A compensação para a execução da multa penal

A compensação para a execução da multa penal

Examina a divergência existente entre a doutrina e jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça em relação à competência para a execução da multa penal, em virtude da alteração promovida no art. 51 do Código Penal.

1. INTRODUÇÃO

Dentre os vários tipos de pena passíveis de serem aplicadas, no âmbito penal estão elencadas no Código Penal, podendo possuir natureza de restrição à liberdade, restrição de direitos e de multa.

Em relação à pena de multa, há fundada discussão no campo doutrinário acerca da competência para sua execução, notadamente em decorrência da promulgação da Lei nº 9.268, de 1º de abril de 1996, que a considerou como dívida de valor.

Com isso, instalou-se divergência entre a doutrina e a jurisprudência agora sedimentada no campo do Superior Tribunal de Justiça. Nesse sentido, duas correntes foram criadas: a) uma, pena manutenção da competência do Juízo da execução penal; e b) outra, pela competência da correspondente Vara da Fazenda Pública.

Este trabalho se propõe, portanto, a examinar, sem pretensão de exaurir a matéria, a divergência existente entre a doutrina e o Superior Tribunal de Justiça acerca da competência para a execução da multa penal.

2. A MULTA PENAL E A COMPETÊNCIA PARA SUA EXECUÇÃO

O Sistema Penal vigente prevê a aplicação da sanção na forma de multa, de acordo com o que se extrai do art. 32, sendo a matéria detalhada nos arts. 49 a 52 daquele diploma legal.

Inspirada pela norma contida no art. 5º, inciso LXVII, da Constituição de 1988, que veda a prisão por dívida, a Lei nº 9.268/96 alterou a redação conferida ao art. 51 para afastar a possibilidade, anteriormente existente, de conversão da pena de multa em detenção, na hipótese de inadimplemento. O dispositivo foi assim redigido:

"Art. 51 - Transitada em julgado a sentença condenatória, a multa será considerada dívida de valor, aplicando-se-lhes as normas da legislação relativa à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e suspensivas da prescrição."

Imediatamente após a promulgação da citada lei, o Supremo Tribunal Federal teve a oportunidade de examinar a questão, momento em que fixou o entendimento de que "com a nova redação do art. 51 do Código Penal, a pena de multa não mais pode ser convertida em pena de detenção, passando a ser considerada dívida de valor e executada como dívida ativa da Fazenda Pública." (STF, HC 73758/SP. Julgamento em 14.05.1996).

A despeito de o texto legal expressamente indicar a aplicação das "normas da legislação relativa á dívida ativa da Fazenda Pública", iniciou-se discussão no âmbito doutrinário e jurisprudencial acerca do assunto no âmbito do Superior Tribunal de Justiça.

BITENCOURT (2002, p. 197), representante de uma primeira corrente, sustenta que "a competência para a execução da pena de multa - que não foi alterada pela Lei n. 9.268/96 - continua sendo do juiz das execuções criminais, e a legitimidade para a sua promoção continua sendo do Ministério Público correspondente".

Com base em raciocínio similar, colhe-se o posicionamento de GRECO (2010, p. 530):

"Apesar da força do raciocínio acima, entendemos que a multa, mesmo considerada dívida de valor pelo art. 51 do Código Penal, não perdeu sua natureza de sanção penal, e como tal deve ser tratada. O fato de a lei considerar a multa como dívida de valor tem a importância de ressaltar a sua natureza pecuniária, nada mais. Também não afeta a competência do juízo para sua cobrança a opção pelas normas relativas à Lei de Execução Fiscal, uma vez que, anteriormente, quando, hipoteticamente falando, a execução da pena de multa devida obedecer às disposições contidas no art. 194 da Lei de Execução Penal"

Para essa primeira corrente, portanto, o singelo fato de a lei fazer referência à utilização das normas relativas à execução fiscal não desnatura o caráter penal da sanção aplicada, de modo que a competência do juízo da execução penal seria mantido para a execução na hipótese de inadimplemento. Apenas não se poderia converter a pena inadimplida em sanção restritiva de direitos.

Já para PRADO (2010, p. 578), defensor de uma segunda corrente doutrinária, a alteração legislativa produziu efeitos em relação à competência para a execução desse tipo de sanção penal, no caso de inadimplemento:

"O juízo competente para a execução da multa é o da Vara da Fazenda Pública. Além disso, não se aplica o art. 4º, VI, da Lei de Execução Fiscal (responsabilidade dos sucessores), visto que violaria o princípio da personalidade da pena (5º, XLV, CF)."

A segunda corrente doutrinária fixa as bases dos argumentos justamente na alteração da natureza jurídica da pena, no caso de o condenado não efetuar o pagamento do débito no prazo estabelecido na sentença condenatória.

Em que pese o respeitável entendimento adotado pela primeira corrente, parece-nos que a natureza jurídica da pena, no caso de inadimplemento, transmuda-se para dívida de valor. Isso porque a alteração promovida pela Lei nº 9.268/96 dar novo tratamento ao tema, ao alterar a redação conferida ao art. 51 do Código Penal, afastou a possibilidade de conversão da pena de multa em detenção, no caso de inadimplemento.

No campo jurisprudencial, a questão parece ter sido superada no âmbito do Superior Tribunal de Justiça. Destaca-se, inicialmente, o entendimento anteriormente fixado pela sua Quinta Turma:

"RECURSO ESPECIAL. PENAL. EXECUÇÃO. PENA DE MULTA. NOTIFICAÇÃO PARA PAGAMENTO. JUÍZO DA EXECUÇÃO PENAL. COBRANÇA. INADIMPLEMENTO. FAZENDA PÚBLICA. ART. 51 DO CP, ALTERADO PELA LEI N.º 9.268/96.

1. A orientação da Terceira Seção desta Egrégia Corte firmou-se no sentido de que compete ao Juízo da Execução Penal determinar a intimação do condenado para realizar o pagamento da pena de multa, a teor do que dispõe o art. 50 do Código Penal; e, acaso ocorra o inadimplemento da referida obrigação, o fato deve ser comunicado à Fazenda Pública a fim de que ajuíze a execução fiscal no foro competente, de acordo com as normas da Lei n.º 6.830/80, porquanto, a Lei n.º 9.268/96, ao alterar a redação do art. 51 do Código Penal, afastou a titularidade do Ministério Público.

2. Recurso especial conhecido e provido." (REsp 459.750/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 24/06/2003, DJ 15/09/2003, p. 351)

Esse entendimento parece ter sido revisto posteriormente, considerando o novo entendimento sobre a matéria:

"RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL PENAL. EXECUÇÃO PENAL. MULTA. COMPETÊNCIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. INTERPRETAÇÃO DO ART. 51 DO CP, COM ALTERAÇÃO DADA PELA LEI 9.268/96.

Nos termos do art. 129, I, da Constituição Federal, cabe ao Ministério Público, enquanto titular da ação penal, promover a execução da pena de multa, perante o Juízo das Execuções Penais. Recurso desprovido." (REsp 699.286/SP, Rel. Ministro JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 08/11/2005, DJ 05/12/2005, p. 369)

A Sexta Turma daquela Corte, por sua vez, possui posicionamento considerando a competência da Fazenda Pública para a execução da pena, na hipótese de inadimplemento voluntário, conforme se extrai do seguinte precedente:

"AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO. PENA DE MULTA. COMPETÊNCIA. LEI Nº 9.268/96. ARTIGO 51 DO CÓDIGO PENAL.

Compete ao Juízo da Execução Penal determinar a intimação do condenado para realizar o pagamento da pena de multa (art. 50 do CP). Ausente o adimplemento da obrigação, deve a Fazenda Pública ajuizar a execução fiscal. Entendimento jurisprudencial desta Corte.

Agravo Regimental a que se nega provimento." (AgRg no REsp 397.242/SP, Rel. Ministro PAULO MEDINA, SEXTA TURMA, julgado em 07/06/2005, DJ 19/09/2005, p. 392)

Esse entendimento estabelecido pela Sexta Turma parece ter sido uniforme, não havendo alteração significativa com o tempo. Nesse sentido, tem-se, por exemplo, as conclusões atingidas nos REsp 286.884/SP (DJ 13.08.2001, p. 310) e REsp 286.791/SP (DJ 07.10.2002, p. 307) e, atualmente, o HC 101216/RS (DJe 02.08.2010).

A Terceira Seção, responsável pelo julgamento de causas penais (conforme o §3º, inciso I, do art. 9º do Regimento Interno do STJ), recentemente examinou a questão em sede de embargos de divergência. A decisão produzida teve sua ementa assim redigida:

"Pena de multa (condenação). Execução (legitimidade).

1. De acordo com o entendimento da Corte Especial e da Terceira Seção, é da Fazenda Pública a legitimidade para promover a execução de pena de multa imposta em sentença penal condenatória, e não do Ministério Público.

2. Embargos de divergência conhecidos e recebidos." (EREsp 699.286/SP, Rel. Ministro NILSON NAVES, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 10/02/2010, DJe 13/05/2010)

O entendimento se harmoniza com os postulados do pós positivismo, uma vez que, sendo caracterizada a pena como dívida de valor, não mais se justifica a imputação de pena restritiva de liberdade, como aliás, restou expressamente consignado na nova redação ao art. 51 do Código Penal. A pena, sendo agora mera dívida, afastou, ainda que de forma implícita a competência para a sua execução na hipótese de inadimplemento, recaindo sobre os ombros da fazenda pública correspondente a obrigação em relação à recuperação do crédito.

3. CONCLUSÕES

A despeito da alteração promovida no art. 51 do Código Penal pela Lei nº 9.268/96, ainda persiste no âmbito doutrinário e jurisprudencial discussão acerca da competência para a execução de multa penal.

Nesse sentido, há duas correntes doutrinárias sobre o tema. Uma, sustentando o caráter penal da sanção com a correspondente competência do juízo da execução penal e outra que defende o caráter extra penal da sanção, circunstância que provocaria a competência do juízo da execução fiscal, cujo julgamento ficaria a cargo da fazenda pública correspondente.

Entendemos que a segunda corrente é a que mais se ajusta aos postulados do pós-positivismo, uma vez que ao impedir a conversão da pena de multa em detenção, induvidosamente afastou, ainda que de forma implícita, a competência para a execução da multa penal, no caso de inadimplemento.

Assim, fixada a multa e superado o prazo estabelecido para pagamento, os autos devem ser encaminhados à Procuradoria da Fazenda Pública correspondente, a fim de que o débito seja alvo da respectiva ação de execução fiscal.

Espera-se que a divergência seja superada em breve, unificando-se os entendimentos e favorecendo a rápida solução do litígio, afastando-se a condenável prática de apresentação de manifestações protelatórias.

4. REFERÊNCIAS

1. BRASIL. Constituição da República de 1988. Diário Oficial, 05.10.1988.

2. ______. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus. HC 73758/SP. Relator Min. Néri da Silveira. Segunda Turma, julgado em 14.05.1996. Diário de Justiça, 14.05.1996, p. 26.

3. ______. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial. REsp 459.750/SP, Relatora Min. Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 24/06/2003, Diário de Justiça, 15/09/2003, p. 351.

4. ______. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial REsp 699.286/SP, Relator Min. José Arnaldo da Fonseca. Quinta Turma, julgado em 08/11/2005, Diário de Justiça, 05/12/2005, p. 369.

5. ______ Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental em Recurso Especial AgRg no REsp 397.242/SP, Rel. Min. Paulo Medina, Sexta Turma, julgado em 07/06/2005, DJ 19/09/2005, p. 392.

6. ______.Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial. REsp 286.884/SP. Relator Min. Hamilton Carvalhido. Diário de Justiça, 13.08.2001, p. 310

7. ______ Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial. REsp 286.791/SP. Relator Min. Vicente Leal. Diário de Justiça, 07.10.2002, p. 307.

8. ______ Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus. HC 101216/RS. Relatora Min. Maria Thereza de Assis Moura. Diário de Justiça Eletrônico, 02.08.2010

9. ______ Superior Tribunal de Justiça. Embargos de Divergência em Recurso Especial. EREsp 699.286/SP, Relator Ministro Nilson Naves, Terceira Seção, julgado em 10/02/2010, DJe 13/05/2010.

10. BITENCOURT, Cezar Roberto. Código penal comentado. São Paulo: Saraiva, 2002.

11. GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. Parte geral. 12ª ed. Niterói/RJ: Impetus, 2010.

12. PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. Volume 1. 9ª ed. São Paulo: revista dos Tribunais, 2010.

Sobre o(a) autor(a)
Adrian Soares Amorim de Freitas
Servidor Público Federal. Formado em Engenharia Elétrica pela UFRN em 1992. Formado em Engenharia Civil pela UFRN em 1996. Bacharel em Direito pela UFRN em 2002. Especialista em Telecomunicações pela UFCG. Especialista em...
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