuir qualquer valor. 6. Não tendo o autor sido capaz de trazer aos autos provas concretas de sua escorreita conduta comercial, deve suportar as consequências desfavoráveis à sua inércia. Fica, pois, afastado possível violação aos arts. 267, VI, 333, II e 334, II do CPC. 7. A possibilidade de indenização por dano moral está prevista no art. 5º, inciso V, da Constituição Federal, não havendo restrição da violação à esfera individual. A evolução da sociedade e da legislação têm levado a doutrina e a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça a entender que, quando são atingidos valores e interesses fundamentais de um grupo, não há como negar a essa coletividade a defesa do seu patrimônio imaterial. 8. O dano moral coletivo é a lesão na esfera moral de uma comunidade, isto é, a violação de direito transindividual de ordem coletiva, valores de uma sociedade atingidos do ponto de vista jurídico, de forma a envolver não apenas a dor psíquica, mas qualquer abalo negativo à moral da coletividade, pois o dano é, na verdade, apenas a consequência da lesão à esfera extrapatrimonial de uma pessoa. 9. Há vários julgados desta Corte Superior de Justiça no sentido do cabimento da condenação por danos morais coletivos em sede de ação civil pública. Precedentes: EDcl no AgRg no AgRg no REsp 1440847/RJ, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 07/10/2014, DJe 15/10/2014, REsp 1269494/MG, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 24/09/2013, DJe 01/10/2013; REsp 1367923/RJ, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 27/08/2013, DJe 06/09/2013; REsp 1197654/MG, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 01/03/2011, DJe 08/03/2012. 10. Esta Corte já se manifestou no sentido de que "não é qualquer atentado aos interesses dos consumidores que pode acarretar dano moral difuso, que dê ensanchas à responsabilidade civil. Ou seja, nem todo ato ilícito se revela como afronta aos valores de uma comunidade. Nessa medida, é preciso que o fato transgressor seja de razoável significância e desborde os limites da tolerabilidade. Ele deve ser grave o suficiente para produzir verdadeiros sofrimentos, intranquilidade social e alterações relevantes na ordem extrapatrimonial coletiva. (REsp 1.221.756/RJ, Rel. Min. MASSAMI UYEDA, DJe 10.02.2012). 11. A prática de venda casada por parte de operadora de telefonia é capaz de romper com os limites da tolerância. No momento em que oferece ao consumidor produto com significativas vantagens - no caso, o comércio de linha telefônica com valores mais interessantes do que a de seus concorrentes - e de outro, impõe-lhe a obrigação de aquisição de um aparelho telefônico por ela comercializado, realiza prática comercial apta a causar sensação de repulsa coletiva a ato intolerável, tanto intolerável que encontra proibição expressa em lei.12. Afastar, da espécie, o dano moral difuso, é fazer tabula rasa da proibição elencada no art. 39, I, do CDC e, por via reflexa, legitimar práticas comerciais que afrontem os mais basilares direitos do consumidor. 13. Recurso especial a que se nega provimento. (RECURSO ESPECIAL Nº 1.397.870 - MG (2013/0143678-9) RELATOR : MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES. DJE 10.12.2014).”
A orientação para os consumidores que são vítimas da prática da venda casada é por lógica, denunciar aos órgãos de defesa do consumidor como Procon, Ministério Público e Delegacia do Consumidor, que irão adotar as medidas pertinentes de punição. Contudo, em algumas situações, o consumidor pode aceitar a imposição adicional e, logo em seguida, cancelar a parte da transação que não lhe interessa.
Exemplificando o que foi exposto, temos o exemplo em que, após o recebimento do empréstimo, o consumidor envia uma carta de notificação ao banco informando que o seguro de vida imposto como condição à operação de crédito não é de seu interesse, requerendo o cancelamento do mencionado seguro. Tal cláusula deverá ser cancelada por ser uma prática abusiva vedada pelo CDC, conforme jurisprudência dominante:
“Ação anulatória e revisional- contratos de empréstimo, pecúlio e seguro- venda casada. Atividades que envolvam crédito constituem relação de consumo.A exigência de contratar pecúlio e seguro de vida para concessão de empréstimo, usualmente denominada “venda casada”, é prática expressamente vedada pelo art.39,I do CDC ( TJRS, AP.CÍV.70005954235, REL.DES. ANA MARIA NEDEL.J.16.10.2003)”.
ART. 39, I, CDC, PARTE FINAL – CONSIDERAÇÕES
O Art. 39, inciso I, do Código Consumerista, parte final, já transcrito anteriormente, considera como prática abusiva condicionar a aquisição de produtos ou a contratação de serviços a limites quantitativos, exceto nas situações em que a justa causa se apresente.
Assim, em relação a quantidade, a norma permite a utilização de limites quantitativos quando justificados. Nesse sentido surgirão duas hipóteses de limite máximo de aquisição: o limite máximo e o limite mínimo. No primeiro caso, justifica-se que o fornecedor imponha limite máximo em épocas de crise. Se por acaso, houver falta de café no mercado, por exemplo, em épocas de grande seca ou inundações, é aceitável que o supermercado venda um ou dois pacotes por pessoa. Nesse caso, a limitação se justifica e é permitida pela norma.
Em relação a segunda situação, ou seja, a venda condicionada a quantidade mínima, esta é vedada pela norma. Como explanado anteriormente o fornecedor não poderá fixar um mínimo de quantidade de algum produto que deverá ser adquirido ou serviço a ser contratado, sob pena de prática abusiva contra o consumidor. Nesse caso, correlaciona-se a chamada “consumação mínima”.
SERVIÇO PÚBLICO E VENDA CASADA
Alguns serviços públicos são objetos de estudo da relação consumerista, especificamente aqueles serviços remunerados por tarifa. De acordo com Fabrício Bolzan (2013, p. 1640):
“[…] a legislação administrativa admite a cobrança de tarifa mínima como forma de bem concretizar a manutenção do equilíbrio econômico financeiro do contrato administrativo”.
Para exemplificar o referido entendimento pode-se mencionar o disposto na Lei do Saneamento Básico, Lei 11.445/2007, no seu art. 30, que em seu inciso III, estabelece que:
“Art. 30. Observado o disposto no art. 29 desta Lei, a estrutura de remuneração e cobrança dos serviços públicos de saneamento básico poderá levar em consideração os seguintes fatores:
I - categorias de usuários, distribuídas por faixas ou quantidades crescentes de utilização ou de consumo;
II - padrões de uso ou de qualidade requeridos;
III - quantidade mínima de consumo ou de utilização do serviço, visando à garantia de objetivos sociais, como a preservação da saúde pública, o adequado atendimento dos usuários de menor renda e a proteção do meio ambiente; […] (grifo nosso)”.
Aqueles que defendem a legitimidade da cobrança da tarifa mínima afirmam que há necessidade da cobrança de um valor mínimo de cada usuário-consumidor para que o serviço seja bem implementado, bem como haja uma regular manutenção da sua estrutura e efetiva disponibilidade. Assim, o que afirmam é que se não houvesse a referida cobrança mínima, o serviço não se manteria por si só economicamente, comprometendo a sua regular distribuição e qualidade.
Em sentido contrário, alguns administrativistas argumentam que estes serviços facultativos, se considerado o pensamento explanado anteriormente, estariam se equiparando aos serviços compulsórios no momento em que o usuário efetiva o pagamento por uma parcela de um serviço que efetivamente não utilizou. Daí, não haveria diferenciação entre eles (serviços obrigatórios e facultativos), por que em ambos os casos bastaria colocar o serviço à disposição do usuário para legitimar a cobrança da tarifa mínima.
Segundo José dos Santos Carvalho Filho apud Fabrício Bolzan (2013, p. 1642):
“ Por fim, vale destacar, como já observamos anteriormente, que em matéria de política tarifária, tem sido admitida a denominada tarifa mínima, devida pela só disponibilidade do serviço concedido, à semelhança do que ocorre com o sistema de taxas. Sem embargo do fundamento apontado para admitir esse tipo de cobrança – a política de implementação e manutenção da estrutura necessária à prestação do serviço – entendemos que o fato reflete inegável distorção do sistema de prestação dos serviços públicos de natureza facultativa, serviços esses que só deveriam receber remuneração na medida em que o usuário efetivamente se beneficiasse deles com o consequente realce da característica contratual que rege a relação entre o prestador e usuário do serviço. O correto, a nosso ver, é que os gastos com a manutenção e expansão do sistema de serviços estejam embutidos no próprio valor da tarifa, evitando-se que o contribuinte tenha que pagar por um serviço que não utiliza”.
Nesse sentido, qual o entendimento em relação à cobrança de tarifa mínima pelo serviço de assinatura mensal de telefonia fixa, ainda que o consumidor não o utilize, no sistema jurídico brasileiro, e qual o regime utilizado para regulação dos serviços públicos? O de mercado, ou seja, as regras do CDC ou o regime especial de Direito Público?
O entendimento do Superior Tribunal de Justiça foi pelo reconhecimento da legitimidade da cobrança da tarifa mensal pelo serviço de telefonia fixa. Tal foi a conclusão que o STJ sumulou a questão nos seguintes termos:
Súmula 356 – É legítima a cobrança da tarifa básica pelo uso dos serviços de telefonia fixa”.
Aqui, é importante transcrever um dos precedentes que gerou a ementa, para os devidos esclarecimentos a respeito do seu conteúdo:
“Repetição de indébito. Assinatura básica de telefonia fixa. Lei 9.472/1997. Resolução 85/1998 da ANATEL. Contrato de concessão. Previsão. Violação ao CDC. Inexistência. Legalidade da tarifa. Devolução em dobro do quantum. Prejudicialidade do recurso da consumidora. I. A cobrança da tarifa básica de assinatura mensal, constante de contrato de concessão pública, constitui-se em contraprestação pela disponibilização do serviço de forma contínua e ininterrupta ao usuário, sendo amparada pela Lei 9.472, de 16.07.1997, bem como por Resolução da ANATEL, entidade responsável pela regulação, inspeção e fiscalização do setor de telecomunicações no País. II. Em recente pronunciamento, a Colenda Primeira Seção, ao julgar o REsp 911.802/RS, Rel. Min. José Delgado, em 24.10.2007, entendeu que a referida cobrança não vulnera o Código de Defesa do Consumidor, tendo em vista a existência de previsão legal, além do que, por se tratar de serviço que é disponibilizado de modo contínuo e ininterrupto, acarretando dispêndios financeiros para a concessionária, deve ser afastada qualquer alegação de abusividade ou vantagem desproporcional. III. Prejudicado o recurso da consumidora, eis que, ao se entender pela legalidade da cobrança da assinatura básica de telefonia, não há de se falar em discussão acerca do direito à devolução do valor pago indevidamente. IV. Recurso especial da concessionária provido e apelo nobre da consumidora prejudicado” (STJ – REsp 870.600/PB – Primeira Turma – Rel. Min. Francisco Falcão – j. 04.12.2007 – DJe 27.03.2008)”.
Contudo a melhor doutrina discorda do pensamento sumulado, segundo estes autores fica claro a venda casada no caso da cobrança da tarifa mensal pelo serviço de telefone fixa, pela imposição ao usuário-consumidor de um mínimo não utilizado do serviço prestado. Nesse sentido o entendimento de Daniel Amorim e Flávio Tartuce (2014, p. 279):
“Deve ficar claro que o presente autor não concorda com tal entendimento, por pensar que existe sim, venda casada, no caso da cobrança de assinatura básica, uma vez que o serviço de telefonia somente é prestado mediante o pagamento de tal valor. A realidade da telefonia celular pré-paga demonstra que é perfeitamente possível fazer o mesmo com a telefonia fixa, sem que isso torne o serviço inviável para as operadoras”.
No mesmo sentido é o entendimento de Bruno Miragem apud Fabrício Bolzan (2013, p. 1644):
“Independente da regulação do setor, e das eventuais justificativas para a cobrança destes valores (manutenção da rede, universalização do acesso), o fato é que condicionar o acesso ao serviço, à remuneração de uma utilização fixa mínima, parece configurar a prática de subordinação de aquisição de um produto (a linha telefônica) a outro (uma quantidade de serviço mínima mensal)”.
Nesse momento vale destacar trechos do voto vencido do Ministro Herman de Vasconcellos Benjamin, no Recurso Especial 911.802, de relatoria do Ministro José Delgado, julgado em 24 de outubro de 2007, um dos casos utilizados para sumulação do entendimento do STJ na já mencionada Súmula 356. Referidos trechos foram extraídos do livro de Fabrício Bolzan (2013, p. 1646):
“Concluo, desse modo, que a cobrança da assinatura básica: é ilegal, por não estar prevista e autorizada pela LGT, havendo, in casu, violação do princípio da legalidade pela ANATEL ao prevê-la em Resolução; mesmo que ausente a desconformidade com a LGT, viola o art. 39, I, do CDC, ao obrigar o usuário a adquirir uma franquia de pulsos (a consumir), independentemente do uso efetivo, condicionando, assim, o fornecimento do serviço, sem justa causa, a limites quantitativos; também infringe o CDC, pois constitui vantagem exagerada, uma vez que ‘ofende os princípios fundamentais dosistema jurídico a que pertence’ (art. 51, § 1º, I, do CDC), notadamente, o princípio do amplo acesso ao serviço, a garantia de tarifas e preços razoáveis (art. 2º, I, da LGT) e a vedação da discriminação (art. 3º, III, da LGT); mostra-se excessivamente onerosa (art. 51, §1º, III, do CDC) ao impor o pagamento de quantia considerável (cerca de 10 por cento do salário mínimo só pela oferta do serviço, lembre-se!) ao assinante que utiliza muito pouco o serviço público em questão; e importa desequilíbrio na relação contratual (art. 51, § 1º, II, do CDC),já que, ao mesmo tempo que onera excessivamente o usuário, proporciona arrecadação extraordinária às concessionarias (cerca de treze bilhões de reais por ano, conforme consta da página eletrônica da ANATEL)”.
Infelizmente, o voto do ministro Herman Benjamin foi vencido e o entendimento prevalecente foi o da legitimidade da tarifa mínima e aplicação de um regime especial – o regime de Direito Público – para os serviços públicos.
VENDA CASADA PERMITIDA
A chamada venda casada permitida, trata daquelas situações em que poderia haver um abuso por parte do consumidor, se não fosse permitida pela norma e pelo ordenamento jurídico. Aqui, ressalta-se que vale o bom senso do julgador e do consumidor diante de tais situações. Como exemplo pode-se citar o fornecedor que vende apenas o conjunto completo de iogurtes em potinhos e não apenas a unidade, ou a loja de ternos que não vende apenas a calça, mas apenas o conjunto inteiro.
Nessas situações a lei permite a venda casada, por ser o mais lógico, inclusive para evitar abusos do próprio consumidor. Conforme Leonardo de Medeiros Garcia (2016, on line):
“[...] a possibilidade também existe, por exemplo, nas vendas promocionais do tipo “pague 2 e leve 3”, desde que o consumidor possa adquirir, caso queira, o produto singular pelo preço normal. Nesses casos de imposição limite mínimo, sobretudo por serem situações mais delicadas, deverá o intérprete analisar se há razoabilidade ou não na limitação, de forma a evitar os abusos, tanto pelo fornecedor como pelo consumidor.”
CONCLUSÃO
O Código do Consumidor elenca a venda casada como prática abusiva no seu art. 39, I. Vale ressaltar que o rol das práticas abusivas estão representadas no Código Consumerista de forma exemplificativa. Não ousou o legislador trazer um rol exaustivo das mencionadas práticas, vez que as relações consumeristas são extremamente dinâmicas, com novas práticas surgindo a todo momento, e consequentemente novas violações do direito do consumidor, no caso específico, as práticas abusivas.
Inicialmente, fez-se a distinção entre consumidor e fornecedor, do ponto de vista legal e doutrinário, buscando trazer uma ideia geral a respeito destes dois sujeitos que fazem parte da relação consumerista.
A pesquisa buscou abordar, ainda, questões de natureza criminais e civis dentro do Código de Defesa do Consumidor. Conceituou-se venda casada como a modalidade de abuso do direito do consumidor em que o fornecedor pretende obrigar o consumidor a adquirir um produto ou serviço apenas pelo fato de ele estar interessado em adquiri outro produto ou serviço.
Tratou-se ainda do caso da consumação mínima, rechaçada pelo direito do consumidor e da venda de quantidade diversa daquela que o consumidor queira. Buscou-se o entendimento jurisprudencial acerca da venda casada, em especial, do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, em temas relevantes que já demonstram um tratamento profundo do tema e da identificação das situações em que a venda casada se apresenta.
Destaca-se os casos em que a empresa cinematográfica somente admite o consumo de alimentos no interior do cinema se adquiridos em seu estabelecimento, a situação em que os bancos vinculam ao mutuário do Sistema Financeiro de Habitação – SFH, a contratação de seguro habitacional fornecido pela própria instituição financeira ou por empresa indicada, dentre outros grandes julgados, inclusive com a abertura do tema do dano moral coletivo, pelo cometimento de prática abusiva consumerista.
O artigo científico tratou ainda da problemática do condicionamento a limites quantitativos como prática abusiva no Código de defesa do Consumidor, quando se refere aos serviços públicos, ressaltando o entendimento sumulado pelo Superior Tribunal de Justiça e finalizando com a divergência aberta pelo Ministro Herman Benjamin.
Por fim, abordou-se o tema da venda casada legal e sua aplicação prática.
REFERÊNCIAS
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