Direito real de habitação na união estável

Direito real de habitação na união estável

A lei nº 9.278/96, no § ú. do art 7º prevê o direito real de habitação ao companheiro sobrevivente. Contudo, a lei nº 10.046/2002, que instituiu o Novo Código Civil atribuiu o direito real de moradia somente somente ao cônjuge, sem mencionar o convivente, gerando grande discussão doutrinária.

1. INTRODUÇÃO

A lei nº 9.278 de 10 de maio de 1996, no parágrafo único do artigo 7º prevê o direito real de habitação ao companheiro sobrevivente, enquanto vivo e não constituir nova união estável ou contrair casamento. Contudo, a lei nº 10.046/2002, que instituiu o Novo Código Civil, em que pese ter inovado quando do tratamento por completo do direito de sucessão na união estável, atribuiu o direito real de moradia no art. 1.831 somente ao cônjuge, sem mencionar o convivente, gerando grande discussão doutrinária.

Entretanto, considerar revogada a lei anterior pela simples omissão do legislador civilista traria conseqüências contrárias ao objetivo assistencial da criação do instituto, qual seria impedir, em um momento já difícil pela perda, que o sobrevivente sofra com a falta de moradia.

Nesse breve estudo, pretende-se analisar o instituto e sua aplicação conforme a lei vigente.

2. CONCEITO DE DIREITO REAL DE HABITAÇÃO

O direito real de habitação é o direito que tem o cônjuge supérstite, de permanecer residindo na morada do casal após o falecimento de seu consorte, independente do regime de bens de seu casamento, desde que, aquele imóvel que era usado pelo casal como moradia seja o único bem de natureza residencial a ser inventariado. Não existem limitações quanto ao tempo de durabilidade deste direito, sendo assim, mantido pelo cônjuge sobrevivente de maneira vitalícia.

Não é um direito exercido de maneira automática. O direito real de habitação não pode ser presumido ou tácito, bem como não o pode ser sua renúncia. Ele deve ser requerido pelo detentor do direito, preferencialmente, durante o processo de inventário, mas nada impede que ele o faça após o término deste, desde que, tempestivamente.

Por se tratar de um direito real sobre coisa alheia, após ser concedido judicialmente, ele deve constar expressamente junto à matrícula do imóvel. Obedecendo ao Princípio da Saisine, após estabelecido, o direito real de habitação retroage ao momento da morte do autor da herança, de tal forma que, desde a abertura da sucessão, o cônjuge titular do direito à habitação já o detém, mesmo que não tenha exercido. Portanto, ainda que não haja requerimento expresso, desde que esteja a tempo de fazê-lo, poderá o titular do direito real opor o seu direito contra terceiros ou, até mesmo, contra os herdeiros e interessados no inventário e na partilha dos bens.

Ressalta-se o fato de que direito ora tratado é de moradia e não de usufruto, portanto, o cônjuge só poderá continuar a morar no imóvel, mas não pode, a qualquer título, transferir sua posse direta, seja de maneira onerosa, seja de maneira gratuita. Contudo, não há ressalvas sobre a exclusividade de moradia do cônjuge, podendo, então naquele imóvel residir com parentes, filhos ou até, com um novo cônjuge, posto que o novo Código Civil, ao contrário do que determinava o antigo, não exige que se mantenha o estado de viuvez para o exercício do direito real de habitação.

Outra diferença entre o novo Código Civil e anterior é que, agora, tal direito é garantido, independentemente de regime de bens do casamento. Antes, só se destinava ao cônjuge casado sobre regime de comunhão universal de bens.

Aplica-se o instituto tanto em sucessão legítima, quanto na testamentária. O único requisito legal para que se conceda o direito real de habitação é a existência de um único imóvel a ser inventariado de natureza residencial. Não se confunda com a necessidade de existir apenas um imóvel. Por exemplo, caso exista um imóvel onde o casal residia e uma casa utilizada para férias de veraneio, o direito real de habitação do consorte supérstite persiste sobre o imóvel em que o casal, realmente, residia, sendo o outro imóvel partilhado entre os herdeiros.

Em contrapartida, se, o casal possuísse um único bem imóvel, porém, residissem em imóvel diverso que fosse alugado, por exemplo, não haverá direito real de habitação sobre este imóvel, posto que, não era habitado pelo cônjuge sobrevivente. Do mesmo modo se existir na herança mais de um imóvel residencial, mesmo que um seja usado para moradia do casal e o outro, seja utilizado em locação residencial, não haverá direito à habitação, devem ser ambos imóveis partilhados. Saliente-se que tal exigência pode excluir a garantia ao cônjuge sobrevivente à moradia, deixando de atender assim, o intuito da criação de tal instituto: impedir que os demais herdeiros deixem o cônjuge sobrevivente sem moradia.

Outrossim, nada impede o cônjuge sobrevivente de exercer o mesmo direito mesmo que seja proprietário de outro imóvel de natureza residencial, desde que o seja de modo exclusivo, ou seja, não integra a herança a ser partilhada.

Quanto ao valor do bem, não há limite previsto sobre o qual será exercido o direito real de habitação. Diante disso, não poderão ser levantadas hipóteses de que o cônjuge não necessitará daquele imóvel por ser muito grande ou de valor muito alto. Não será da alçada de decisão dos demais herdeiros determinar quais as condições de habitação do cônjuge supérstite.

3. DIREITO REAL DE HABITAÇÃO NA UNIÃO ESTÁVEL

Questão controversa surge quando se trata do direito de habitação ao companheiro na união estável, haja vista o que se segue:

A Constituição Federal, em seu artigo 226, §3º reconhece a união estável como entidade familiar para efeitos de proteção do Estado.

A lei nº 9.278 de 10 de maio de 1996, no parágrafo único do artigo 7º prevê o direito real de habitação ao companheiro sobrevivente, enquanto vivo e não constituir nova união estável ou contrair casamento. Contudo, a lei nº 10.046/2002, que instituiu o Novo Código Civil, em que pese ter inovado quando do tratamento por completo do direito de sucessão na união estável, atribuiu o direito real de moradia no art. 1.831 somente ao cônjuge, sem mencionar o convivente.

“Art. 1.831. Ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar.”

O doutrinador Silvio Rodrigues explica a celeuma surgida de maneira clara:

[...] o direito real de habitação, relativamente ao imóvel destinado à residência da família, foi previsto em lei especial (Lei n. 9.278/96, art. 7º, parágrafo único), e como esse benefício não é incompatível com qualquer artigo do novo Código Civil, uma corrente poderá argumentar que ele não foi revogado, e subsiste. Em contrapartida, poderá surgir opinião afirmando que o aludido art. 7º, parágrafo único, da Lei n. 9.278/96 foi revogado pelo Código Civil, por ter este, no art. 1790, regulado inteiramente a sucessão entre companheiros, e, portanto, não houve omissão quanto ao aludido direito real de habitação, mas silêncio eloqüente do legislador.

A tese de que o direito de moradia não se aplica a companheiro sobrevivente encontra suporte de grandes nomes do direito brasileiro como Francisco José Cahali e Zeno Veloso, qual posiciona:

“...não posso deixar de afirmar que o novo Código Civil não conferiu e nem admite que se confira direito real de habitação ao companheiro. Não há que se falar em sobrevivência do art. 7º, parágrafo único, da Lei 9.278, nem, muito menos, das normas da Lei 8.271/94. O novo Código regulou inteiramente a matéria relativa à sucessão entre companheiros, não deixando margem para qualquer dúvida ou entredúvida. Não houve revogação expressa, é verdade! Mas a revogação expressa não é a única forma de revogação que existe. Por ter regulado inteiramente o assunto, o Código Civil revogou tacitamente – e inexoravelmente – as duas aludidas leis, que tratavam da sucessão entre companheiros.”

Em contrapartida, outra parcela, muito maior, entende que o Código Civil não revogou a o art. 7º da Lei 9.278, permanecendo ele vigente e concedendo direito de habitação ao companheiro supérstite, ou ainda, entende que deve ser aplicada a analogia ao casamento para evitar injustiças contra conviventes.

Nesse sentido, vem decidindo os Tribunais, principalmente do Rio Grande do Sul e Minas Gerais:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO REAL DE HABITAÇÃO À COMPANHEIRA SOBREVIVENTE. RECONHECIMENTO. Apesar de o Código Civil não ter conferido expressamente o direito real de habitação àqueles que viveram em união estável, tal direito subsiste no ordenamento jurídico em razão do parágrafo único do art. 7º da Lei 9.278/96. Inexiste incompatibilidade entre essa Lei e o Código Civil em vigor. A equiparação entre união estável e casamento foi levada a efeito pela Constituição Federal. Caso em que se reconhece o direito real de habitação à companheira, considerando a verossimilhança na alegação de que ela conviveu com o de cujus por mais de 20 anos, pelo fato dela atualmente estar morando de favor e por ser o imóvel que serviu de morada ao casal o único dessa espécie a inventariar. AGRAVO PROVIDO. EM MONOCRÁTICA. (TJ/RS – 8ª C. Cív., Ag. Inst. nº 70019892595, Rel. Des. Rui Portanova, julg. 29.05.2007)

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ORDINÁRIA. DIREITO REAL DE HABITAÇÃO À COMPANHEIRA SOBREVIVENTE. O direito real de habitação está calcado nos princípios da solidariedade e da mútua assistência, característicos da união estável. Apesar de o Código Civil não ter conferido expressamente o direito real de habitação àqueles que viveram em união estável, tal direito subsiste no ordenamento jurídico em razão do parágrafo único do art. 7º da Lei 9.278/96. Inexiste incompatibilidade entre as duas legislações. Equiparação entre união estável e casamento levada a efeito pela Constituição Federal. NEGARAM PROVIMENTO.
(TJ/RS – 8ª C. Cív., Ap. Cív. nº 70018291468, Rel. Des. Rui Portanova, julg. 01.03.2007)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL. RECONHECIMENTO DE DIREITO REAL DE HABITAÇÃO. TUTELA ANTECIPADA. REQUISITOS PRESENTES. Sendo verossímil a alegação de existência de união estável entre a requerente e o falecido, proprietário de imóvel a ser inventariado, e diante do risco de dano irreparável e de difícil reparação ao direito de moradia da companheira sobrevivente, impõe-se o deferimento de tutela antecipada para assegurar-lhe, provisoriamente, o direito real de habitação. Recurso conhecido e provido.
(TJ/MG – 3ª C. Cív., Ag. Inst. nº 1.0145.06.339966-4/001, Rel. Desª. Albergaria Costa, julg. 19.07.2007)

EXTINÇÃO DE CONDOMÍNIO - BEM IMÓVEL UTILIZADO PELA COMPANHEIRA SOBREVIVENTE - RESIDÊNCIA DA FAMÍLIA - DIREITO DE REAL DE HABITAÇÃO. - Independente da contribuição para a aquisição do imóvel, é assegurado pelo novo Código Civil ao cônjuge sobrevivente o direito real de habitação relativo ao único imóvel destinado à residência da família, regra que é estendida à companheira, sob pena de se incorrer em inconstitucionalidade, até porque o Código vigente não revogou a Lei nº 9.278/96, que também assegura o direito real de habitação quando do falecimento de um dos conviventes da união estável.
(TJ/MG – 11ª C. Cív., Ap. Cív. nº 1.0441.05.001560-7/001, Rel. Des. Duarte de Paula, julg. 02.08.2006)

4. CONCLUSÃO

Diante do exposto acima, podemos concluir que, como instituto social e assistencial, que deve ser, o direito real de moradia é estendido ao companheiro supérstite, não por analogia, mas porque o novo Código Civil se omitiu de tratar sobre o assunto, posto que já existia dispositivo que tratava sobre o assunto: a Lei nº 9.278/96.

Permanecendo tal dispositivo vigente, o companheiro que sobrevive faz jus, diferentemente do cônjuge, ao direito de moradia apenas enquanto não contrair casamento ou nova união estável, respeitando assim os direitos dos outros herdeiros.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

CAHALI, Francisco José; HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Curso Avançado de Direito Civil, 2ª edição rev. e atual. Coordenador Everaldo Cambler. São Paulo: RT, 2003, 6 v.: direito das sucessões.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito das sucessões. Atualizada de acordo com o Novo Código Civil (Lei nº 10.406, de 10-01-2002). 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

RIBEIRO, Alex Sandro. A Sucessão na união Estável em Face ao Novo Código Civil. Disponível em: < http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2952>. Acesso em 20.08.2010 às 17h

RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. Direito das sucessões. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. v. 7.

SCHOLG, Adriana Ezpezim. Direito Real de Habitação do Companheiro Sobrevivente. Disponível em: <http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/3562/Direito-real-de-habitacao-do-companheiro-sobrevivente> Acesso em 20.08.10, às 17h.

VELOSO, Zeno. Direito Real de Habitação na União Estável. In DELGADO, Mário Luiz; ALVES, Jones Figueiredo (Coord.). uestões Controvertidas no Novo Código Civil. São Paulo: Método, 2006.

Sobre o(a) autor(a)
Daniella Ribeiro de Andrade Rosas
Daniella Ribeiro de Andrade Rosas é funcionária pública estadual e acadêmica de Direito cursando a sétima etapa na Universidade de Ribeirão Preto
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