Contrato de locação em Shopping Center
As particularidades deste tipo de contrato e a futura regulamentação pelo Projeto de Lei 7.137/2002.
1. ORIGEM E CONCEITO
A origem do Shopping Center é remota, vem desde a Idade Média, do surgimento das cidades e do desenvolvimento do comércio, quando artesãos se juntavam beneficiando a todos pela facilidade de acesso. Ocorria também nas cidades antigas dos profissionais se unirem em ruas, formando a rua dos ferreiros, dos padeiros, dos latoreiros, etc.
O surgimento do modelo de Shopping Center como conhecemos hoje, diverge se foi nos EUA ou no Canadá. Porém, condições econômicas peculiares, fizeram com que surgisse nos EUA nos anos 40 os primeiros Centros Comerciais nas áreas de Nova York e Nova Orleans. Sendo que, a expansão da indústria automobilística trouxe a necessidade de se oferecer estacionamento aos clientes, inclusive em alguns estados americanos por força de lei.
No Canadá, os primeiros Shopping Centers, surgiram na década de 50, em modelos muito parecidos com os centro comerciais que temos hoje e tiveram também influência da indústria automobilística no que se refere ao oferecimento de vagas de estacionamento. Em ambos os países, o fato de terem invernos rigorosos, ajudou e muito na expansão deste negócio, pois trouxe às pessoas a possibilidade de num único lugar encontrar compras, alimentação, lazer e área de convivência social.
No Brasil, o primeiro Shopping foi o Iguatemi Bahia que surgiu há mais de 40 anos, e, segundo a Abrasce, em 2005, o Brasil já contava com mais de 250 Shopping Centers.
2. DEFINIÇÃO
A Associação Brasileira de Shopping Centers (ABRASCE) define-o como sendo:
"Empreendimento constituído por um conjunto planejado de lojas, operando de forma integrada, sob administração única e centralizada; composto de lojas destinadas à exploração de ramos diversificados ou especializados de comércio e prestação de serviços; estejam os locatários lojistas sujeitos a normas contratuais padronizadas, além de ficar estabelecido nos contratos de locação da maioria das lojas cláusula prevendo aluguel variável de acordo com o faturamento mensal dos lojistas; possua lojas-âncora, ou características estruturais e mercadológicas especiais, que funcionem como força de atração e assegurem ao Shopping Center a permanente afluência e trânsito de consumidores essenciais ao bom desempenho do empreendimento; ofereça estacionamento compatível com a área de lojas e correspondente afluência de veículos ao Shopping Center; esteja sob o controle acionário e administrativo de pessoas ou grupos de comprovada idoneidade e reconhecida capacidade empresarial."
Nagib Slaibi Filho define Shopping Center como:
"Grupo de estabelecimentos comerciais unificados arquitetonicamente e construídos em terreno planejado e desenvolvido. O Shopping Center deverá ser administrado como uma unidade operacional, sendo o tamanho e o tipo de lojas existentes relacionados diretamente com a área de influência comercial a que esta unidade serve. O Shopping Center também deverá oferecer estacionamento compatível com todas as lojas existentes no projeto".
3. O CONTRATO DE LOCAÇÃO EM SHOPPING CENTER
O objeto principal do Shopping Center é o empreendedor que por seu trabalho de criar um “mix”, criar um marketing atraente e formar um pólo atrativo de riquezas recebe do lojista um percentual sobre o faturamento que ultrapassar o mínimo estipulado. Isto porque, teoricamente caso o lojista ultrapasse este mínimo significa que o empreendedor teve êxito em seu propósito. O que não quer dizer que não atingindo o mínimo fica desobrigado de qualquer valor.
Porém, este é um tema bastante polêmico ainda em nosso país, isto por não existir regras específicas em nosso ordenamento, na Lei 8.245/91, a chamada lei de locações. Desta forma, se recorre às normas gerais do Código Civil de 2002 e ainda ao Código de Defesa do Consumidor- Lei 8.078/90. Sendo que, tramita na Câmara e está em discussão o Projeto de Lei 7.137/2002 que a exemplo de países como os Estados Unidos, objetiva suprir essas lacunas sendo mais específico em um negócio jurídico com tantas peculiaridades.
O contrato de locação em Shopping Center é chamado locação atípica, isto é , negócio jurídico complexo que não pode ser enquadrado como simples locação comercial, pois existem particularidades que só a ele competem. Particularidades estas que pela lacuna deixada pelo legislador, acabam muitas vezes sendo por demais onerosas ao lojista, se tornando muitas vezes também, abusivas.
3.1. LUVAS
Uma das atipicidades é a cobrança de "luvas", que nos referidos contratos possui a denominação de “res sperata” (a coisa esperada) tendo como argumento que o fundo de comércio de um Shopping Center é de propriedade do empreendedor. Melhor explicando, o fundo de comércio de um Shopping Center se sobrepõe ao fundo de comércio do lojista.
Numa locação comum, a exemplo de uma locação comercial de uma loja de rua, o proprietário do imóvel não tem qualquer tipo de participação no sucesso ou fracasso da atividade comercial desenvolvida pelo locatário em seu imóvel. Após três anos, segundo legislação vigente, o locatário passa a ter direito ao fundo de comércio. Caso o proprietário queira o imóvel de volta, antes do término do contrato, este deverá, a priori, indenizar o locatário deste valor.
Um outro argumento, é que o marketing utilizado pelo empreendedor se sobrepõe ao do lojista, uma vez que sua loja não é a única atração mas o empreendimento como um todo, sendo do interesse do empreendedor aumentar a clientela dos lojistas, já que do sucesso empresarial destes, viria o seu sucesso como conseqüência.
Há também a visão de que a “res sperata” é devida ao o empreendedor, pois este fará uma série de interferências administrativas, de marketing e demais investimentos necessários que garantirão o sucesso do lojista, portanto, por essa "garantia de sucesso" a “res sperata” deverá ser paga pelo lojista ao empreendedor.
Porém, estes argumentos não podem ser considerados de todo corretos, pois se pensarmos que sempre que um lojista vai mal, não conseguindo arcar com os custos de seu negócio e precisa rescindir o contrato de locação no Shopping, outro lojista virá, pagando novas “res sperata” ao empreendedor, nem sempre o sucesso do lojista é a melhor opção ao empreendedor.
Nesse contrato encontramos outras figuras atípicas, sem previsão legal, que são: aluguel percentual, aluguel mínimo, aluguel em dobro nos meses de dezembro, aluguel escalonado.
3.2. ALUGUEL PERCENTUAL
O aluguel percentual é o que caracteriza o empreendimento Shopping Center e assim como a “res sperata”, seria justa sua cobrança, uma vez que segundo os defensores desta prática seria uma forma justa de remuneração e atração para o lojista/parceiro no empreendimento. Pois, como já citado, se o empreendimento fizer bem seu trabalho de marketing, tenant mix, etc. isto trará mais clientes ao shopping, aumentando as vendas do lojistas. Seria algo, como ganho em cadeia. Em geral essa quantia é calculada com base no faturamento bruto do lojista. Varia de 4% à 12% dependendo do que for acordado, embora se saiba que as lojas âncoras têm um percentual bem menor em comparação às lojas satélites ou magnéticas.
Para Rubens Requião, este sistema de aluguel é a grande peculiaridade do Shopping Center:
“ Como se percebe, o sistema de locação substitutivo do aluguel mínimo e do aluguel percentual sobre a renda bruta constitui um sistema integrado na organização do centro comercial. O aluguel programado no planejamento deste não se determina, vale insistir, pelos parâmetros tradicionais das leis civis, mas constitui elemento integrante da organização tecnológica moderna destes centros comerciais. E tanto isso é verdade que entre os mecanismos peculiares desse tipo de empreendimento figura como ponto dos mais relevantes a estipulação de aluguel em bases percentuais, garantido por um aluguel mínimo. Esse é, antes de tudo, um dos requisitos fundamentais para a associação brasileira de Shopping Centers- ABRASCE reconhecer e admitir no seu âmbito associativo, um centro comercial.”
Essa combinação de alugueis não é proibida em nosso ordenamento, apenas é necessário que o aluguel seja determinável. Art. 17 da Lei 8.245/91.
“ É livre a convenção do aluguel, vedada a sua estipulação em moeda estrangeira e sua vinculação à variação cambial ou ao salário mínimo.”
Segundo Maria Helena Diniz:
“ O aluguel deverá ser certo e determinado ou pelo menos determinável, podendo, algumas vezes, revestir-se de cunho mais ou menos aleatório, como por exemplo se estipular que o locador receberá 50% da arrecadação.”
3.3. ALUGUEL EM DOBRO NO MÊS DE DEZEMBRO
No mês de dezembro, devido aos investimentos feitos em marketing por parte do empreendedor e pelo forte argumento de vendas trazido pelo próprio mês em função do natal, o aluguel percentual seria cobrado em dobro.
Há também os contratos mínimos em dobro, tendo como justificativa de sua existência além dos apelos natalinos, que por si só já aumentam as vendas e do marketing efetuado pelo empreendedor, evitar que o lojista sonegue o aluguel percentual. Pois se estabelecendo um mínimo se estaria obrigando o lojista a pagar um determinado valor, mesmo que o lojista argumente que as vendas não cresceram no mês de dezembro como o esperado. Porém, na prática, sabemos que os Shopping Centers possuem maneiras de auditarem as vendas dos lojistas, para garantir que seu percentual seja pago conforme o acordado.
3.4. ALUGUEL ESCALONADO
O aluguel mínimo é semelhante ao aluguel de uma loja em calçada por exemplo.A diferença está em seu prazo de reajuste, quando se aplica o aumento escala. O empreendedor procura legitimar o aumento escala, argumentando que o shopping, bem como o negócio do lojista, tem uma curva de crescimento, portanto tal aumento é justificável, pois no futuro o faturamento seria maior.
A liberdade de contratar previsto no Art. 17 da Lei n. 8.245/91, refere-se apenas ao início do contrato, sendo desta forma, portanto, o escalonamento do aluguel ou aluguel progressivo contrário as leis vigentes. Pois, na maioria das vezes, este escalonamento possui prazo menor que um ano.
Em alguns casos o próprio aumento progressivo do aluguel torna inviável a permanência do lojista no Shopping Center, uma vez que suas vendas nem sempre crescem com a escala do aluguel. Nem sempre é fácil para o lojista passar “o ponto”. Pois muitas vezes quando o lojista consegue outro que queira ficar com a loja, o empreendedor invoca o princípio que os contratos são personalíssimos e que a sua cessão deve passar por sua anuência, buscando com isso levar alguma vantagem econômica ao anuir sua transferência.
3.5. BENFEITORIAS
Em geral, as benfeitorias realizadas pelo lojista não são indenizadas, tendo que em muitos casos o lojista restituir o imóvel tal qual o encontrou. A Lei 8.245/91 estabelece que o imóvel deve ser alugado em condições ao uso a que se destina. Porém, é evidente que cada ramo, possui suas particularidades, pois a arquitetura e organização de um supermercado certamente não é a mesma de uma loja de roupas ou de eletro-eletrônico. Desta forma, cada lojista costuma montar seu empreendimento de acordo com suas necessidades e o que impera nos contratos de locação em Shopping Center é que as benfeitorias correm tão somente por conta do empresário que está locando o imóvel.
3.6. FUNDOS DE PROMOÇÃO
A Associação de Lojistas tem a finalidade essencialmente de promover a divulgação do Shopping, despertando nas pessoas a vontade de ir ao empreendimento, lá realizando suas compras. Uma importante estratégia é primordial para o sucesso destas campanhas que são mais freqüentes nas datas especiais: dias das mães, natal, dias dos namorados e páscoa.
O fundo de contribuição que se forma pela contribuição obrigatória dos lojistas e do empreendedor tem a finalidade precípua de promover estas ações e estratégias de marketing. O mesmo é criado e administrado pela Associação dos lojistas, mas segue o que determina o estatuto ou Pela Escritura Declaratória de Normas Gerais Complementares do Shopping Center.
4. CONCLUSÃO
Enquanto o Projeto de Lei 7.137/2002 não for aprovado continuarão a existir muitas lacunas no que se refere aos contratos de locação em Shopping Center, o que possibilita e muito a proliferação de cláusulas abusivas por parte do empreendedor, que é e sempre será a parte mais forte da relação.
A cobrança de “res sperata”, por exemplo, caso não seja aceita pelo lojista, o que lhe cabe é procurar outro imóvel para locar, uma vez que por ser habitual neste tipo de contrato, considerado atípico pelo ordenamento jurídico, se tornou aceitável por nossos tribunais, justificado como já citado, pelos investimentos feitos pelo empreendedor para o sucesso do negócio.
Porém, sabemos que o fato do lojista se instalar em um Shopping Center não é garantia de sucesso. A única garantia que possui é que terá uma infinidade de taxas a pagar, consiga ou não fazer com que seu negócio prospere dentro dos percentuais pactuados no aluguel escalonado por exemplo. Desta forma, enquanto a legislação específica não é aprovada, certamente o melhor caminho aos tribunais é flexibilizar o princípio do “pacta sunt servanda”, permitindo assim que cláusulas abusivas e por demais onerosas sejam analisadas.
REFERÊNCIAS
www.abrasce.com.br
www.sebraesp.com.br
SLAIBI FILHO, Nagib. Comentários à Nova Lei do Inquilinato. Editora Forense, 9ª edição/1986.
REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. 26 ed. São Paulo: Saraiva, 2006.v.I.
DINIZ, Maria Helena. Tratado Teórico e Prático dos Contratos. São Paulo: Saraiva, 1999.v.2.p.92.