Direitos Humanos e união homoafetiva

Direitos Humanos e união homoafetiva

“Art. 1º A República Federativa do Brasil ... tem como fundamentos: III - a dignidade da pessoa humana; Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza...” Todo ser humano tem direito a uma vida digna e em igual condições aos demais seres humanos. Isso independe de seu...

Art. 1º A República Federativa do Brasil ... tem como fundamentos: III - a dignidade da pessoa humana; Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza...”

Todo ser humano tem direito a uma vida digna e em igual condições aos demais seres humanos. Isso independe de seu aspecto físico e das escolhas que faz – obviamente desde que estas não causem prejuízo à sociedade, pois, do contrário, será lícita a interferência Estado, nos termos da Lei.

Assim, não existe base justa, nem legal que impeça duas pessoas do mesmo sexo de constituírem entidade familiar da mesma forma que o fazem as outras pessoas de sexos diferentes.

A pessoa existe e, por isso, é titular de direitos em igualdade de condições. Dizer que alguém não tem o mesmo direito que outrem é pensar que esse alguém é pior – e sabemos quantos conflitos surgem quando alguém acredita ser melhor que os outros. Por exemplo, no passado, uma raça (etnia) se achava superior às demais e as escravizava. Os homens supunham-se superiores às mulheres e lhes infligiam (e ainda infligem) vários males. Os europeus acreditavam-se superiores aos demais – que foram colonizados.

Tropeços da civilização à parte, e entendendo o posicionamento contraposto, mas discordando dele; acredito que questões religiosas, sociais, filosóficas, dentre outras, em sentido contrário à aceitação das uniões homoafetivas, constituem atavismos que não podem perdurar na época em que vivemos.

Vejam logo abaixo alguns dos posicionamentos mais atuais e importantes a respeito da união homoafetiva.

Segundo o Ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, na ADI 330, “não obstante as razões de ordem estritamente formal, que tornam insuscetível de conhecimento a presente ação direta, mas considerando a extrema importância jurídico-social da matéria – cuja apreciação talvez pudesse viabilizar-se em sede de argüição de descumprimento de preceito fundamental -, cumpre registrar, quanto à tese sustentada pelas entidades autoras, que o magistério da doutrina, apoiando-se em valiosa hermenêutica construtiva, utilizando-se da analogia e invocando princípios fundamentais (como os da dignidade da pessoa humana, da liberdade, da autodeterminação, da igualdade, do pluralismo, da intimidade, da não-discriminação e da busca da felicidade), tem revelado admirável percepção do alto significado de que se revestem tanto o reconhecimento do direito personalíssimo à orientação sexual, de um lado, quanto a proclamação da legitimidade ético-jurídica da união homoafetiva como entidade familiar, de outro, em ordem a permitir que se extraiam, em favor de parceiros homossexuais, relevantes conseqüências no plano do Direito e na esfera das relações sociais. Essa visão do tema, que tem a virtude de superar, neste início de terceiro milênio, incompreensíveis resistências sociais e institucionais fundadas em fórmulas preconceituosas inadmissíveis, vem sendo externada, como anteriormente enfatizado, por eminentes autores, cuja análise de tão significativas questões tem colocado em evidência, com absoluta correção, a necessidade de se atribuir verdadeiro estatuto de cidadania às uniões estáveis homoafetivas.”

Por sua vez, declara o Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial 820475-RJ, que “2. O entendimento assente nesta Corte, quanto a possibilidade jurídica do pedido, corresponde a inexistência de vedação explícita no ordenamento jurídico para o ajuizamento da demanda proposta. 3. A despeito da controvérsia em relação à matéria de fundo, o fato é que, para a hipótese em apreço, onde se pretende a declaração de união homoafetiva, não existe vedação legal para o prosseguimento do feito. 4. Os dispositivos legais limitam-se a estabelecer a possibilidade de união estável entre homem e mulher, dês que preencham as condições impostas pela lei, quais sejam, convivência pública, duradoura e contínua, sem, contudo, proibir a união entre dois homens ou duas mulheres. Poderia o legislador, caso desejasse, utilizar expressão restritiva, de modo a impedir que a união entre pessoas de idêntico sexo ficasse definitivamente excluída da abrangência legal. Contudo, assim não procedeu. 5. É possível, portanto, que o magistrado de primeiro grau entenda existir lacuna legislativa, uma vez que a matéria, conquanto derive de situação fática conhecida de todos, ainda não foi expressamente regulada. 6. Ao julgador é vedado eximir-se de prestar jurisdição sob o argumento de ausência de previsão legal. Admite-se, se for o caso, a integração mediante o uso da analogia, a fim de alcançar casos não expressamente contemplados, mas cuja essência coincida com outros tratados pelo legislador. 5. Recurso especial conhecido e provido.”

Da mesma forma, Maria Berenice Dias afirma “impositivo reconhecer a existência de um gênero de união estável que comporta mais de uma espécie: união estável heteroafetiva e união estável homoafetiva. Ambas merecem ser reconhecidas como entidade familiar. Havendo convivência duradoura, pública e contínua entre duas pessoas, estabelecida com o objetivo de constituição de família, mister reconhecer a existência de uma união estável. Independente do sexo dos parceiros, fazem jus à mesma proteção” (“União Homossexual: O Preconceito & a Justiça”, p. 71/83 e p. 85/99, 97, 3ª ed., 2006, Livraria do Advogado Editora).

Há ainda no Direito Internacional dos Direitos Humanos base normativa que permite a mesma interpretação.

Por fim, com os conhecimentos atuais da nossa civilização, com os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da igualdade, com a jurisprudência do STF e do STJ e com os juristas de vanguarda, difícil sustentar que a união homoafetiva seja proibida.

Sobre o(a) autor(a)
Carlos Eduardo Neves
Analista de Promotoria (Assistente Jurídico) do Ministério Público do Estado de São Paulo. Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Sorocaba (FADI). Foi estagiário, por 2 anos, na Defensoria Pública do Estado de São...
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