Liberdade de expressão e informação na sociedade contemporânea
Entende-se pois, que os direitos de imagem, de intimidade e de privacidade, que se ligam indissociavelmente a qualquer pessoa, integram o rol dos direitos e garantias consagrados na Carta Magna, impondo a sua observância, sob pena de ressarcimento civil.
A polêmica sobre o alcance e o limite da liberdade de expressão e informação na sociedade contemporânea é possivelmente uma das mais agudas e fecundas da teoria constitucional atual. As razões que explicam o particular interesse da doutrina e da jurisprudência sobre esta questão são diversas.
Em primeiro lugar, a ideia cada vez mais generalizada, segundo qual a liberdade de expressão e informação é um direito que, talvez como nenhum outro, constitui condição sine qua non para existência de um verdadeiro Estado de direito.
Em segundo lugar, a indiscutível complexidade que, do ponto de vista da harmonização do conjunto dos direitos, bens e interesses constitucionais, expões o exercício das mencionadas liberdades.
Tramita perante o Supremo Tribunal Federal a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4815, impetrada nos idos de 2012 pela Associação Nacional dos Editores de Livros, visando à declaração de inconstitucionalidade dos artigos 20 e 21, do Código Civil de 2002.
No cerne da questão, artistas e pessoas públicas que têm suas vidas nas esferas privada e pública descritas em tais biografias, argumentam lesão aos seus direitos de personalidade, intimidade, privacidade e imagem, diante da publicação das obras sem sua prévia autorização.
Por outro ângulo, a Associação Nacional dos Editores de Livros, sob a guarda do Sindicato Nacional de Editores de Livros, escritores das biografias, dentre outros, defendem a não exigência de autorização prévia para publicação de obras que tratem sobre a vida de personagens públicas.
Os defensores da necessidade de autorização para a edição e publicação das biografias enfatizam, com base no art. 20 do Código Civil de 2002, que a divulgação de escritos, a transmissão da palavra ou a publicação, exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa podem ser proibidas pela parte interessada, salvo se forem autorizadas ou se necessárias à administração pública ou manutenção da ordem pública. Para tanto, é necessário que fique configurada afronta à honra, boa fama ou a respeitabilidade, ou que sejam destinados a fins comerciais. Nestes casos, fica, ainda, assegurada a indenização pelos danos eventualmente caracterizados.
Já o parágrafo único do art. 20 atribui ao cônjuge, ascendentes ou descentes a legitimidade para a defesa contra eventuais lesões levadas a efeito em face de morto ou ausente.
Em face dos citados dispositivos infraconstitucionais que tratam sobre os direitos de personalidade, verifica-se que: a) para a divulgação de fatos da vida da pessoa se faz necessária a autorização prévia; b) os direitos de personalidade são assegurados a qualquer pessoa, não havendo no texto legal limitação ao fato de se tratarem de pessoas públicas ou não.
Frise-se que, que estes direitos de personalidade encontram também respaldo constitucional no art. 5º, inciso X, que eleva ao status de direitos fundamentais os direitos de personalidade, diretamente relacionados a um dos principais pilares constitucionais: o princípio da dignidade da pessoa humana.
Entende-se pois, que os direitos de imagem, de intimidade e de privacidade, que se ligam indissociavelmente a qualquer pessoa, integram o rol dos direitos e garantias consagrados na Carta Magna, impondo a sua observância, sob pena de ressarcimento civil.
Não obstante, a constitucionalidade dos ditos artigos do vigente Código Civil é impugnada, sendo inclusive objeto do Projeto de Lei nº393/2011, de autoria do Deputado Federal Newton Lima.
A base desta tese é o direito fundamental de liberdade de expressão e informação e o direito de ser informado. Onde somente com uma comunicação livre seria possível que as pessoas definissem suas próprias opções culturais, sociais e religiosas ou políticas; praticar os direitos de participação na conformação, gestão e controle do poder político; e conter o exercício arbitrário dos poderes não só públicos, mas também privados ou sociais, coibindo abusos em nome da informação.
Por sua vez, o art. 21 dispõe sobre a inviolabilidade da vida privada, permitindo que o interessado possa adotar medidas que afrontem esse direito.
Considerando que os arts. 5º. IX e 220, da Constituição Federal de 1988 estabelecem, como direito fundamental a liberdade da expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença.
Considerando que, o direito à informação que consiste na liberdade que a pessoa tem de conhecer fatos relevantes à sua formação intelectual, assegurado pelo art. 5º, XIV também da Carta Magna é pilar para este posicionamento.
Resta forçoso afirmar que, com apoio nestas premissas constitucionais, para se elaborar a biografia, que consiste na narração da vida de alguém – notadamente das pessoas públicas – considera-se inconstitucional a censura e a exigência de licença prévia.
Dito isto, são questionados os arts. 20 e 21 do CC/2002 ao argumento de estar configurada afronta ao princípio democrático, além de constrangimento para os escritores e de prejuízo para a produção cultural pátria.
Considerando os argumentos trazidos pelos interessados na solução do impasse, ficam os seguintes questionamentos: Até que ponto estaria configurada afronta à liberdade de expressão e de ser informado?
Existe uma maneira de se estabelecer uma licença pública compulsória dos direitos de privacidade, intimidade e imagem das pessoas, pelo simples fato de estas serem públicas?
Não podemos olvidar que tanto os direitos de intimidade, privacidade e imagem, quanto os direitos de liberdade de expressão e de acesso à informação são elevados pela Constituição Republicana em vigor ao patamar de direitos e garantias fundamentais., não existindo, pois, qualquer modalidade de hierarquia.
As liberdades de expressão e informação não se sobrepõe aos demais direitos em qualquer ângulo.
O artigo 20 do Código Civil de 2002, volta-se para a efetiva tutela dos direitos de personalidade ali tipificados no sentido de que apenas se permitidas as citadas divulgações, independente de requerimento de proibição, poderiam ser publicados os seus conteúdos. Do contrário, ficaria comprometida a efetiva tutela da personalidade do indivíduo.
Não podemos olvidar ainda que atribuir aos artistas e demais figuras públicas como “censores” seria pode demais exagerado.
A defesa dos interesses relacionados à esfera íntima da pessoa, indiferentemente de se tratar de pessoa pública ou não, é a todos assegurada, valendo observar que os direitos da personalidade são inalienáveis, intransmissíveis, imprescritíveis.
Assim, não se há de falar em uma licença compulsória dos direitos de privacidade, intimidade e imagem das pessoas, ao fundamento de que estas são públicas.
Fato inconteste é que além da defesa da liberdade de expressão e do acesso à informação, encontram-se os interesses econômicos e a substancial monta movimentada pelo mercado editorial e midiático com as biografias. Conclui-se, pois, que em alguns casos não se busca prestigiar, necessariamente, a informação em si, nem sempre relevante e propulsora do incremento cultural, mas sim, informação midiática, que poderá trazer dano a imagem do biografado.
Nestes casos, deve ser questionado: em que a informação que se pretende prestar e acessar acresce à cultura dando ensejo a lesão à esfera íntima do biografado?
Hodiernamente, a informação é reproduzida em acelerada velocidade, pela facilidade de acesso à rede mundial de computadores, sendo muito difícil a retirada da obra de circulação, já que acaso copiada e/ou digitalizada, poderá ser disponibilizada por diversas formas.
Necessário, pois, estar atento, para que não se pratiquem atos invasivos e danosos, sob o véu da liberdade de informação.