Sobre a obrigação propter rem
As obrigações propter rem são denominadas como obrigações híbridas, ou ambulatórias por manterem-se entre os direitos patrimoniais e os direitos reais, perseguindo a coisa onde quer que ela esteja.
Seguindo a tradução livre do latim, temos que esta é uma obrigação em razão (propter)[1] da coisa (rem)[2].
Para darmos continuidade, entenderemos primeiramente o conceito de direitos reais e patrimoniais. Os primeiros, segundo Loureiro[3], estão previstos basicamente no artigo 1.225 do Código Civil, traduzem a dominação sobre a coisa, sendo passíveis de posse, contrariamente aos direitos pessoais. Em outra via, os direitos patrimoniais constituem o conjunto de bens, direitos e obrigações de pessoas físicas ou jurídicas[4].
Com tal conceito, poderemos visualizar melhor o conceito da obrigação propter rem.
As obrigações propter rem são denominadas como obrigações hibridas, ou ambulatórias, como bem explica Tartuce , por manterem-se entre os direitos patrimoniais e os direitos reais, perseguindo a coisa onde quer que ela esteja, ou seja, tem caráter hibrido por não decorrer da vontade do titular, mas ainda sim decorrer da coisa.
Maria Helena Diniz[5] nos ensina que tal obrigação surge no momento em que “o titular do direito real é obrigado, devido a sua condição, a satisfazer certa prestação”.
Noutros dizeres, a obrigação propter rem é uma relação entre o atual proprietário e/ou possuidor do bem e o obrigação decorrente da existência da coisa. Destaque-se que a obrigação é imposta ao titular adquirente da coisa, que se obriga a adimplir com as despesas desta.
O código Civil de 2002 trouxe esta obrigação em alguns artigos, como por exemplo o artigo 1.345:
O adquirente de unidade responde pelos débitos do alienante, em relação ao condomínio, inclusive multas e juros moratórios.
Para que se extinga a obrigação faz-se necessário a desvinculação da titularidade da coisa.
Retiramos da mais atual jurisprudência dois exemplos de obrigações propter rem, senão vejamos:
O Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu que na relação entre condômino e condomínio, poderá o titular do direito da coletividade (condomínio) eleger como devedor das despesas como sendo o possuidor ou o proprietário.
Despesas Condominiais. Cobrança. Ilegitimidade passiva ad causam. Preliminar rejeitada pela sentença. Reiteração em sede recursal. Impropriedade. A contribuição para as despesas do condomínio edilício constitui obrigação de natureza "propter rem", onde a situação jurídica do obrigado representa uma amálgama de direito pessoal e real, não tendo preponderância, para efeito de legitimação passiva ordinária, a condição de possuidor ou proprietário da unidade autônoma sobre a qual recai a obrigação, pois prevalece, em contrapartida, o interesse da coletividade dos condôminos na obtenção de recursos para manutenção da propriedade coletiva comum, podendo o condomínio credor eleger devedor aquele que possui uma relação jurídica vinculada à unidade autônoma, a exemplo do réu na qualidade de titular da unidade autônoma perante o registro imobiliário. Preliminar rejeitada.[6]
Neste outro exemplo, o STJ declara a natureza da obrigação em questão no IPTU, por ser o arrematante o titular do direito real.
PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. IPTU. ARREMATAÇÃO DE IMÓVEL EM HASTA PÚBLICA. AQUISIÇÃO ORIGINÁRIA. ADJUDICAÇÃO. VIOLAÇÃO DO ART. 130, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CTN. OCORRÊNCIA. OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA PROPTER REM. EXISTÊNCIA DE RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA. 1. Discute-se nos autos se o credor-exequente (adjudicante) está dispensado do pagamento dos tributos que recaem sobre o imóvel anteriores à adjudicação. 2. Arrematação e adjudicação são situações distintas, não podendo a analogia ser aplicada na forma pretendida pelo acórdão recorrido, pois a adjudicação pelo credor com dispensa de depósito do preço não pode ser comparada a arremate por terceiro. 3. A arrematação em hasta pública extingue o ônus do imóvel arrematado, que passa ao arrematante livre e desembaraçado de tributo ou responsabilidade, sendo, portanto, considerada aquisição originária, de modo que os débitos tributários anteriores à arrematação sub-rogam-se no preço da hasta. Precedentes: REsp 1.188.655/RS, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 8.6.2010; AgRg no Ag 1.225.813/SP, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 8.4.2010; REsp 909.254/DF, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma DJe 21.11.2008. 4. O adquirente só deixa de ter responsabilidade pelo pagamento do débitos anteriores que recaiam sobre o Bem, se ocorreu, efetivamente, depósito do preço, que se tornará a garantia dos demais credores. De molde que o crédito fiscal perquirido pelo fisco é abatido do pagamento, quando da praça, por isso que, encerrada a arrematação, não se pode imputar ao adquirente qualquer encargo ou responsabilidade. 5. Por sua vez, havendo a adjudicação do imóvel, cabe ao adquirente (credor) o pagamento dos tributos incidentes sobre o Bem adjudicado, eis que, ao contrário da arrematação em hasta pública, não possui o efeito de expurgar os ônus obrigacionais que recaem sobre o Bem. 6. Na adjudicação, a mutação do sujeito passivo não afasta a responsabilidade pelo pagamento dos tributos do imóvel adjudicado, uma vez que a obrigação tributária propter rem (no caso dos autos, IPTU e taxas de serviço) acompanha o Bem, mesmo que os fatos imponíveis sejam anteriores à alteração da titularidade do imóvel (arts. 130 e 131, I, do CTN). 7. À luz do decidido no REsp 1.073.846/SP, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Seção, DJe 18.12.2009, "os impostos incidentes sobre o patrimônio (Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural - ITR e Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana - IPTU) decorrem de relação jurídica tributária instaurada com a ocorrência de fato imponível encartado, exclusivamente, na titularidade de direito real, razão pela qual consubstanciam obrigações propter rem, impondo-se sua assunção a todos aqueles que sucederem ao titular do imóvel." Recurso especial provido.[7]
REFERÊNCIAS:
LIMA, Sílvia Mara de. Definição e conceito de direito das obrigações e os principais tópicos acerca do tema. Disponível em: <http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/3044/Direito-das-obrigacoes-conceito>. Acesso em: 10/11/2012.
PELUSO, Cezar (coord). Código Civil comentado: doutrina e jurisprudência. 6 ed. Barueri: Manole, 2012.
TARTUCE, Flavio. Manual de direito civil: volume único. 2ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012.
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito das coisas. 27ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
[1] Fonte: http://www.dicionariodelatim.com.br/busca.php?search=propter
[2] Fonte: http://www.dicionariodelatim.com.br/busca.php?search=rem
[3] P. 1139, 2012.
[4] Lima, Silva Mara. Definição e conceito de direito das obrigações e os principais tópicos acerca do tema. 2006.
[5] p.29, 2012.
[6] Apelação nº 0103399-04.2007.8.26.0001. Rel: Júlio Vidal; Comarca de São Paulo, 04/09/2012.
[7] RESP 201000211343- RESP - RECURSO ESPECIAL – 1179056; Rel:Humberto Martins, 21/10/2010.