Súmula 381 do STJ sobre contratos entre consumidores e bancos passa longe de consolidar jurisprudência e agride o CDC

Súmula 381 do STJ sobre contratos entre consumidores e bancos passa longe de consolidar jurisprudência e agride o CDC

Estudo dos julgados do STJ sobre o tema revela que o verbete sumular não corresponde ao entendimento cristalizado nos precedentes da Corte.

Recentemente, o STJ elaborou Súmula 381 que assim dispõe:

"Nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade das cláusulas."

Parece absurdo o teor desse novo enunciado. E é mesmo! Um estudo dos julgados do STJ sobre o tema revela que o referido verbete sumular surgiu após intenso debate sobre a possibilidade de reconhecimento de nulidades contratuais (direito material) de ofício pelos órgãos a quo (destinatários dos recursos), quando inexistir manifestação do juízo ad quem (recorrido) a respeito. Essa sim é a discussão existente.

Confiram-se os processos que serviram de base para o enunciado:

ERESP 702524-RS; RESP 54114-RS; ERESP 64590-RS; AGRG NO RESP 824847-RS; RESP 1064594-RS; RESP 1042803-RS; AGRG NO RESP 782895-SC; RESP 1007561-RS; AGRG NOS ERESP 80142-RS.

Outro ponto que merece atenção é a falta de rigor técnico quanto à extensão do verbete sumular. Ele refere-se estritamente a contratos bancários. Ora, nem todo contrato bancário encerra relação de consumo, lembrando que os precedentes citados – todos eles – versam sobre relações de consumo, envolvendo situações em que mais se apresentam violações aos direitos consumeristas: contratação de bancos.

Não é difícil enxergar que o teor da súmula foi muito além da orientação inserida nesses julgados, os quais se restringem à questão de revisão, pelos Tribunais, de matéria não discutida em 1º grau. Tal enunciado merece revisão, uma vez que dá a entender que qualquer julgador, inclusive o juiz de 1º grau, está impedido de reconhecer de ofício cláusulas abusivas, o que é um disparate. A doutrina rechaça esse pensamento. Nelson Nery Júnior assim leciona:

“Atendendo aos reclamos da doutrina, o CDC enunciou hipóteses de cláusulas abusivas em elenco exemplificativo. (...) Sempre que verificar a existência de desequilíbrio na posição das partes no contrato de consumo, o juiz poderá reconhecer e declarar abusiva determinada cláusula, atendidos os princípios da boa-fé e da compatibilidade com o sistema de proteção do consumidor. (...) Como a cláusula abusiva é nula de pleno direito (CDC, art. 51), deve ser reconhecida essa nulidade de ofício pelo juiz, independentemente de requerimento da parte ou interessado.”

(Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentados pelos Autores do Anteprojeto. [et al.]. 8ª ed. rev. ampl. e atual., Rio de Janeiro: Editora Forense Universitária, 2004; p. 693)

Tal é, também, o entender de, Cláudia Lima Marques:

O Poder Judiciário declarará a nulidade absoluta destas cláusulas, a pedido do consumidor, de suas entidades de proteção, do Ministério Público e mesmo, incidentalmente, ex officio. A vontade das partes manifestada livremente no contrato não é mais o fator decisivo para o direito, pois as normas do Código instituem novos valores superiores, como o equilíbrio e a boa-fé nas relações de consumo. Formado o vínculo contratual de consumo, o novo direito dos contratos opta por proteger não só a vontade das partes, mas também os legítimos interesses e expectativas dos consumidores.”

(Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. [et al.]. 2ª ed. rev. atual. e ampl., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006; p. 561)

No foco da questão, está o art. 51 do CDC, o qual permite a atuação oficiosa dos juízes, ao se depararem com cláusulas contratuais prejudiciais à parte consumidora. O dispositivo está assim redigido:

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:”

Ademais, a própria jurisprudência do STJ corrobora esse entendimento:

"PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. SFH. CONTRATO DE MÚTUO. TABELA PRICE. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS 282 E 356 DO STF. ART. 6°, "E", DA LEI Nº 4.380/64. LIMITAÇÃO DOS JUROS. JULGAMENTO EXTRA PETITA. MATÉRIAS DE ORDEM PÚBLICA. ARTS. 1º E 51 DO CDC.
1. A matéria relativa à suposta negativa de vigência ao art. 5º da Medida Provisória 2.179-36 e contrariedade do art. 4º do Decreto 22.626/33 não foi prequestionada, o que impede o conhecimento do recurso nesse aspecto. Incidência das Súmulas 282 e 356 do STF.
2. O art. 6°, "e", da Lei nº 4.380/64 não estabeleceu taxa máxima de juros para o Sistema Financeiro de Habitação, mas, apenas, uma condição para que fosse aplicado o art. 5° do mesmo diploma legal. Precedentes.
3.
Não haverá julgamento extra petita quando o juiz ou tribunal pronunciar-se de ofício sobre matérias de ordem pública, entre as quais se incluem as cláusulas contratuais consideradas abusivas (arts. 1º e 51 do CDC). Precedente.
4. Recurso especial provido em parte."
(STJ – Recurso Especial 1013562/SC - 2ª Turma - Rel. CASTRO MEIRA; J: 07/10/2008)

Depois de vistos tais argumentos, pensar que os julgadores encontram-se impedidos de analisar cláusulas contratuais de ofício, em favor do consumidor, significa jogar o CDC na privada e puxar a descarga!

Ademais, o assunto discutido nos precedentes daquela corte superior é de natureza estritamente processual e refere-se às disposições processuais não do CDC, mas sim do CPC, notadamente, o art. 515, o qual encerra a norma do tantum devolutum quantum appelatum, que estipula que o órgão a quo está autorizado a examinar apenas aquilo que as partes levantaram em seus recursos.

Não se discute a propriedade desse entendimento e sim a adequação da súmula 381 do STJ aos julgados que lhe deram origem.

Sob o ponto de vista do contraditório entre as partes, a regra do art. 515 do CPC é interessante, uma vez que permite ampla manifestação sobre o objeto da lide apenas no lugar próprio, que é o 1º grau de jurisdição, no qual há abertura para dilação probatória e extenso debate. Além do que, a regra em apreço promove a celeridade e a economia processual. Essa e a regra. Porém, é possível vislumbrar uma exceção quando o reconhecimento da nulidade em 2º grau versar sobre direitos cujo reconhecimento esteja completamente pacífico nos Tribunais Superiores. Neste caso, o disposto no art. 515 do CPC deveria ceder espaço para o óbvio e para o bom-senso.

Ademais, mesmo estando vedado qualquer reconhecimento de nulidades em 2º grau, é possível à parte lesada ingressar com um novo processo no Judiciário para discutir tais vícios legais, e é o recomendável.

Diante de tais argumentos, não existe alternativa senão a de cancelar a Súmula 381 ou, então, proceder a sua correção, uma vez que a mesma contraria a legislação vigente e encontra-se dissonante tanto da doutrina pátria quanto da jurisprudência do próprio STJ.

Sobre o(a) autor(a)
Júlio César Cerdeira Ferreira
Júlio César Cerdeira Ferreira é Advogado em Direito Educacional e membro da Comissão de Direito do Consumidor da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em Juiz de Fora. É sócio de escritório e graduado em Direito pela Universidade...
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