Estado de Polícia
Na guerra do crime, o policial deveria ter maior liberdade de ação contra os bandidos? É necessária a limitação jurídica na persecução penal? A lei está protegendo os bandidos?
Na guerra do crime, o policial deveria ter maior liberdade de ação contra os bandidos? É necessária a limitação jurídica na persecução penal? A lei está protegendo os bandidos? Enfim, por que não se permite que o policial use da sua experiência para agir em conformidade com aquilo que ele considera de interesse da sociedade? O capitão nascimento do consagrado filme Tropa de Elite (direção: José Padilha, 2007) é a solução para o dramático problema do crime?
No processo civilizatório ocidental, segundo Alexandre Groppali, foram construídos três tipos básicos de Estado: patrimonial, de polícia e de direito. Resumidamente, suas características principais são as seguintes: a) – Estado Patrimonial – o estado é considerado patrimônio pessoal do governante e o exercício ilimitado do poder decorre da propriedade da terra; b) – Estado de Polícia – o governante, embora não governando em nome próprio, mas em nome do Estado, exerce discricionariamente o poder, de conformidade com aquilo que ele considera de interesse do Estado e dos súditos; c) – Estado de Direito – o poder é rigorosamente disciplinado (limitado) por regras jurídicas.
A Constituição Federal de 1988 constituiu a República Federativa do Brasil como Estado de Direito. Logo, a persecução penal está rigorosamente disciplinada por regras jurídicas. Seus policiais não podem agir de conformidade com aquilo que considerem do interesse da sociedade. No Estado de Direito a persecução penal somente é possível na forma da lei, assegurada a dignidade da pessoa humana. Essa limitação ao poder punitivo não é uma proteção ao bandido, mas uma garantia ao cidadão; pois impede que nas atividades estatais a pessoa humana seja tratada como coisa, como meio para se atingir um objetivo.
Vale dizer, no filme Tropa de Elite, o capitão nascimento não pode trocar a Teoria do Estado de Direito pela sua teoria de que na polícia existem três categorias de policiais: os omissos, os corruptos e os que vão para a guerra. Essa teoria pessoal do capitão nascimento lembra aquela do Estado de Polícia, segundo a qual, o governante exerce discricionariamente o poder, de conformidade com aquilo que ele considera de interesse da sociedade. Essa teoria do exercício discricionário do poder tem dramáticos exemplos de populações inteiras submetidas aos diversos capitães nascimentos que existiram e ainda existem. A história é sempre a mesma. A legalidade do Estado de Direito é violada em nome da proteção da sociedade; depois, é a própria sociedade que é violada por inteiro, submetida a um regime de terror. Para o Estado de Direito, existe apenas uma categoria de policial: aquele que cumpre seu dever na forma da lei.
Assim, a única resposta juridicamente possível à questão proposta no início (Na guerra do crime, o policial deveria ter maior liberdade de ação contra os bandidos?) é um categórico não. Mas, seria desejável um Estado de Polícia? Também, não! O Estado de Polícia para não ser opressor necessitaria de policiais que não fossem humanos, ou seja, sábios infalíveis que no caso concreto conseguissem agir sempre com Justiça. Cada um deveria ter a sabedoria do Salomão bíblico, pois teriam o poder de cortar uma criança ao meio. Sabedoria e sorte de Salomão porque, se uma das mulheres não tivesse cedido ou se arrependido, a criança seria cortada ao meio e Salomão não passaria para a história como sábio, mas como carrasco!
Não, o Estado de Polícia é incompatível com o atual estágio do processo civilizatório brasileiro. Juridicamente, no Brasil, estão assegurados os direitos individuais fundamentais necessários para a construção de uma sociedade mais livre, igualitária e fraterna. Cabe ao profissional do direito lutar pela construção do Estado de Direito.