Imputação objetiva no Direito Penal pátrio: pequenos apontamentos introdutórios

Imputação objetiva no Direito Penal pátrio: pequenos apontamentos introdutórios

Visa tecer alguns comentários acerca da Teoria da Imputação Objetiva, mencionando sobre o risco permitido, o proibido, o incremento do risco e a autocolocação em perigo.

O neokantismo positivista surgiu na Alemanha e visou combater o empirismo do positivismo. Os ideais desse movimento influenciaram toda a legislação penal brasileira., quando de sua codificação em 1940, alastrando-se até hoje e abrangendo a reforma penal de 1984 e as demais leis extravagantes.

O normativismo de Edmund Mezger influenciou o Código Penal também, na conceituação de ação, nexo de causalidade e resultado, bem como nos demais institutos. Contudo, essa teoria foi superada por diversas correntes como o finalismo de Welzel, o tecnicismo, além das novas vertentes como a da humanização proposta por Hassemer, do sistema teleológico e funcional de Claus Roxin e do normativismo funcional de Günther Jakobs.

A ação sofreu uma modificação conceitual, fruto da evolução da ciência penal, pois, passou de um movimento mecânico corporal que dá aso a ocorrência do previsto na norma penal incriminadora, sendo a mera ocorrência naturalística do fato, sem haver a consideração do elemento psicológico. Daí, surgiu o conceito finalista da ação, introduzindo o elemento vontade, passando a ser ação considerada como a ação ou omissão humana dominada ou dominável pela vontade dirigida a uma finalidade, sendo que a causalidade pura é cega. A ação passou a ser conhecida como “um acontecimento finalístico (= dirigido a um fim), não um acontecimento puramente causal e orientando sua atividade para a consecução desses mesmos fins ou objetivos” [1].

Essa teoria embora fosse muito avançada e coesa, necessitou de reparos e estes foram realizados com o incremento do elemento social. Nesse instante surgiu a teoria social da ação, com a conduta devendo revestir da relevância social, além do domínio ou possibilidade de domínio da vontade humana ensinado pelo finalismo. O fato socialmente relevante é descrito por Johannes Wessels como: “toda conduta que afeta a relação do indivíduo para com o seu meio e, segundo suas conseqüências ambicionadas ou não desejadas, constitui, no campo social, elemento de um juízo de valor” [2].

Com as idéias das teorias antecessoras, surgiu o conceito jurídico penal da ação, que acrescentou a exposição ao perigo e a possibilidade de dano ao bem jurídico. Francisco de Assis Toledo, leciona o conceito: “ação é o comportamento humano, dominado ou dominável pela vontade, dirigido para a lesão ou exposição a perigo de um bem jurídico, ou, ainda, para a causação de uma previsível lesão a um bem jurídico” [3].

O Direito Penal, no que tange ao nexo de causalidade foi formado sob a flâmula da teoria da causalidade adequada, com a influência do estabelecido por Maximilian Von Buri, que aparece de forma expressa no artigo 13 e seguintes, Código Penal [4]. Damásio ensina que: “Atribui relevância causal a todos os antecedentes do resultado, considerando que nenhum elemento, de que depende a produção, pode ser excluído. Em relação ao resultado, ocorre o mesmo fenômeno: causa é condição do resultado, e todos os elementos antecedentes tem o mesmo valor” [5]. Porém, a teoria da causalidade adequada foi arduamente criticada por apresentar algumas falhas. Para evitar o estabelecimento de um nexo de causalidade infinito, aplica-se o processo hipotético de eliminação criado por Thyrén, onde utilizava-se somente no liame causal aquilo que contribuiu decisivamente para a ocorrência do evento, sendo tudo aquilo que colaborou para a produção do resultado causa.

Mas, alguns estudiosos do direito penal, verificaram que essa teoria apresentava alguns problemas, como as apontadas por Antônio Luís Chaves de Camargo aponta: “A tentativa de restrição da causalidade, crítica mais severa à equivalência das condições, não surtiu o efeito desejado, por não Ter apresentado critérios claros de exclusão da responsabilidade, dado que nas ações inadequadas negava a causalidade, contra a visão empírica do resultado, que mostrava o inverso. É uma teoria mais próxima de uma imputação valorativa, do que, efetivamente, uma teoria capaz de explicar a relação de causalidade entre uma ação e resultado” [6].

Mas existem os defensores dessa teoria e dentre eles, podemos mencionar a lição de Julio Fabbrini Mirabete: “Critica-se a adoção da teoria da equivalência das condições com a afirmação de que a corrente causal poderia ir ao infinito. A objeção não tem razão de ser. Mesmo estabelecida a relação de causalidade entre o ato e o resultado, a relevância penal da causalidade encontra-se limitada pelo elemento subjetivo do fato típico, por Ter o agente querido o fato ou por Ter dado causa ao resultado ao não tomar as cautelas que dele se exigia, ou seja, só pratica conduta quem age com dolo ou culpa” [7].

Antônio Luís Chaves de Camargo conceitua: “A imputação objetiva é um método de análise do fato típico que tem por fim, na aplicação da lei penal, considerar responsável aquele que determinou a violação dos valores vigentes, através de elementos de certeza que permitam justificar a interferência do Direito Penal no agir social” [8]. Portanto, a teoria da imputação objetiva, visa readequar o nexo de causalidade, vinculando-o a ocorrência do risco juridicamente relevante com fulcro no princípio da confiança e do papel humano na sociedade, que regem as atividades humanas, com incidência na tipicidade penal.

Objetivando suprimir as deficiências da equivalência dos antecedentes surge a Teoria da Imputação Objetiva, cujo cerne adveio do direito grego, sendo desenvolvida posteriormente na filosofia hegeliana e sendo desenvolvida por Richard Honig, Karl Larenz e atualmente por Claus Roxin, Günther Jakobs, dentre outros. Essa teoria inova, pois, introduz no sistema penal inovações, com sua base sendo formulada pelo risco juridicamente relevante funcionando como um filtro limitador da responsabilidade penal.

O risco deve ser imputado ao autor de forma que o resultado previsto no tipo seja conexo com a exposição ao perigo de dano ou a lesão por ele imposta por sua conduta. Esse risco apresenta um desdobramento, pois, falamos naquele que não é permitido por contrariar os pressupostos sociais de convivência e ferir a esfera jurídica de terceiros, acarretando lesão ou tentativa de dano ao bem onde assenta-se a tutela penal. Ainda, falamos no risco tolerado, ou seja, aquele em que a lei penal não prescreve um tipo proibitivo e a sociedade assume a sua probabilidade potencial de dano, por ser este risco vital para o fluir dos contatos sociais, acabando por ser absorvido naturalmente pela sociedade, por ser comum e ordinário.

O incremento desse risco ocorre sempre quando temos um aumento da possibilidade de dano, com um aumento no potencial danoso da conduta, podendo existir dentro do tolerado, bem como do proibido, mas dentro do tolerado poderá converter-se em algo ilícito e contrário a permissão sócio-legal, gerando a reprovabilidade da conduta. O risco funciona de modo importante nos cursos causais hipotéticos ou no desvio dos desdobramentos causais, onde há a irresponsabilidade do autor, mesmo quando suprimida dos fatos que compõem o evento, pois, este de qualquer forma ocorreria. Essa invocação da responsabilização ou irresponsabilidade penal reside na figura do risco e por seu papel importante na determinação causal, justamente por ser a imputação objetiva uma adequação social, dependendo de juízos de valor, ou seja, o elemento normativo do tipo penal.

Claus Roxin elucida: “Quando o legislador permite que, à semelhança do que sucede em outras manifestações da vida moderna, na atividade de estabelecimentos perigosos e em outros casos de utilidade social preponderante, se corra um risco até certo limite, apenas poderá haver imputação se a conduta do autor significar um aumento do risco permitido. Se tal situação se configura como tal, tem que imputar-se o resultado do agente, ainda que tenha atuado de forma irrepreensível” [9].

Atualmente podemos verificar uma sociedade de risco, como defende a Escola de Frankfurt do Direito Penal, onde a realização de atividades perigosas é comum e há a assunção diuturna de riscos nas ações humanas e a eminência de lesões aos bens e os riscos são suportados, como fruto do progresso, do desenvolvimento tecnológico social, como ocorre, por exemplo, no trânsito e na fixação de cabos de alta tensão para transmissão de energia elétrica. Tudo isso se baliza no dito por Roxin e nos limiares do risco aceitável ou tolerado, uma das bases da teoria explanada.

A diminuição do risco nas atividades durante o fluxo da causalidade, deve ser considerada para fins de verificação da responsabilidade penal, ou seja, por estar a conduta sob a égide de uma causa excludente da ilicitude ou uma mera atenuante genérica, com a manutenção da responsabildade. A falta de aumento ou a manutenção nos limiares do arriscado, porém, tolerado, gera a irresponsabilidade do agente, caso sobrevenha o resultado, pois, agiu conforme o direito [10].

O risco proibido, no qual se fundamenta a imputação objetiva, tem por primordial na análise da conduta, o princípio da confiança, no qual todos os indivíduos ao terem seus contatos sociais devem pautar-se pela lealdade e ética no desenvolver das atividades. Essa confiança se vincula ao papel do indivíduo em sociedade, ou seja, qual é a função de sua atividade, porém, entendemos que esse papel assume uma forma socialmente pertinente, não desgarrando dos elementos subjetivos dos indivíduos e isso tem relevância justamente, por causa da teoria do domínio do fato que norteia o concurso de agentes do artigo 29, Código Penal.

A autocolocação em perigo em caso de salvamento merece comentários por parte dessa teoria, com alguns dizendo que a responsabilidade penal do causador do risco a um determinado bem jurídico, mas que afete o de terceiro que influi tentando salvar os que estavam originariamente a mercê do risco, mas outros, somente oferecem esse caráter elástico da responsabilização jurídico-penal, quando houver o dever jurídico de agir.

A Imputação Objetiva é uma tese em desenvolvimento, que não possui seus enunciados bem delineados, mas que encontram-se em fase de revigoramento e revitalização, surgindo de forma decisiva para agir junto a causalidade adequada e não para substituí-la, talvez no futuro isso seja possível, mas não no momento.



[1] WELZEL, Hans. Das deutsche Strafrecht. 11. Aufl. Berlin. Walter de Gruyter. 1969. p. 33 Apud TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios Básicos de Direito Penal. 2ª Ed. Saraiva. SP/SP. 1986. p. 91

[2] WESSELS, Johannes. Direito Penal. Sérgio Antônio Fabbris Editor. Porto Alegre. Trad. Juarez Tavares. 1976. p. 22.

[3] TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios Básicos de Direito Penal. 2ª Ed. Saraiva. SP/SP. 1986. p. 103.

[4] Artigo 13, CP: “O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido”.

[5] JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal, vol. I. 22ª Ed. Saraiva. SP/SP. 1999. p. 249/250.

[6] CAMARGO, Antônio Luís Chaves de. Imputação Objetiva e o Direito Penal Brasileiro. Cultural Paulista. SP/SP. 2001. p. 57.

[7] MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal, vol. I. 17ª Ed. Atlas. SP/SP. 2000. p. 112.

[8] CAMARGO, Antônio Luís Chaves de. Op. cit. p. 136.

[9] ROXIN, Claus. Problemas Fundamentais de Direito Penal. 2ª Ed. Universidade Direito e Ciência Jurídica Veja. Lisboa Portugal. 1993. p. 152.

[10] ROXIN, Claus. Op. cit. p. 153.

Sobre o(a) autor(a)
Flávio Augusto Maretti Siqueira
Advogado, Pós Graduado pela FDDJ e Pós Graduando em Direito Penal e Processo Penal na UEL.
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