A efetividade dos alimentos internacionais

A efetividade dos alimentos internacionais

Abordagem acerca dos alimentos internacionais no âmbito da Convenção de Nova York, promulgada pelo Decreto Lei nº 56.826 de 02 de setembro de 1965, fazendo uma breve análise sobre a obrigação alimentar e os meios para solução da crise de satisfação.

Em nosso ordenamento jurídico, os alimentos têm tratamento especial, havendo disposição na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu art. 227, no Estatuto da Criança e do Adolescente, no Código Civil, entre os artigos 1.694 à 1.710, assim como na lei especial 5.478 de 25 de julho de 1968, sendo que, no caso dos dois últimos, ambos funcionam de maneira complementar, com regras de direito material e processual, com integração, neste caso, do Código de Processo Civil.

Nenhum desses diplomas, porém, definem os alimentos, embora indiquem os parâmetros de fixação, assim como os requisitos para a sua concessão, de modo que fica a cargo da doutrina a conceituação dos alimentos, para a qual, utilizo-me dos ensinamentos de Sílvio de Salvo Venosa, dizendo que (VENOSA, 2003, p. 372):

Assim, alimentos, na linguagem jurídica, possuem significado bem mais amplo do que o sentido comum, compreendendo, além da alimentação, também o que for necessário para moradia, vestuário, assistência médica e instrução. Os alimentos, assim, traduzem-se em prestações periódicas fornecidas a alguém para suprir essas necessidades e assegurar sus subsistência.  

A doutrina indica que esse tipo de obrigação decorre dos princípios da dignidade da pessoa humana e da solidariedade, sendo que, nesse contexto, a norma indica que os sujeitos dessa relação estão circunscritos ao parentesco biológico, assim como aqueles por afinidade, e neste caso, decorrente dos vínculos do casamento e união estável, restritos aos cônjuges e companheiros, e por derradeiro, o parentesco civil. (TARTUCE, 2011, 1.159).

Tal fato pode ser observado na redação do art. 1.694 do Código Civil, que assim dispõe: “podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação.”  

Os pressupostos para a concessão dos alimentos são indicados pelo binômio da necessidade de quem pleiteia os alimentos, com a possibilidade de pagar daquele que figura como sujeito dessa obrigação. 

A aferição, para parte da doutrina, além dos pressupostos supra, deve valer-se também, da proporcionalidade, como defende Maria Berenice Dias, e que já vem sendo aplicado por alguns julgados do Superior Tribunal de Justiça (2007, p. 482).

Ultrapassada a fase da crise de conhecimento, com o reconhecimento da obrigação alimentar, verifica-se, em muitos casos práticos, a crise de satisfação, decorrente do inadimplemento da obrigação.

O Código de Processo Civil informa duas espécies de títulos executivos, os judiciais, que seriam aqueles cuja constituição decorre do exercício da atividade jurisdicional, representando a norma jurídica concreta, e por outro lado, os extrajudiciais, representados pelos documentos elaborados por particulares, e por órgãos públicos, sem a interferência jurisdicional, revestido das formalidades, e que a lei confere a executividade, cuja enunciação está disposta no art. 585 do CPC, assim como em outras leis.

A execução de alimentos pode seguir dois ritos, o do art. 732 do CPC, cujo ato constritivo é a penhora de bens do executado, e o outro seria o do art. 733 do CPC, que tem como efeito direto do inadimplemento a prisão civil do executado.

A escolha do rito não está calcada no título, mas em um critério temporal consubstanciado pela súmula 309 do Superior Tribunal de Justiça, cuja redação é a seguinte: “o débito alimentar que autoriza prisão civil do alimentante é o que compreende as três prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que vencerem no curso do processo.”

A redação da súmula vem a indicar que a escolha do rito do art. 733 do CPC, somente pode ser para as três prestações alimentares anteriores ao ajuizamento da ação, e as que se vencerem no curso da demanda, fato que afastaria a possibilidade de escolha desse rito quando se tratar de prestações anteriores a esse período, cabendo, neste caso, a utilização do rito do art. 732 do CPC.

Nesse diapasão, o que ocorre, muitas das vezes, quando o alimentante possui um grande número de parcelas em aberto, é o surgimento de duas execuções, uma seguindo o rito do art. 733 do CPC, executando as três últimas parcelas devidas e as que se vencem no curso da demanda, e outra pelo rito do 732 do CPC, executando as parcelas mais antigas, sendo que, neste caso, o exequente pode optar em cobrar todo o débito. O que a súmula exige é que, em caso de escolha pelo rito do art. 733 do CPC, esteja restrita ao lapso temporal determinado.

Embora haja entendimento no sentido de permitir que em uma mesma execução possam ser processados os dois ritos, entendo que esse procedimento é diametralmente oposto à técnica processual, na medida em que a permissibilidade de cumulação de pedidos parte do pressuposto da viabilidade do rito a ser adotado para cada pedido, ex vi do disposto no art. 292, III do CPC, fato que não pode ser observado no caso da execução de alimentos, no qual os ritos são incompatíveis, não podendo ser processado em conjunto, pois, para cada processo, há um tipo de procedimento.

Doravante, analisado de modo sucinto o conceito de alimentos, seus pressupostos, assim como as formas de execução da obrigação, passam-se a perquirir sobre os alimentos internacionais e o seu procedimento.

Os alimentos internacionais se consubstanciam quando uma das partes da relação jurídica material encontra-se em outro país, sendo que, nessa hipótese, houve a ratificação pelo Brasil da Convenção sobre prestação de alimentos no estrangeiro, também denominada de  Tratado de Nova York, aprovado pelo Decreto Legislativo nº 10 de 1958, e promulgado pelo Decreto Lei nº 56.826 de 02 de setembro de 1965, que vem a otimizar as obrigações de caráter alimentar, tendo como respaldo e principal característica a proteção do direito da pessoa humana de ver suprida as necessidades básicas de sobrevivência que, muitas das vezes, envolvem crianças e adolescentes.

Em consulta ao site do Ministério da Justiça, podemos obter a lista dos países que ratificaram o Tratado de Nova York, são eles: Alemanha, Argélia, Argentina, Austrália, Áustria, Barbados, Bielorrússia, Bélgica, Bósnia-Herzegovina, Brasil, Burquina Faso, Cabo Verde, Cazaquistão, Chile, Croácia, Chipre, Colômbia, Dinamarca, Equador, Eslováquia, Eslovênia, Espanha, Estônia, Filipinas, Finlândia, Grécia, Guatemala, França, Haiti, Hungria, Ilhas Seychelles, Irlanda, Israel, Itália, Libéria, Luxemburgo, Marrocos, México, Moldávia, Mônaco, Montenegro, Nigéria, Nova Zelândia, Noruega, Países Baixos (Holanda), Paquistão, Polônia, Portugal, Quirguistão, Reino Unido/Grã-Bretanha/Irlanda do Norte, República Centro-Africana, República da Macedônia, República Tcheca, Romênia, Santa Sé (Vaticano), Sérvia, Sri Lanka, Suécia, Suíça, Suriname, Tunísia, Turquia, Ucrânia e Uruguai.

O objeto da Convenção de Nova York está traçado em seu artigo primeiro, cuja proteção reside na figura do credor de alimentos, havendo a importância essencial dos organismos que funcionarão como autoridade remetente e instituição intermediária.

Denota-se que a Convenção tem o condão de complementar os meios jurídicos já existentes para a regular constituição da obrigação, de modo que se pode concluir que haverá uma opção por parte do credor em se utilizar dos meios disponíveis pela Convenção, ou dos meios já existentes no ordenamento interno, ou seja, não haverá imposição para a adoção de um ou outro meio.

É necessário gizar que muitos são os entraves para a efetividade da Jurisdição Brasileira em solo estrangeiro, que vão desde a própria constituição do título, quanto aos atos constritivos decorrentes do inadimplemento da obrigação alimentar.

De início, destaque-se que ainda se mostra controvertida a competência da autoridade judiciária brasileira para a constituição da obrigação alimentar, na situação em que o devedor se encontra domiciliado em solo estrangeiro, frente a clara disposição do art. 88, do Código de Processo Civil, cuja redação é a seguinte:

Art. 88. É competente a autoridade judiciária brasileira quando:

I. o réu, qualquer que seja a sua nacionalidade, estiver domiciliado no Brasil;

II. no Brasil tiver de ser cumprida a obrigação;

III. a ação se originar de fato ocorrido ou de ato praticado no Brasil.

Denota-se que, estando o devedor domiciliado fora do Brasil, assim como a obrigação não decorre de fato ou ato, resta somente a aplicação do art. 88, II do referido diploma, mas cuja interpretação, a meu ver, não é uníssona, face as regras do Código Civil a respeito do lugar do pagamento.

Dispõe o art. 327 do Código Civil que: “efetuar-se-á o pagamento no domicílio do devedor, salvo se as partes convencionarem diversamente ou se o contrário resultar da lei, da natureza da obrigação ou das circunstâncias.”

Prima facie, há que se fazer uma distinção entre a dívida portable e dívida querable, indicando a doutrina os seguintes aspectos (TEPEDINO et al., 2007, p. 626, grifo do autor):

a presunção, no direito brasileiro, é de que o pagamento é quesível (expressão comum aos idiomas neolatinos: quérable, em francês; chiedibile, em italiano), no sentido de que deve ser procurado pelo credor no domicílio do devedor. Podem as partes, não obstante, convencionar o contrário, cabendo ao devedor levar a prestação até o credor, tornando o pagamento portável (portable, em francês: portabile, em italiano)

Orlando Gomes, também enfatiza a distinção, para o qual (1996, p. 103, grifo do autor):

em princípio a dívida é querable. Nesse caso, não se aplica a regra dies interpellat pro homine porque a omissão do credor não deve determinar a mora do devedor, a qual só se verifica provando aquele que não conseguiu receber. É quesível a dívida de aluguéis. Se o credor não procura o devedor, é ele quem incorre em mora.

A regra, nesse caso, é que a obrigação deve ser cumprida no domicílio do devedor, e estando este domiciliado em outro país, a priori, não teria a jurisdição brasileira competência para processar a demanda.

Ocorre que a interpretação da caracterização da obrigação alimentar em quesível ou portável deve ser feita dentro do contexto da sistemática jurídica, que confere proteção ao alimentando, indicando normas que protegem o credor, consubstanciando que a natureza dessa obrigação impõe o domicílio do credor como local de cumprimento da prestação.

Tal fato pode ser corroborado diante da disposição do Código de Processo Civil, quando, dentro do critério territorial, indica o foro do alimentando como competente para processar e julgar a ação de alimentos, ex vi do disposto no art. 100, II do referido diploma.

Acrescente que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, estende a aplicação do referido dispositivo, que em regra seria para as ações cognitivas, também para as situações de crise de satisfação, quando o próprio diploma já indica qual seria o juízo responsável pela execução, conforme o art. 475-P e 575 do Código de Processo Civil, sendo que essa assertiva pode ser observada na ementa a seguir transcrita:

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. HABEAS CORPUS. ALIMENTOS. COMPETÊNCIA.

DOMÍCILIO OU RESIDÊNCIA DO ALIMENTADO. SÚMULA N.º 309/STJ. DILAÇÃO PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA.

1. A teor do enunciado sumular n.º 309/STJ, é legítima a prisão civil do devedor de alimentos, quando fundamentada na falta de pagamento de prestações vencidas nos três meses anteriores à propositura da execução, ou daquelas vencidas no decorrer do referido processo.

2. Consoante a jurisprudência sedimentada desta Corte Superior, o foro competente para execução de alimentos é o foro do domicílio ou residência do alimentando, ainda que a sentença exequenda tenha sido proferida em foro diverso.

3. O remédio heróico, por possuir cognição sumária, não comporta a aprofundada análise de material fático-probatório, tal como a suposta incompetência do juízo da execução em razão da efetiva residência do menor, a possível imprestabilidade do título executivo ou a capacidade financeira do alimentante em prosseguir no pagamento da pensão alimentícia, a qual deve ser aferida na via apropriada, como a revisional de alimentos ou a própria execução (v.g.: HC 29.443/SC, Rel. Min. BARROS MONTEIRO, DJ de 12.04.2004 e HC 14.403/CE, Rel. Min. ALDIR PASSARINHO JUNIOR, DJ de 15.04.2002) 4. Ordem denegada.

4. (HC 184.305/GO, Rel. Ministro VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS), TERCEIRA TURMA, julgado em 17/03/2011, DJe 22/03/2011). Grifo Nosso     

Nesse jaez, pode-se concluir que a natureza da verba alimentar, frente a clara proteção conferida pelo sistema jurídico e jurisprudência, impõe uma evidente característica de obrigação portável, fato que atrai a competência da autoridade judiciária brasileira para processar e julgar a ação de alimentos internacionais estando o devedor domiciliado fora do Brasil, na medida em que a obrigação deve ser cumprida aqui, ex vi do disposto no art. 88, II do CPC.

Considerada a competência da autoridade brasileira, parte-se para um segundo aspecto no plano interno, quanto à aplicação da Convenção de Nova York, e qual o órgão jurisdicional seria competente para processar e julgar esse tipo de ação.

Relevante, nesta fase, tecer alguns comentários com relação à Convenção de Nova York, em especial, quanto às figuras da autoridade remetente e instituição intermediária, e o procedimento por ela indicado.

Sempre que o credor de alimentos estiver domiciliado no país que ratificou a Convenção de Nova York, poderá utilizar a legislação pátria a fim de constituir o título, ou se utilizar da Convenção para a constituição da obrigação por meio da jurisdição do país onde o devedor encontra-se domiciliado.

Nesse diapasão, importantes as funções desempenhadas pela autoridade remetente e instituição intermediária, que cada país, no momento do depósito da ratificação, devem informar, uma vez que estas irão dimensionar a efetivação dos alimentos no plano da referida Convenção.

O procedimento funciona em um sistema de cooperação, consistente na entrega por parte do demandante, credor dos alimentos, dos elementos essenciais à propositura da demanda à autoridade remetente, que fica responsável em indicar todos os pressupostos para o processamento do feito em solo estrangeiro no qual o devedor encontra-se domiciliado.

Uma vez reunidos todos esses elementos, a autoridade remetente encaminha a documentação à instituição intermediária, que funcionará como substituto processual da parte para processamento e julgamento da ação de alimentos no local onde o devedor se encontra.

Tal fato, pode ser retirado da disposição do art. VI, inciso 1 da referida Convenção, conforme redação a seguir:

Art. VI Funções da Instituição Intermediária.

1. A Instituição Intermediária, atuando dentro dos limites dos poderes conferidos pelo demandante, tomará, em nome deste, quaisquer medidas apropriadas para assegurar a prestação de alimentos. Ela poderá, igualmente, transgigir e, quando necessário, iniciar e prosseguir uma ação alimentar e fazer executar qualquer sentença, decisão ou outro ato judiciário.

No Brasil, a Procuradoria Geral da República funciona como autoridade remetente e instituição intermediária, sendo que, neste caso, a competência para processar e julgar os alimentos será da Justiça Federal, conforme determina o art. 26 da lei 5.478/68.

Deve-se, contudo, atentar para a função que a Procuradoria Geral da República está a exercer, pois, somente enquanto instituição intermediária é que atrairá a competência para a Justiça Federal, sendo que, nas outras situações, permanece a competência com a Justiça Comum Estadual. Tal fato pode ser observado pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO REVISIONAL DE ALIMENTOS. ALIMENTANDO RESIDENTE NO EXTERIOR. CONVENÇÃO DE NOVA IORQUE. ATUAÇÃO DA PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA COMO INSTITUIÇÃO INTERMEDIÁRIA. INOCORRÊNCIA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL.

1. A tramitação do feito perante a Justiça Federal somente se justifica nos casos em que, aplicado o mecanismo previsto na Convenção de Nova Iorque, a Procuradoria-Geral da República atua como instituição intermediária. Precedentes.

2. No caso dos autos, é o devedor de alimentos que promove ação em face do alimentando, buscando reduzir o valor da pensão alimentícia, o que demonstra a não incidência da Convenção sobre a Prestação de Alimentos no Estrangeiro.

3. Conflito de competência conhecido para declarar a competência do Juízo de Direito da Vara de Pilar do Sul - SP.

(CC 103.390/SP, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 23/09/2009, DJe 30/09/2009). Grifo Nosso.

COMPETENCIA. CONFLITO NEGATIVO.

A AÇÃO DE ALIMENTOS PROPOSTA NO BRASIL, RESIDINDO O DEVEDOR EM OUTRO PAIS, E DA COMPETENCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL.

UNANIME.

(CC 7.494/RJ, Rel. Ministro FONTES DE ALENCAR, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 27/04/1994, DJ 23/05/1994, p. 12538).

Encontra-se uma situação em que a Justiça Federal irá atuar no plano do direito de família, justamente quando o credor de alimentos encontra-se em solo estrangeiro, e se utiliza da autoridade remetente de seu país, que encaminha os elementos de prova para a instituição intermediária onde o devedor se encontra, no caso, o Brasil, que é a Procuradoria Geral da República, e sendo o caso de ter fatores suficientes de prova, ajuíza a ação de alimentos perante a Justiça Federal.

É necessário gizar que a Convenção de Nova York é aplicada em favor do credor de alimentos, não podendo o devedor se utilizar de seu procedimento para ajuizar demandas que teria legitimidade.

Optando o credor de alimentos pela jurisdição brasileira, e estando o devedor em um dos países que ratificou a Convenção, as cartas rogatórias devem ser dirigidas à Procuradoria Geral da República, que é o órgão responsável em intermediar o cumprimento do ato processual. Em outras situações, a carta deve ser dirigida ao Ministério da Justiça.

O principal objetivo da Convenção de Nova York foi justamente mitigar os efeitos da ineficácia dos títulos judiciais que condenavam o alimentante a uma obrigação dessa natureza, e que não recebiam o  exequatur da autoridade estrangeira para que pudessem ter a plena efetividade.

Tal fato, porém, ainda não trouxe a máxima efetividade que se espera desse tipo de obrigação, uma vez que muitos países ainda não o ratificaram, a exemplo dos Estados Unidos, o que torna a tarefa de efetivação do direito humano árdua, e carregada por características de morosidade e dependência.

A garantia de assistência material é encarada como direito humano, sendo objeto de alguns tratados internacionais, a exemplo do Pacto de São José da Costa Rica, da Convenção de Nova York e Da Convenção Interamericana sobre Obrigação Alimentar, todos eles com nítido caráter de efetivação desses direitos, com uma interpretação transcendente às multiculturas dos países envolvidos, com o fito de atingir a universalidade, essência de todo o direito humano.

A título desse intercâmbio cultural, cita Habermas, (apud MAIA, p. 94) :

Tomemos como exemplo os direitos humanos. Apesar de sua origem européia, eles representam hoje a linguagem universal no âmbito da qual as relações de intercâmbio global são reguladas normativamente. Ela constitui a única linguagem na Ásia, na África e na América do Sul, na qual os oponentes e as vítimas de regimes assassinos e de guerras civis conseguem levantar a sua voz contra a violência, a repressão, a perseguição e o desrespeito à sua dignidade humana. Porém, na medida em que os direitos humanos são aceitos como uma linguagem transcultutral, agudizou-se, nas diferentes culturas, a disputa acerca de sua correta interpretação. E uma vez que esse discurso intercultural sobre os direitos humanos é conduzido pelos critérios do reconhecimento recíproco, ele pode levar uma compreensão descentrada de uma construção normativa, inclusive dos europeus, que deixa de ser aos poucos propriedade da cultura européia.

O centro do conteúdo da obrigação alimentar tem como princípio estruturante a dignidade da pessoa humana, que tem posição firme em nosso sistema jurídico, tanto que a relação jurídica material tem um tratamento especial, com normas de características protetivas ao alimentando, mas que no plano internacional tem um ponto destoante, e muitas das vezes incompreensível pelo jurisdicionado, alheio aos critérios técnicos que envolvem o direito internacional.

A opção pela jurisdição brasileira para os alimentos internacionais quando o credor se encontra em território nacional deve pressupor uma rígida avaliação pelo advogado do demandante, na medida em que a efetividade do título, em muitas das vezes, encontra obstáculo na soberania do país no qual o devedor se encontra, e é justamente a intenção da Convenção de Nova York ultrapassar essa barreira, mediante a constituição do título no país onde o demandado está.

Afora a questão de ordem jurisdicional, não há meios para a otimização da comunicação entre os órgãos envolvidos para a rápida solução da cizânia, até mesmo dentro do Brasil. Em um mundo com avanços tecnológicos constantes, não é mais admissível a transmissão da Carta Rogatória aos órgãos remetentes, seja a Procuradoria Geral da República, ou o Ministério da Justiça, por meio de um sistema tradicional dos correios.

A disponibilidade de outras ferramentas, que permitem um maior intercâmbio entre os órgãos já deveria ter sido implantada, como já se observa em outras situações, a exemplo do BACEN JUD, RENAJUD, INFOJUD, enfim, há uma necessidade real de criação de um sistema que venha a promover a rápida comunicação entre os órgãos em sede de Cartas Rogatórias, em especial, para o caso dos alimentos internacionais, cuja morosidade já é assente frente a peculiaridade do caso, cabendo aos órgãos brasileiros diretamente envolvidos minimizar esse impacto.

Nesse diapasão, embora a Convenção de Nova York tenha um objetivo voltado à centralização da necessidade alimentar como direito humano, calcado pela universalidade, e com funcionalidade evidente, resta nítida a cooperação dos países para a consecução de novas formas de efetivação desse direito, garantindo a plena satisfação da assistência material à sobrevivência humana.

Referências Bibliográficas:

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 4 ª ed. São Paulo: RT, 2007.

GOMES, Orlando. Obrigações. Rio de Janeiro. Forense. 1996.

TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único. São Paulo: Método, 2011.

TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Heloísa Helena; MORAES, Maria Celina Bondin. Código Civil interpretado conforme a Constituição da República. 2.ed. Revista e atualizada. Rio de Janeiro: Renovar, 2007.

MAIA, Antônio Cavalcanti. Acerca dos direitos humanos e o diálogo intercultural In: SARMENTO, Daniel; GALDINO, Flávio (orgs.). Direitos fundamentais: estudos em homenagem ao professor Ricardo Lobo Torres. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. P. 89-100.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direito de família. 3.ed. São Paulo: Atlas, 2003.

Sobre o(a) autor(a)
Rafael dos Santos Sá
Bacharel em direito pela Universidade Tiradentes, especialista em Direito Púbico pela UNISUL-IDP-servidor público do TJ/SE
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