Mediação: um novo caminho para desafogar o Judiciário

Mediação: um novo caminho para desafogar o Judiciário

A mediação é um procedimento de solução de conflitos em que um terceiro neutro e imparcial auxilia as partes a conversar, refletir, entender o conflito e buscar, por elas próprias, a solução.

INTRODUÇÃO

A mediação é um procedimento de solução de conflitos em que um terceiro neutro e imparcial auxilia as partes a conversar, refletir, entender o conflito e buscar, por elas próprias, a solução.

O instituto da mediação vem sendo utilizado em diversas comarcas do país como meio de obter a conciliação entre as partes envolvidas em um conflito de interesses, desafogando, assim, o Poder Judiciário.

No entanto, a mediação não é uma simples conciliação entre pessoas em litígios, como já ocorre nas audiências de conciliação realizadas no decorrer de um processo; é mais que isso. A mediação pode ocorrer mesmo antes de iniciado o processo e seu poder coercitivo entre os envolvidos é muito maior que o poder das conciliações judiciais, uma vez que, na mediação, o consenso é obtido pelas próprias pessoas interessadas.

Tal instituto não tem previsão legal específica em nosso ordenamento jurídico, mas foi implementado em algumas comarcas como uma experiência.

O projeto piloto iniciou suas atividades nas comarcas de Serra Negra e de Patrocínio Paulista (cidades do interior de São Paulo). A experiência deu certo. Hoje, a mediação está começando a ser realizada em todo o Brasil.

No Estado de São Paulo, o instituto é regulamentado por duas resoluções do Conselho Superior da Magistratura: Resolução nº 893, de 10 de novembro de 2004, que autoriza a criação e instalação do Setor de Conciliação ou de Mediação nas Comarcas e Foros de todo o Estado e Resolução nº 953, de 09 de agosto de 2005, que regulamenta o processo de mediação. OBJETIVO DA MEDIAÇÃO

O objetivo maior da mediação é diminuir a morosidade do Judiciário, diminuindo o ajuizamento de novas ações. A morosidade é um grande problema da Justiça que atinge diretamente o seu destinatário final, ou seja, o jurisdicionado.

Pensando no consumidor final (jurisdicionado), os operadores do direito levantaram as seguintes indagações:

- Como modificar o atual sistema sem onerar o Judiciário?

- Como melhorar o atendimento ao jurisdicionado sem a necessária alteração legislativa (pois esta demanda tempo e boa vontade)?

Assim, pensou-se na mediação, que apesar de ser debatida e implementada recentemente, já existia em diversos países do mundo com grande êxito.

Dessa forma, o CEBEPEJ (Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas Judiciais), sob orientação do Dr. Kazuo Watanabe, realizou em estudo sobre mediação e elaborou um projeto de implementação no País.

Chamado para integrar as pesquisas, o Promotor de Justiça da Comarca de Serra Negra, Dr. Michel Betenjane Romano, iniciou a realização do projeto em sua Comarca, sendo seguido pelo juiz Dr. Fernando Gajardoni, que fez o mesmo na Comarca de Patrocínio Paulista.

Ressalta, contudo, Michel Betenjane Romano[1], que a mediação já era um instrumento à disposição do Ministério Público, por expressa autorização do art. 585, do Código de Processo Civil e do art. 57, da Lei 9.099/95, que assim prevêem:

Art. 585, CPC: São títulos executivos extrajudiciais: (...) II - a escritura pública ou outro documento público assinado pelo devedor; o documento particular assinado pelo devedor e por duas testemunhas; o instrumento de transação referendado pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública ou pelos advogados dos transatores”. (g.n.)

Art. 57, da Lei 9.099/95: “O acordo extrajudicial, de qualquer natureza ou valor, poderá ser homologado, no juízo competente, independentemente de termo, valendo a sentença como título executivo judicial.

Parágrafo único. Valerá como título extrajudicial o acordo celebrado pelas partes, por instrumento escrito, referendado pelo órgão competente do Ministério Público” (g.n.).

Ocorre que devido ao grande número de pessoas em conflito e o número reduzido de promotores de justiça, a conciliação entre as partes, que demanda tempo, nem sempre era possível nas comarcas.

Assim, surgiu a necessidade da realização da mediação de forma mais sistematiza e por meio de pessoas treinadas e qualificadas para esse determinado fim. PROJETO PILOTO DE SERRA NEGRA E PATROCÍNIO PAULISTA

Por meio dos estudos realizados no CEBEPJ, foi elaborado um projeto piloto para a concretização da mediação que se iniciou nas Comarcas de Serra Negra e Patrocínio Paulista.

O projeto foi dividido em duas fases: a fase pré-processual e a fase processual.

Pela fase processual, as partes apresentam-se perante o mediador e expõem o conflito (não há processo em andamento). O mediador, por sua vez, aclara a situação aos interessados, sem, contudo, fazer um juízo de mérito. Ele procura mostrar às partes quais os pontos controvertidos e todas as saídas possíveis. Porém, cabe às partes, e somente a elas, chegar a melhor solução possível, de forma que ambas saiam satisfeitas com o acordo obtido. Chegando ao acordo, este é reduzido a termo e levado ao Judiciário para homologação.

Na fase processual, há o ajuizamento de uma ação. Após a distribuição da petição inicial, os autos vão conclusos ao juiz, que, no seu despacho de recebimento, determina a citação da parte contrária encaminhando-a ao setor de mediação. Nesse setor, havendo acordo, o magistrado homologa o termo e o processo é extinto. Caso não haja transação, o processo segue seu curso normal.

Ambas as fases foram subdivididas em dois Circuitos: Circuito 1, que envolve questões de família e de infância e juventude; e Circuito 2, que abrange questões patrimoniais.

Verificou-se que o Circuito 1 obteve maior número de transações que o Circuito 2. Segundo os dados fornecidos pelo Promotor Michel Betenjane Romano[1], no Circuito 1, na fase pré-processual, houve: 59% de acordos, 16% de não acordos, 23% de mediações frustradas (as partes não compareceram) e 2% de acordos realizados fora do circuito. Já no Circuito 2, nessa mesma fase, houve: 22% de acordos, 16% de não acordos, 54% de mediações frustradas (as partes não compareceram) e 8% de acordos realizados fora do circuito.

O mesmo ocorreu na fase processual, vejamos:

- Circuito 1: 52% de acordos, 26% de não acordos, 21% de mediações frustradas (as partes não compareceram) e 1% de acordos realizados fora do circuito.

- Circuito 2: 38% de acordos, 35% de não acordos e 27% de mediações frustradas (as partes não compareceram).

De acordo com a Procuradora do Município de São Paulo e também mediadora, Juliana Demarchi[1], há uma explicação para a diferença no número de acordo entre os dois Circuitos.

Tendo em vista que o Circuito 1 abrange questões de família, as partes envolvidas comparecem ao setor de mediação com um histórico, discussões pendentes. Assim, a vontade de resolver a questão é maior, ainda porque, sempre há questões envolvendo filhos comuns, pendências emocionais etc.

Já no Circuito 2, o problema está na pessoa do devedor, que quase sempre não faz questão de pagar seu débito, ou prefere que o processo se prolongue, aumentando-se as chances de não pagamento. Nesse circuito, vigora a máxima popular: “Devo, não nego; pago quando puder”.

No entanto, apesar do número reduzido de acordos nesse último circuito em relação ao primeiro, observar-se que, retirando os casos de frustração de mediação e acordos fora do setor, o número de transações é bastante elevando, assim temos:

- Circuito 2 – fase pré-processual: 58% de acordos e 42% de não acordos.

- Circuito 2 – fase processual: 52% de acordos e 48% de não acordos.

O número de acordos significa redução de ajuizamento de ações e processos em andamento, de forma que, na comarca de Serra Negra, um processo leva, em média, hoje, 30 dias entre a distribuição e a sentença, prazo que era de mais de 3 meses antes da instalação do setor de mediação nessa cidade. CARACTERÍSTICAS DA MEDIAÇÃO

Tendo em vista que o papel do mediador não é impor uma solução ao conflito apresentado, mas ajudar as partes a resgatar a autonomia da vontade, fazendo com que as pessoas envolvidas encontrem, por si próprias, a adequada solução, o instituto da mediação é regulado pelos seguintes princípios: auto-composição, boa-fé, respeito, cooperação e sigilo.

Todos os princípios acima elencados têm o seu valor e sua importância quando o assunto é mediação. Porém, o princípio do sigilo talvez seja o grande propulsor das transações realizadas.

Diferentemente do que ocorre com as conciliações em juízo, a discussão e os argumentos dispostos no setor de mediação não são levados ao conhecimento do magistrado. Os acordos são obtidos de forma que ambas as partes saiam satisfeitas, sem levar-se em conta o direito material de cada uma delas, uma vez que o mediador não julga as partes, apenas se comporta como instrumento de obtenção de soluções, não averiguando quem tem ou não razão.

Por isso, o número de acordos obtidos no setor de mediação é superior aos obtidos em juízo, tendo em vista que perante o juiz, as partes se preocupam em fazer prevalecer seus direitos em frente à parte contrária, ainda que essa não seja a melhor conduta a ser tomada no caso. É por essa razão, também, que é mais eficaz o cumprimento dos acordos obtidos em mediação que os realizados em audiência, uma vez que a vontade na transação partiu das próprias partes.

Assim, o mediador pode ser um profissional de qualquer área do conhecimento. Pode ser um psicólogo, um médico, um advogado, um biólogo etc., devendo comportar-se apenas como mediador nas sessões de conciliação. O mediador deve ser pessoa com capacidade em mediação, devendo realizar cursos e treinamentos para esse fim. CONCLUSÃO

O instituto da mediação tem-se mostrado eficaz quando o assunto é o combate à morosidade do Judiciário, princípio constitucional trazido pela EC 45/04 (art. 5º, LXXVIII, CF: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”).

Também se tem mostrado como instrumento que melhor garante a satisfação das obrigações entre as partes envolvidas, uma vez que os acordos são obtidos com a convicção de que ele é a melhor solução ao caso.

Observa-se que quando há boa vontade e integração entre instituições respeitáveis, como o Ministério Público, Magistratura, Procuradorias Municipais, e a sociedade, sempre há um jeito, dentro da legalidade, para solucionar-se os problemas.

A morosidade do Poder Judiciário é um problema que afeta toda a população brasileira. Uma de suas razões pode ser atribuída à legislação antiga e muito burocrática, que atravanca os fóruns de todo país. A mediação mostrou-se que a sociedade é capaz de contornar certas situações, sem precisar da vontade e empenho de nossos parlamentares.

[1] Palestra realizada pela Escola Superior do Ministério Público, no salão nobre da Faculdade de Direito de Sorocaba – FADI, no dia 03 de agosto de 2006.

Sobre o(a) autor(a)
Lucas Tadeu Lourencette
Jurista, possui bacharelado em Ciências Jurídicas pela Universidade de Sorocaba (2007). Parceiro do DireitoNet desde 2006.
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