Breves apontamentos de Direito Material e Processual sobre a desconsideração da personalidade jurídica
A desconsideração da personalidade jurídica tem a finalidade de coibir o uso indevido da pessoa jurídica por parte dos sócios e dos administradores: coibição de práticas ilícitas, do abuso de direito e da fraude aos credores.
Como premissa necessária, o tema exige uma alusão ao artigo 20 do Código Civil de 1916: “As pessoas jurídicas têm existência distinta da dos seus membros”.
Este artigo não tem correspondente no atual Código Civil de 2002, mas encerra em seu conceito premissa básica ainda em vigor: necessidade de autonomia e independência entre a pessoa jurídica e os seus membros.
A desconsideração da personalidade jurídica surge, assim, com a finalidade de coibir o uso indevido da pessoa jurídica por parte dos sócios e dos administradores: coibição de práticas ilícitas, do abuso de direito e da fraude aos credores.
Houve maior preocupação com o tema a partir do século xix, nos Estados Unidos (Bank of United States vs Deveaux, 1809) e na Inglaterra (Salomon vs Salomon & CO, 1897).
O caso americano não tratou especificamente da desconsideração da personalidade jurídica, mas abordou o tema da pessoa jurídica levando-se em consideração as características individuais de cada sócio. O caso inglês é, na realidade, considerado o primeiro a abordar especificamente o tema da desconsideração da personalidade jurídica, onde, em primeira instância, se condenou o comerciante Aaron Salomon a honrar os débitos de sociedade por ele majoritariamente controlada. Mas, a decisão foi reformada pela Casa dos Lordes, a qual prestigiou a independência entre a pessoa jurídica e os seus sócios.
A Disregard Doctrine tem grande influência do jurista alemão Rolf Serick, autor da teoria denominada “durchgriff der juristichen personen” (penetração na pessoa jurídica). Segundo ele, as seguintes diretrizes devem ser observadas:
A) desconsidera-se a personalidade da pessoa jurídica quando esta for abusivamente manipulada para desonrar obrigações legais ou contratuais, lesando terceiros;
B) o princípio da independência da pessoa jurídica em relação aos seus sócios deve prevalecer, só devendo ser afastado nas situações acima descritas.
Para Rubens Requião a teoria da desconsideração da personalidade jurídica é aquela que permite ao magistrado desconsiderar a autonomia da pessoa jurídica em relação aos seus membros, sempre que ocorra no caso concreto fraude e abuso de direito (“Abuso de Direito e Fraude Através da Personalidade Jurídica”, São Paulo, RT, v. 410).
Para Gilberto Gomes Bruschi: “É fato inconteste que as sociedades têm personalidade jurídica distinta da de seus sócios. Entretanto, a partir do momento em que a personalidade jurídica é desvirtuada, para pôr cobro a situações antijurídicas praticadas pelos sócios ou acionistas, abusivamente, em prejuízo de terceiros, pode e deve ser desconsiderada sua personalidade jurídica, de forma a penetrá-la, responsabilizando os sócios que a compõem” (“Aspectos processuais da desconsideração da personalidade jurídica”, São Paulo, Saraiva, p. 31).
Qual é o efeito da desconsideração da personalidade jurídica?
Ineficácia no caso concreto da personalidade da pessoa jurídica. A desconsideração, sem afetar a existência e a validade da pessoa jurídica, apenas considera ineficaz, em determinado caso concreto, a autonomia e a independência da pessoa jurídica em relação aos seus membros.
Alguns processualistas, em razão desta característica, chamam atenção para a afinidade processual entre a figura da desconsideração da personalidade jurídica e a fraude à execução (artigo 593 do Código de Processo Civil – “CPC”), a qual também gera a ineficácia do ato fraudulento perante as ordens de constrição em determinada execução.
A fraude à execução não gera a anulação de determinado ato jurídico; apenas sua ineficácia.
Como é o tratamento da desconsideração da personalidade jurídica no Direito Comparado?
Nos Estados Unidos da América, há aplicações mais freqüentes, na jurisprudência, nos casos de abuso da personalidade jurídica, com manipulações marcadas por agressão:
A) ao contrato (ex: casos de concorrência desleal) – “Moore & Handley Hardware Co. vs. Towers Hardware Co.” e “Higgins vs. California Petroleum and Asphalt Co. et alli” (1905).
B) aos credores, em fraude – “Booth vs. Bunce” (1865) e “First National Bank of Chicago vs. F.C. Treiben Co.”
C) à independência entre empresas do grupo (ex.: caso de grupos econômicos que refletem pessoas jurídicas dependentes e que praticamente se identificam em uma só sociedade) – “Davis vs. Alexander” e “Ross vs. Pensylvania Railroad Co.”
Na Inglaterra, há previsão no:
A) Trading With the Enemy Act, 1929: Desconsideração da Personalidade Jurídica em época de guerra, com relação às empresas estrangeiras, ou controladas por estrangeiros.
B) Seção 332 do Companies Act, 1948: responsabiliza pessoalmente os membros da sociedade que realizam negócios, em nome da pessoa jurídica, com o objetivo de prejudicar credores.
Na França:
A) Artigos 99 e 101 da Lei n. 67-563, de 13 de julho de 1967: autoriza a desconsideração da personalidade jurídica, para atingir os bens dos sócios de empresa em falência ou em concordata, desde que configurado o abuso.
B) Jurisprudência: Admite, desde que comprovados confusão de patrimônio e confusão de personalidades (casos de simulação, aparência e interposição de pessoas).
E no Brasil? Como é tratado o tema?
Há grande influência da Doutrina e da Jurisprudência.
Instituto positivado no artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990), no artigo 18 da Lei nº 8.884/1994, no artigo 4º da Lei nº 9.605/1998 e no artigo 50 do Código Civil de 2002.
O artigo 50 do Código Civil segue a teoria clássica de Serick, exigindo-se a prova do abuso da personalidade jurídica para a aplicação do instituto, aplicação esta que não pode se dar de ofício:
“Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica”. (CC de 2002)
O artigo 50 do Código Civil reflete a teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica, exigindo-se, para sua incidência no caso concreto, a demonstração efetiva do desvio de finalidade, da confusão patrimonial; ou seja, do abuso da personalidade jurídica.
O artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor, bem como o artigo 4º da lei de proteção ao meio ambiente, por sua vez, avançam em relação à teoria clássica, denotando em seus termos a possibilidade de se desconsiderar a personalidade jurídica apenas com a prova da insolvência da empresa, somada com a existência de um dano efetivo ao consumidor e/ou ao meio ambiente.
Senão veja-se:
“Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.
§ 1° (Vetado).
§ 2° As sociedades integrantes dos grupos societários e as sociedades controladas, são subsidiariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste código.
§ 3° As sociedades consorciadas são solidariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste código.
§ 4° As sociedades coligadas só responderão por culpa.
§ 5° Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores”. (CDC)
“Art. 4º . Poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente”. (Lei n. 9.605 /1998)
É claro, notadamente quanto ao CDC, que o caput do artigo 28 apresenta alguns requisitos a mais para a aplicação do instituto em tela; todavia tais requisitos são mais amplos e elásticos que aqueles previstos no artigo 50 do Código Civil. No mais, o parágrafo quinto do mesmo artigo 28 praticamente torna inócuo o caput, revelando-se aí o campo de atuação daquela que se chama teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica.
E na esteira do caput do artigo 28 do CDC, segue o artigo 18 da Lei nº 8.884/1994:
“Art. 18. A personalidade jurídica do responsável por infração da ordem econômica poderá ser desconsiderada quando houver da parte deste abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração”. (Lei n. 8884 /1994)
No ordenamento pátrio ainda existem outras previsões no Código Tributário Nacional e na Consolidação das Leis do Trabalho, havendo dúvidas, todavia, quanto à sua genuína classificação como hipóteses de desconsideração da personalidade jurídica, principalmente porque melhor se encaixariam como situações de solidariedade entre sócios/administradores e a pessoa jurídica:
“Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos:
I - as pessoas referidas no artigo anterior;
II - os mandatários, prepostos e empregados;
III - os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado” (CTN).
“Art. 2º - Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.
§ 1º - Equiparam-se ao empregador, para os efeitos exclusivos da relação de emprego, os profissionais liberais, as instituições de beneficência, as associações recreativas ou outras instituições sem fins lucrativos, que admitirem trabalhadores como empregados.
§ 2º - Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica, serão, para os efeitos da relação de emprego, solidariamente responsáveis a empresa principal e cada uma das subordinadas”. (CLT).
Como se decreta a desconsideração da personalidade jurídica no processo de execução por quantia certa?
Há quem defenda que é necessária ampla dilação probatória para demonstrar a presença dos requisitos inerentes ao instituto, não se autorizando, em regra, sua aplicação de imediato no processo de execução ou na fase de cumprimento de sentença (Fábio Ulhoa Coelho, Ada Pellegrini Grinover, Sidnei Amendoeira Jr. e Fredie Didier Jr.). Para esta corrente, se faz necessário prévio processo de conhecimento, permitindo-se o necessário e amplo contraditório aos sócios e administradores que seriam afetados pela desconsideração. Para esta corrente, apenas a sentença pode chancelar a desconsideração.
Há quem defenda que a desconsideração pode ser aplicada de imediato no processo de execução ou na fase de cumprimento de sentença (Cândido Rangel Dinamarco, Gilberto Gomes Bruschi). Para esta corrente, a garantia do contraditório será diferida e poderá ser exercida através dos meios de defesa e recursos cabíveis. Para esta corrente, a decisão interlocutória, em fase de cumprimento de sentença ou em processo de execução, já é meio hábil para chancelar a desconsideração da personalidade jurídica.
Na segunda corrente, permite-se ao magistrado deferir a desconsideração da personalidade jurídica sem a necessidade de distribuição de um processo novo; mas, é claro, não lhe é permitido aplicar o instituto sem a necessária motivação e prova (ainda que indiciária) da existência dos requisitos que levam à desconsideração da personalidade jurídica. Cândido Rangel Dinamarco destaca que quando as provas não forem claras e conclusivas, necessitando-se de maior debate sobre sua extensão e seus efeitos, então ação própria deve ser manejada (in: “Fundamentos do Processo Civil Moderno”. São Paulo, Malheiros).
O que diz a jurisprudência?
No Superior Tribunal de Justiça há diversos precedentes recentes autorizando a desconsideração da personalidade jurídica nos próprios autos da execução.
“A desconsideração não é regra de responsabilidade civil, não depende de prova da culpa, deve ser reconhecida nos autos da execução, individual ou coletiva, e, por fim, atinge aqueles indivíduos que foram efetivamente beneficiados com o abuso da personalidade jurídica, sejam eles sócios ou meramente administradores” (REsp 1036398 / RS, Terceira Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, 16.12.2008).
“Por outro lado, esta Corte também sedimentou entendimento no sentido de ser possível a desconstituição da personalidade jurídica no bojo do processo de execução ou falimentar, independentemente de ação própria, o que afasta a alegação de que o recorrente é terceiro e não pode ser atingido pela execução, inexistindo vulneração ao art. 472, do CPC”. (REsp 1071643/DF, Quarta Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 02.04.2009).
“Esta Corte Superior tem decidido pela possibilidade da aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica nos próprios autos da ação de execução, sendo desnecessária a propositura de ação autônoma (RMS nº 16.274/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, DJ de 2.8.2004; AgRg no REsp nº 798.095/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, DJ de 1.8.2006; REsp nº 767.021/RJ, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, DJ de 12.9.2005)” (REsp 331478/RJ, Quarta Turma, Rel. Min. Jorge Scartezzini, 24.10.2006).
É verdade que também existem precedentes na linha oposta:
“EMBARGOS À EXECUÇÃO DE MULTA COMINATÓRIA. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA PARA ATINGIR EMPRESA QUE NÃO FOI PARTE NA AÇÃO ANTERIOR. IMPOSSIBILIDADE. Nula, a teor do artigo 472, CPC, a decisão que estende a coisa julgada a terceiro que não integrou a respectiva relação processual. A desconsideração da pessoa jurídica é medida excepcional que reclama o atendimento de pressupostos específicos relacionados com a fraude ou abuso de direito em prejuízo de terceiros, o que deve ser demonstrado sob o crivo do devido processo legal”. (REsp 347524 / SP, Quarta Turma, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, 18.02.2003).
O artigo 50 do Código Civil não autoriza que o magistrado decrete, de ofício, a desconsideração da personalidade jurídica. O pedido sempre deve partir da parte ou do Ministério Público (nos feitos em que este tenha que intervir).
Ainda quanto à possibilidade de se decretar a desconsideração da personalidade jurídica nos autos da execução, vale mencionar os termos do Projeto de Lei nº 3.401, de 24 de abril de 2008 (Deputado Federal Bruno Araújo): a) pelos termos do projeto, o pedido de desconsideração da personalidade jurídica deve ser apresentado em petição, a qual será processada na forma de incidente, podendo este ser instaurado na pendência de execução; b) antes de decidir, o juiz deve conceder aos sócios ou administradores da pessoa jurídica a possibilidade de se defenderem, no prazo de dez dias, sendo autorizada a produção de provas; c) é vedado ao juiz decretar de ofício a desconsideração da personalidade jurídica.
Ao que parece, esta também foi a inspiração do projeto de um novo Código de Processo Civil, em seus artigos 77 a 79:
O Projeto de Novo CPC:
CAPÍTULO II
DO INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA
→ Art. 77
“Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado na forma da lei, o juiz pode, em qualquer processo ou procedimento, decidir, a requerimento da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou dos sócios da pessoa jurídica ou aos bens de empresa do mesmo grupo econômico.
Parágrafo único. O incidente da desconsideração da personalidade jurídica:
I – pode ser suscitado nos casos de abuso de direito por parte do sócio;
II – é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e também na execução fundada em título executivo extrajudicial”.
Art. 78
“Requerida a desconsideração da personalidade jurídica, o sócio ou o terceiro e a pessoa jurídica serão citados para, no prazo comum de quinze dias, se manifestar e requerer as provas cabíveis”.
Art. 79
“Concluída a instrução, se necessária, o incidente será resolvido por decisão interlocutória impugnável por agravo de instrumento”.
E, de acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, quais são os requisitos necessários para a desconsideração da personalidade jurídica?
A esse respeito, inspirador é o julgado do Ministro Ari Pargendler, o qual inclusive bem diferencia a teoria menor da teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica:
“A teoria maior da desconsideração, regra geral no sistema jurídico brasileiro, não pode ser aplicada com a mera demonstração de estar a pessoa jurídica insolvente para o cumprimento de suas obrigações. Exige-se, aqui, para além da prova de insolvência, ou a demonstração de desvio de finalidade (teoria subjetiva da desconsideração), ou a demonstração de confusão patrimonial (teoria objetiva da desconsideração). A teoria menor da desconsideração, acolhida em nosso ordenamento jurídico excepcionalmente no Direito do Consumidor e no Direito Ambiental, incide com a mera prova de insolvência da pessoa jurídica para o pagamento de suas obrigações, independentemente da existência de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial. Para a teoria menor, o risco empresarial normal às atividades econômicas não pode ser suportado pelo terceiro que contratou com a pessoa jurídica, mas pelos sócios e/ou administradores desta, ainda que estes demonstrem conduta administrativa proba, isto é, mesmo que não exista qualquer prova capaz de identificar conduta culposa ou dolosa por parte dos sócios e/ou administradores da pessoa jurídica. A aplicação da teoria menor da desconsideração às relações de consumo está calcada na exegese autônoma do § 5º do art. 28, do CDC, porquanto a incidência desse dispositivo não se subordina à demonstração dos requisitos previstos no caput do artigo indicado,mas apenas à prova de causar, a mera existência da pessoa jurídica, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores” (REsp 279273 / SP, Rel. Min. Ari Pargendler, Terceira Turma, 04.12.2003).
Em regra, nos feitos meramente cíveis, não basta a prova da insolvência da sociedade (artigos 592, 596, 600, 652 e ss do CPC). Os demais requisitos do artigo 50 do Código Civil devem estar presentes (encerramento irregular das atividades, fraude contra credores, fraude à execução, confusão patrimonial, desvio de finalidade, dentre outros).
No Projeto de Lei nº 3.401/2008, há a expressa menção de que: (a) a mera insolvência da sociedade não autoriza a desconsideração da personalidade jurídica; e (b) antes de decretar a desconsideração, o juiz deve conceder prazo para que a sociedade pague, em dinheiro, o débito executado, ou indique os meios para que a obrigação possa ser assegurada.
E como a pessoa afetada pela desconsideração pode se defender?
A) Exceção de pré-executividade ou simples petição nos autos da execução - demonstração, sem grande necessidade de dilação probatória, que a desconsideração não teria cabimento no caso concreto. Exemplo do sócio ou administrador que já havia se retirado da sociedade quando da prática dos atos que culminaram na insolvência:
“O Agravante, na qualidade de terceiro prejudicado, tem legitimidade para postular em juízo a defesa de seus interesses. E certo que o caminho processual mais amplo, comum e usual que a lei lhe faculta seria a propositura de ação autônoma dos embargos de terceiro. Entretanto, considerados os princípios da instrumentalidade das formas e efetividade do processo, perfeitamente possível deduzir sua defesa mediante simples petição nos próprios autos da execução, ou mesmo utilizar-se do instituto da exceção de pré-executividade, desde que a demonstração de suas alegações possa ser feita sem necessidade de dilação probatória, mediante simples prova documental, exatamente a hipótese destes autos” (TJSP, AI 1164782-0/9, 30ª. Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Andrade Neto, 28.05.2008).
B) Embargos de terceiro – Corrente que entende que o afetado pela desconsideração é terceiro, de modo que pode manejar àquela ação especial. O mérito da ação reside na possibilidade da desconsideração da personalidade jurídica:
“Se na execução de título extrajudicial houve desconsideração da personalidade da pessoa jurídica com penhora em bem do sócio, este pode manejar embargos de terceiro para livrar-se da constrição judicial. E a lisura e legalidade do ato da desconsideração da personalidade jurídica há de constituir o tema de mérito dos embargos de terceiro” (TAPR, AI 0170872-9, 02ª. Câmara de Direito Privado, Rel. Juiz Cristo Pereira, 15.08.2001. No mesmo sentido: STJ, REsp 19633/SP, Terceira Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, 24.10.2005).
C) Embargos do devedor – Impugnação ao Cumprimento de Sentença - Corrente que entende que o afetado pela desconsideração é parte, de modo que deve manejar os meios de defesa próprios do devedor original:
“1. Havendo desconsideração da personalidade jurídica, os sócios passam a ser parte no processo de execução, pelo que se mostra cabível o oferecimento de embargos do devedor, e não de terceiros.” (STJ, AgRg no AgRg no Ag 656172 / SP, Quinta Turma, Rel. Min. Arnaldo Esteves de Lima, 14.04.2009).
D) Recurso contra a decisão que decretou a desconsideração da personalidade jurídica. Agravo de Instrumento. Jurisprudência admitindo que a pessoa atingida pela desconsideração pode agravar da decisão que determinou a afetação de seu patrimônio:
“O interesse para recorrer da decisão que defere o pedido de desconsideração da personalidade jurídica pertence aos sócios, pois o patrimônio atingido a eles pertence” (TJMG, AI 10024.95.091613-0/001, 10ª. Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Pereira da Silva, 12.09.2006).
É possível a desconsideração inversa, de modo a se afastar a autonomia patrimonial da pessoa jurídica, para responsabilizar a sociedade por obrigação do sócio?
Já se nota a existência de julgados, em diferentes Tribunais de Justiça, passando a admitir tal possibilidade:
“Presente a confusão patrimonial entre a executada e a empresa da qual é sócia, mostra-se possível a penhora de bem imóvel pertencente a esta, afastando-se o princípio da autonomia patrimonial da pessoa jurídica, para responsabilizar a sociedade por obrigação do sócio, em homenagem à desconsideração inversa da personalidade jurídica, especialmente porque também demonstrada a insolvência da devedora”. (TJPR, Ap 504.400-6, 15ª. Câmara Cível, Rel. Des. Hayton Lee Swain Filho, 06.08.2008; no mesmo sentido: TJMG, Ap. 1.0672.05.182169-8/001, Rel. Des. Alvimar de Àvila; TJSP, AI 1.193.103-0/00, Rel. Des. Pereira Calças).
É possível, além do artigo 50 do Código Civil, decretar a desconsideração da personalidade jurídica, para atingir pessoas do mesmo grupo econômico?
Também já se nota a existência de julgados passando a admitir tal possibilidade:
“Havendo gestão fraudulenta e pertencendo a pessoa jurídica devedora a grupo de sociedades sob o mesmo controle e com estrutura meramente formal, o que ocorre quando as diversas pessoas jurídicas do grupo exercem suas atividades sob unidade gerencial, laboral e patrimonial, é legitima a desconsideração da personalidade jurídica da devedora para que os efeitos da execução alcancem as demais sociedades do grupo e os bens do sócio majoritário.- Impedir a desconsideração da personalidade jurídica nesta hipótese implicaria prestigiar a fraude à lei ou contra credores” (STJ, REsp 332763 / SP, Terceira Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, 30.04.2002)
“A desconsideração da pessoa jurídica, mesmo no caso de grupo econômico, deve ser reconhecida em situações excepcionais, onde se visualiza a confusão de patrimônio, fraudes, abuso de direito e má-fé com prejuízo a credores. No caso sub judice, impedir a desconsideração da personalidade jurídica da agravante implicaria em possível fraude aos credores. Separação societária, de índole apenas formal, legitima a irradiação dos efeitos ao patrimônio da agravante com vistas a garantir a execução fiscal da empresa que se encontra sob o controle de mesmo grupo econômico” (STJ, REsp 767021/RJ, Primeira Turma, Rel. Min. José Delgado, 16.08.2005).
O sócio minoritário que não tinha poder de gerência pode ser atingido pela desconsideração?
Este é um importante tema, já objeto do artigo 6º do Projeto de Lei nº. 3.401/2008, o qual prevê que os efeitos da desconsideração não podem atingir o sócio ou o administrador que não tenham praticado ato abusivo da personalidade em detrimento dos credores e em proveito próprio. Nesta linha:
“Penhora on line. Incidência sobre numerário depositado em conta bancária da sócia minoritária da executada. Descabimento. Em princípio, é descabido o comprometimento do patrimônio do sócio minoritário, quando este não tem poderes de gerência” (TJSP, AI 7168111-7, 11ª. Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Renato Rangel Desinano, 10.10.2007; no mesmo sentido: TJSP, AI. 725.0399, Rel. Des. Cauduro Padin).