A mídia e o julgamento do ex-goleiro Bruno

A mídia e o julgamento do ex-goleiro Bruno

A mídia faz um discurso direto, tendo eliminado a intermediação do acadêmico. Ela explica os crimes e as leis do modo dela, consoante os interesses dela. O discurso que não dá ibope é cortado na raiz.

A mídia pode interferir nos julgamentos criminais? A mídia está interferindo no julgamento do ex-goleiro Bruno? No nosso livro (que acaba de ser lançado pela Saraiva: Populismo penal midiático, p. 98 e ss.) procuramos mostrar, com todas as evidências, que sim. Há duas espécies de populismo penal midiático: o conservador clássico busca o consenso ou o apoio popular para o endurecimento penal contra os criminosos das classes baixas, os estereotipados, os marginalizados; o conservador disruptivo almeja a condenação e o agravamento penal dos crimes dos poderosos, dos que comandam, dos que mandam.

Ora a mídia atua como empresária moral (interferindo na opinião pública e no legislador para a edição de novas leis penais), ora age como justiça paralela (mídia justiceira), muitas vezes acusando, julgando e condenando o réu, no mínimo com a pena de humilhação pública.

De qualquer forma, é ela hoje que se comunica com o povo, é ela que fala a linguagem do povo e é nela que o povo confia (pelo menos, mais do que na Justiça). O mundo acadêmico criminológico fala para ele mesmo (e nunca eles se entendem nem sequer entre eles mesmos). A mídia faz um discurso direto, tendo eliminado a intermediação do acadêmico. Ela explica os crimes e as leis do modo dela, consoante os interesses dela. O discurso que não dá ibope é cortado na raiz.

Ocorre que, para dar ibope, faz-se necessário explorar a emotividade gerada pelos crimes. Naturalmente reagimos de forma apaixonada frente aos criminosos (dizia Durkheim) e sempre desejamos, consoante o processo mnemotécnico descrito por Nietzsche, as penas mais duras possíveis (porque exclusivamente elas atendem o desejo de vingança, que é uma festa popular – a dor e o sofrimento do criminoso gera muito prazer nas pessoas).

A mídia não é um poder (não é o quarto poder). É uma força relevante dentro da democracia, tanto quanto o é a advocacia, a defensoria, o Ministério Público, a polícia etc. Como força que busca interferir na busca da verdade ou no resultado dos julgamentos, ela (já que conta com mais credibilidade junto à população que a própria Justiça – todas as pesquisas confirmam isso), muitas vezes, consegue coisas que nem sequer a Justiça alcança.

Por exemplo: no caso do ex-goleiro Bruno o “Fantástico” conseguiu ouvir o seu primo Jorge Luiz (menor na época dos fatos), colocando no ar “seu depoimento”. O que a Justiça não vem conseguindo fazer, a Globo fez. E o povo todo, inclusive quem vai servir de jurado do caso, viu e ouviu a nova versão dessa importante testemunha, que foi a primeira a revelar que Eliza Samúdio foi levada a um local afastado para ser assassinada.

Ou seja: a primeira testemunha (do julgamento de Bruno) já foi ouvida! Quem vai participar como jurado do caso já começou a formar o seu convencimento. E tudo isso sem a interferência do advogado e do promotor do caso. É dessa forma que a mídia exerce sua expressiva força. É dessa forma que ela é hoje sumamente relevante para a busca da verdade ou para a tentativa de manobra dos resultados dos processos (tal como ocorreu, em vários momentos, no mensalão).

Não existe democracia sem mídia. Logo, a questão não é mais perguntar se ela tem ou não relevância nos julgamentos (é óbvio que tem), sim, o quanto ela pode e o quanto ela não pode interferir na Justiça (por meio do que se chama de publicidade opressiva). É isso que discutimos no nosso livro. Avante e boa leitura!

Sobre o(a) autor(a)
Luiz Flávio Gomes
Doutor em Direito Penal pela Universidade Complutense de Madri – UCM e Mestre em Direito Penal pela Universidade de São Paulo – USP. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Jurista e Professor de Direito Penal e de...
Ver perfil completo
O conteúdo deste artigo é de responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
Lista de leitura
Adicione este artigo à sua lista de itens para ler depois
Adicionar à lista

Artigos relacionados

Leia mais artigos sobre o tema publicados no DN

Notícias relacionadas

Veja novidades e decisões judiciais sobre este tema

Termos do Dicionário Jurídico

Veja a definição legal de termos relacionados

Economize tempo e aumente sua produtividade com o DN PRO Seja um assinante DN PRO e tenha acesso ilimitado a todo o conteúdo que agiliza seu processo de elaboração de peças e mantém você sempre atualizado sobre o mundo jurídico. 7.530 modelos e documentos essenciais para o seu dia a dia Atualizados regularmente por especialistas em Direito Ideal para advogados e profissionais da área jurídica Apenas R$ 24,90 por mês Veja exemplos gratuitos